Opinião: Classe média – o slogan da direita
O primeiro plenário desta sessão legislativa teve lugar na última quinta-feira. A direita apareceu “indignadíssima” com o ataque “monstruoso” que a geringonça se prepara para fazer à “classe média”. Parece que um imposto sobre um património imobiliário avaliado anualmente em meio de milhão de euros acordou a direita para uma “política para as pessoas, as da classe média”.
Está visto que para uma direita muda em alternativas “classe média” é, em 2016, quem tem um património imobiliário avaliado anualmente acima de meio milhão de euros. Muito bem. Concorde-se ou não com o imposto, vamos à coerência laranja e azul.
Na verdade, a classe média agora apregoada é um slogan. É uma espécie de conceito vazio a enfeitar uma bancada de apelo ao voto.
Em matéria de escolhas políticas fiscais e de cortes de rendimentos, o último governo entendeu que um pensionista e funcionários públicos com uma pensão de 600 euros eram “classe média”, pelo que decidiu cortar definitivamente dois meses da vida dessas pessoas. Esse ataque ao conceito de classe média do então governo laranja e azul só não foi definitivo porque 17 deputados do PS e BE e, depois, todos os partidos da esquerda impugnaram a infâmia junto do TC.
Em matéria de conceito de “classe média”, o anterior governo tinha por rico a abater fiscalmente, com o seu enorme aumento de impostos, gente com rendimentos abaixo dos mil euros brutos mensais.
Em matéria de conceito e de proteção da tal da “classe média”, o anterior governo gabou-se de ter aumentado as pensões mínimas, nunca dizendo que o fez à custa do esbulho do Complemento Solidário para Idosos, prestação que diz respeito aos mais pobres dos mais pobres.
Em matéria de conceito de classe média, a direita tinha preparado um corte de 600 milhões de euros nas pensões, pelo que se percebe a mudez de 2015 e a mudez no primeiro dia do primeiro plenário.
Em matéria de conceito de classe média, a agora agoniada direita defensora do slogan é a mesma que introduziu a sobretaxa no IRS, que a geringonça eliminou contra a vontade dos súbitos puritanos.
Em matéria de conceito de classe média, no OE do ano anterior, a direita mostrou bem a sua oposição à redução do IRS sem aumentar o IRC.
Em matéria de conceito de classe média, a direita tem uma história de amor governativa com os fundos de investimentos imobiliários, que isentou de impostos.
Essa isenção acabou, e bem, mas sem o apoio desta direita “das pessoas”.
O amor da direita ao slogan leva-a a ser contrária ao aumento do salário mínimo, leva-a a ser contrária à reposição do valor do Complemento Solidário para Idosos e do valor de referência do Rendimento Social de Inserção, para um total de 440 mil portugueses.
Na primeira declaração política que ouvimos do CDS, conseguimos ouvir quem não deu conta de que o rendimento das famílias está realmente a aumentar e que finalmente aconteceu a justiça social no concreto, como se viu com o aumento dos três primeiros escalões do abono de família, beneficiando mais de 1 milhão de crianças.
Essa justiça social no concreto aconteceu também com a redução das taxas de alguns serviços essenciais, como as taxas moderadoras no SNS.
Falta fazer muito. É, no entanto, penoso ver o PSD e o CDS a falarem de “classe média” quando olhamos para as suas escolhas políticas enquanto governantes.
Privilegiando os privilegiados e rebentando com os pobres, de caminho a direita afundou a classe média.
Parece que a reencontrou para proteger. É quem ganha 600 euros, como no passado? Não. É quem tem um património imobiliário anual avaliado em mais de meio milhão de euros. Não é só descaramento. É inexistência.