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Opinião: Adeus, Sotora Isabel

(artigo de opinião escrito originalmente para o jornal Público)

O Luiz ligou-me mesmo agora, mas sei que já não vou a tempo de me despedir.

Eu só quero recordar a Sotora Isabel. Tive muitos professores e vários me marcaram. Um até é Presidente da República. Mas nenhum foi tão importante na minha vida e na minha formação.
Fomos só 59 os que tivemos a felicidade de a conhecer no princípio do ano letivo de 1971/72. A escola abriu esse ano só com o primeiro ano — do então ciclo preparatório — para dar início a uma primeira experiência de ensino artístico integrado, como uma secção da Francisco Arruda no Conservatório Nacional.

A Sotora era a diretora. Novíssima, sorridente, cheia de alegria e energia, contagiou-nos a todos, naquela ilha de liberdade, que ali abriu.

Uns seguiam dança, outros, música e só para esses a escola foi criada. Mas no meio do Bairro Alto havia outros que não tiveram lugar, nem na música, nem na dança. Mas tiveram, por sua decisão, lugar na escola que quis que fosse para todos.

E para todos aquela escola foi um espaço de oportunidade e livre criatividade. Sessões de literatura, expressão dramática, pintura mural, trabalho manual, no barro, na tapeçaria, na madeira.

Com o João Miguel Fernandes Jorge, desenhámos o Camões e consigo celebrámos os 90 anos de Picasso.

Dos ensaios de Orquestra no São Carlos aos espetáculos da Gulbenkian, a escola ensinou-nos muito mais do que programas.

A Cytara, o nosso jornal, era tão ou mais importante que as aulas de Matemática ou Ciências Naturais. Tão mais importante, que o Ministério da Educação proibiu a sua continuação porque a Isabel Gonçalves escreveu um infantil poema sobre a paz.

Para mim, que vinha de um colégio privado de formação alemã, foi a libertação.

Os anos correram e a escola cresceu. À experiência do ensino artístico, juntou-se a experiência do unificado. Foram três anos extraordinários.

As revoluções têm coisas estranhas e no ano letivo de 1974/75, a escola acabou e a Sotora deixou de ser a nossa diretora.

Sempre que encontro um professor que sorri, uma escola com alegria, experiências inovadoras, lembro-me de si.

O mês passado voltei de novo ao Conservatório, agora como primeiro-ministro, e pela primeira vez desde que fomos expulsos.

Estávamos vários, num misto de saudade e ajuste de contas, voltando agora para lançar as obras que há anos urgiam.

A Sotora já não pôde vir. Mas todos a sentimos connosco naquelas salas, nos corredores, no pátio onde nos deixava jogar à bola.

Aos atuais alunos desejei o máximo que posso desejar. Que sejam ali tão felizes como eu fui, porque aqueles foram os três anos mais maravilhosos que vivi em todos os anos de estudo. Graças a si, Sotora Isabel. Para além da obra artística, deixa também uma experiência de vida única nos seus antigos alunos.