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Opinião: Aleppo… meu amor!

Opinião: Aleppo… meu amor!

Aleppo é o triste e funesto retrato do fracasso da diplomacia internacional e da ingerência perniciosa de países que gostam de ter nas mãos um comando de morte à distância, apenas para demonstrar que têm o poder de uma superpotência, infelizmente um poder letal.

A batalha pelo controlo de Aleppo não conheceu limites nem respeitou as fronteiras da dor, da dignidade humana e revelou um desprezo infinito pela vida e pelos direitos humanos. Crimes de guerra e contra a humanidade foram e estão a ser praticados numa cidade que à data de hoje e depois das últimas evacuações é um amontoado de destroços e de murmúrios lancinantes que irão ecoar na nossa alma coletiva.

Nesta batalha de cinco longos anos vestida de sangue, lágrimas e vidas despedaçadas e precocemente interrompidas, foi demonstrada à exaustão a fragilidade das Nações Unidas na prevenção e na gestão de conflitos armados e o fracasso do sistema europeu no acolhimento de refugiados e na criação de corredores de segurança.

Estamos perante um sistema perdido numa teia burocrática e fria onde o burden sharing significa apenas um fardo, em que tem estado completamente ausente a partilha de responsabilidades e sobretudo a assunção dos compromissos internacionais plasmados na Convenção de Genebra de 1951, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na proteção contra a devolução forçada (princípio do non-refoulement) que o artigo 3.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o artigo 33.º da Convenção de Genebra erigiram como norma de jus cogens.

Embora o mundo seja acordado periodicamente pelo sofrimento atroz das crianças no conflito sírio – jamais esqueceremos as fotografias do inocente corpo de Alan Kurdi, que morreu afogado, e o pequeno rosto sujo de sangue de Omran Daqneesh.

O número de crianças mortas e traumatizadas tem sido um crescendo que nos tolda de dor e frustração face à resposta sempre tardia.

A proporção de crianças entre os habitantes encurralados no leste de Aleppo está alinhada com a população da Síria ou de outros países no Médio Oriente com números elevados de crianças e população com menos de 25 anos. Mas a proporção de crianças que foram mortas ou feridas no leste de Aleppo parece de facto ser maior do que em outros conflitos recentes do Oriente Médio, de acordo com a Organização Save the Children.

No primeiro ano da guerra no Iémen, por exemplo, cerca de 28% dos civis mortos eram crianças. Na guerra de Gaza, em 2014, a ONU estimou que 35% dos civis mortos eram crianças.
Diferentemente de alguns cercos de menor escala em cidades recalcitrantes na Síria, as forças governamentais sírias e as forças armadas aliadas utilizaram bombas “arrasa-bunker” extremamente potentes e não muito precisas, que conseguem acabar com abrigos subterrâneos, de acordo com residentes e funcionários de organizações de auxílio. Este uso de munições incendiárias e bombas de fragmentação viola de forma flagrante as convenções sobre armas que proíbem o seu manuseamento em centros de população civil, como refere o relatório da IHS Aerospace, Defense and Security.

O último relatório da Amnistia Internacional sobre a Síria e sobre crimes em massa praticados pelo regime sírio, divulgado esta semana, revela bem o grau de extermínio efetuado e a dor imensa infligida a um povo. A comprovarem-se todos estes dados, estaremos seguramente em face de hediondos crimes contra a humanidade.

Em Portugal já recebemos cerca de 500 sírios e outros refugiados oriundos de mais de dez proveniências, demonstrando à Europa e ao mundo que, para nós, receber, acolher e integrar seres humanos que carecem de proteção internacional é um imperativo ético, político e cívico.

A vida e a liberdade são direitos imanentes e intrínsecos ao indivíduo e constituem garantias fundamentais do ser humano. Quando esses direitos são ameaçados, o direito de buscar proteção noutros países surge como um direito tão relevante com os anteriores referidos, assim o proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo que o direito de asilo não pode ser encarado com complacência ou discricionariedade, mas tem de ser, ao invés, um imperativo ético e universal.

A missão prioritária do novo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, será na Síria, e desejo sinceramente que o seu apelo e magistratura possam inaugurar uma nova era, um novo tempo onde os direitos humanos sejam prevalecentes e preferentes face a outros interesses ou poderes, porque o maior poder será sempre o da busca de um mundo mais humano, onde a claridade dos direitos universais e sem fronteiras geográficas impere.

(in Diário de Notícias)

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