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Opinião | Desafios da democracia

Opinião | Desafios da democracia

Os tempos que correm apresentam-se, a uma escala global, tempos de séria ameaça tanto para a estabilidade das relações internacionais e, consequentemente, as condições da paz e da cooperação entre países e povos como para a normalidade do funcionamento das democracias, mesmo em países onde estas se têm por consistentemente enraizadas. O mesmo equivale a dizer para o quadro internacional de respeito e proteção dos direitos humanos, postos em crise em tantos lugares desta aldeia global, seja pela emergência e resiliência de conflitos profundamente destrutivos, seja pelo acentuar de sentimentos de insegurança e medo que vão minando, por muitos lados, as relações de confiança no funcionamento normal das instituições.

A sensação acentuada é a de vivermos num mundo precário que a todo o momento pode emergir à nossa porta no deflagrar de ameaças e roturas para as quais os responsáveis políticos não têm nem arte para prevenir nem capacidade para remediar. E é este “ar do tempo” que parece instilar os populismos de toda a espécie. Muito diferentes entre si e, no entanto, partilhando uma mesma espécie de rancor destrutivo em relação ao que se vai designando pelos sistemas – todo o status quo existente que, pelo facto de existir, se apresenta como o bode expiatório das insatisfações.

Assim se vai assistindo ao minar de décadas de contributos a favor de uma civilização de valores e de princípios assente na defesa básica da dignidade humana.

Quando o valor da dignidade da pessoa humana passa a contar menos do que as reivindicações identitárias de natureza nacionalista, quando a crença na capacidade de convivência partilhada, nos direitos e nas responsabilidades, mina as possibilidades de aprofundamento das instituições internacionais, o que resta pode ser muito pouco no espaço do direito face ao ressurgir das ideias da força, da imposição e do unilateralismo.

Como sempre acontece nos momentos da dúvida e da incerteza, torna-se frequente o alastrar do ceticismo. Com ele, diminuem as dimensões da cidadania e reforçam-se as manifestaçõ0es do autoritarismo mais oumenos caudilhista. É o tempo dos demagogos, dos radicalismos, dos ajustes de contas. Enfim, dos retrocessos da mais variada ordem.

Assim parece estar a acontecer em fenómenos conjugados, desde o brexit em relação à União Europeia, à vitória de Trump nos EUA, à subida dos movimentos xenófobos e de extrema direita em tantos lugares da Europa.

Vamos a tempo de opor uma saudável reação democrática aos sinais visíveis do retrocesso civilizacional?

É possível que tal ocorra numa reconstituição de regras enquadradoras da economia global?

É viável acompanhar a revolução digital e tecnológica em curso com medidas de sustentabilidade do trabalho e do direito à igualdade no desenvolvimento?

Que segmento contributivo poderemos dar, à nossa escala, para problemas cujo âmbito tanto parece transcender a possibilidade dos nossos esforços?

Creio que nenhuma das perguntas tem resposta concludente. Por isso, a possibilidade de podermos concorrer positivamente para a superação dos problemas do nosso tempo estará, e muito, no aprofundamento de sólidas convicções democráticas – que tornem inabalável a nossa fé nos valores da liberdade, da tolerância, do respeito pelas diferenças, da solidariedade.

São tais valores que permitem dar continuidade às instituições da democracia. Circunstancialmente, os seus resultados podem ser medíocres e até desanimadores. Mas uma sólida formação democrática sempre saberá que não há outra solução melhor do que a possível na arquitetura do Estado de Direito. Acima e para além das ideologias, os democratas têm de saber não perder de vista o património que os identifica. Quando assim não é, o clima que prevalece, entre a violência e a agressividade, é o típico das disrupções, das discriminações, no limite, das guerras civis.

Para lhe fazer face, os partidos políticos têm de saber dar respostas conjuntas. Todos têm a sua responsabilidade. Tem-na, por certo, aqui e agora, o Partido Socialista.

In Acção Socialista

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