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Ontem fomos todos encostados à parede no Martim Moniz

Ontem fomos todos encostados à parede no Martim Moniz

Ontem, numa rua de um bairro de Lisboa, pessoas, muitas pessoas, foram indiscriminadamente mandadas encostar à parede e sujeitas a revista policial, no quadro de um aparato mandado montar para mostrar essa humilhação coletiva a determinados grupos étnicos ou raciais (embora, cientificamente, não existam raças humanas, mas apenas a raça humana). Uma operação desta natureza não podia acontecer sem motivos fortes – e desses motivos, suficientemente concretos, a opinião pública devia ser adequadamente esclarecida. Ora, segundo se sabe, desse espetáculo lamentável resultou a apreensão de uma arma branca e de canábis. A desproporção entre os meios e os resultados, mais as declarações do primeiro-ministro, denunciam o fito puramente propagandístico da operação. As forças policiais estão a ser usadas para fins político-partidários, isto é, para tentar obter uma transferência de votos entre partidos da direita portuguesa, à custa do respeito que devemos a todas as pessoas que vivem na nossa comunidade.

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O «Ação Socialista» é o jornal oficial do Partido Socialista, cuja direção responde perante a Comissão Nacional. Criado em 30 de novembro de 1978, ...

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Opinião de:

Porfírio Silva

Não por acaso, a zona escolhida para aquela humilhação coletiva e seletiva é conhecida pela forte presença de imigrantes. O governo não se atreveria a produzir este espetáculo numa rua de Cascais ou do Estoril, porque, aí, as perceções preconceituosas que alimentam estas manobras não funcionariam no sentido desejado pelos instigadores. Seguindo uma estratégia de cavar divisões, o governo está, repetidamente, a criar as condições para uma fratura social que julgávamos impossível na nossa sociedade. Não se trata de pretender que não havia racismo entre nós, porque havia. Trata-se de que, até há pouco, não havia nenhuma pessoa decente e com responsabilidades públicas que enveredasse pelo caminho de explorar o racismo existente, latente, subliminar, para espicaçar perceções distorcidas, erradas e contrárias aos dados existentes, apenas como parte de um jogo de pequena política. Hoje, essa espécie, que devia ser rara, tem um espécime na chefia do governo.

Efetivamente, pelo que diz, o primeiro-ministro parece ter sido o mandante desta ação. Não deu nenhuma justificação, nenhuma explicação, nem apresentou nenhum resultado que, pelo menos remotamente, indiciasse qualquer lógica assente na legalidade democrática que estivesse subjacente ao teatro público montado para humilhar pessoas que vivem entre nós e que contribuem para a nossa humanidade comum. A sua explicação é vergonhosa, quando assume que labora na manipulação de perceções.

O primeiro-ministro foi capturado pela extrema-direita. Não somos capazes de precisar se o primeiro-ministro sabe de história o suficiente para compreender que encontramos antecedentes destas práticas de humilhação de grupo para fins políticos na estratégia do partido nazi na Alemanha da primeira metade do século passado ou se é levianamente que o primeiro-ministro entra pelo caminho infernal do acirrar divisões de grupo na sociedade do Portugal onde vivemos.

O que sabemos é que todos os portugueses de paz, respeitadores da Constituição e da legalidade, aderentes aos princípios fundadores dos direitos humanos, foram ontem colhidos por aquela ação numa rua de Lisboa. O que sabemos é que somos todos ameaçados com ações, como aquela, que pretendem acirrar a desconfiança, e até o despeito e a raiva, entre pessoas que são, desta forma, acantonadas em identidades grupais que alguns pretendem transformar em antagónicas. O que sabemos é que todos perdemos com esta ameaça, politicamente inspirada, à concórdia entre membros da comunidade dos humanos que vivem no nosso país. Por isso, ontem fomos todos encostados à parede no Martim Moniz, e isso foi obra de quem nos governa e trai, por truque político, os seus deveres e responsabilidades.

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