Opinião: A Realidade e a bússola
Ontem, antes da apresentação do OE para 2017, assistimos a horas de comentário televisivo, sendo de destacar a quantidade de vezes que foi dito, nomeadamente por Tiago Caiado Guerreiro, que estamos perante um OE “ideológico”.
A coisa é dita com horror, quando vivemos quase 50 anos numa “ideologia” de proibição de ideologias.
Ora, felizmente, o OE para 2017 é ideológico. É apresentado por um governo socialista e isso quer dizer alguma coisa. O parlamento tem a composição atual e isso quer dizer alguma coisa. Quer dizer que os portugueses escolheram uma política que brotasse de uma linha, imagine-se, ideológica.
Anda para aí uma propaganda segundo a qual a ideologia é o equivalente a uma utopia que impede os irresponsáveis socialistas de serem pragmáticos, de aterrarem na realidade.
Os propagandistas deste horror ditatorial tentam fazer esquecer que andar na realidade sem ideologia é como que andar por aí sem uma bússola.
Precisamente o que este governo faz é olhar para a realidade com uma bússola, a tal da ideologia, que tem consequências terríveis para os comentadores comprometidos em salvar a face, porque estiveram quatro anos ao serviço da esdrúxula “austeridade expansionista”.
As consequências terríveis passam desde logo por demonstrar que o problema do crescimento económico também está na desigualdade criada pela direita.
Para os socialistas é ideologicamente imperativo, por razões de decência, devolver rendimentos, aumentar salários, repor prestações sociais, devolver pensões, aumentar pensões, diminuir impostos sobre o trabalho, entre outras medidas, mas também sabemos, ao contrário da direita, que não há crescimento económico sem esta decência.
As escolhas feitas no OE, como a tributação do património (nos exatos termos em que o mesmo está previsto no OE e não na versão José Gomes Ferreira) é uma escolha ideológica no sentido de diversificar as fontes de financiamento da segurança social. E, para desgraça de quem já quem só tem como arma afirmar que o OE é ideológico, o “governo das esquerdas” consegue o que a direita foi espetacular em falhar: rigor na consolidação das contas públicas e justiça social.
Continuaremos assim. Não queremos andar por aí com oito orçamentos retificativos. Queremos estar atentos à realidade, claro, mas com ideologia. Com bússola.
(in Expresso)