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OE2014: Sem perdão, na palavra e na ação

OE2014: Sem perdão, na palavra e na ação

Chegamos ao debate parlamentar da Proposta de Orçamento de Estado de 2014 com dois anos completos de ação do Governo na frente económica e orçamental. 

Dois anos que deveriam servir para uma reflexão profunda sobre o caminho adotado, que privilegiou o défice sobre todas as outras variáveis de ajustamento. Dois anos de sucessivos e enormes aumentos de impostos e cortes de salários e pensões, que duplicaram a austeridade face ao Memorando inicial.

No fim destes dois anos, a dívida pública cresceu 30 mil milhões de euros, o défice praticamente não baixou (e não baixou mesmo nada em 2013, apesar do “enorme” aumento de impostos), e o desemprego disparou. Todas estas variáveis evoluíram de forma muito mais negativa do que o próprio Governo esperava, depois de ter feito todas as contas no seu primeiro Documento de Estratégia Orçamental: o país tem hoje mais 276 mil desempregados e 25 mil milhões de euros de dívida pública do que o Governo antecipava, em Agosto de 2011, para o final de 2013.

Porquê? Porque as doses de austeridade “além da Troika” foram perdidas para a recessão. Apesar dos “enormes” aumentos de impostos, a receita fiscal e contributiva será inferior no fim de 2013 à registada em 2011, uma vez que o desemprego e as falências compensaram negativamente, em menos IVA e IRS, e mais subsídios de desemprego, os aumentos de taxas aprovados pelo Governo. Dois anos depois de uma estratégia falhada, como pode o Governo pedir aos portugueses que acreditem que é, afinal, em 2014 que os impostos de classe sobre pensionistas e funcionários públicos, disfarçados de cortes retroativos de salários e pensões, vão resultar?

O Governo tem hoje um problema sério de credibilidade, quer no plano externo, quer interno. No plano externo, os sucessivos falhanços e a falta de liderança e estratégia do Primeiro-Ministro, reconhecidos com estrondo na carta de demissão de Vítor Gaspar e agudizados severamente com a crise política do Verão passado, não permitem que o Governo se apresente como um parceiro capaz de negociar com a Europa uma trajetória de ajustamento credível das contas públicas do país.

No plano interno, as falhas do Governo não residem apenas na ação. É naturalmente muito grave que, durante dois anos, tenha falhado toda a política orçamental de um Governo “mais troikista que a Troika”. Mas é duplamente grave que os enormes aumentos de impostos e os cortes retroativos de pensões ou salários venham de um Governo apoiado em partidos que chumbaram, no passado, medidas governativas com a justificação de que não podiam aceitar soluções assentes no aumento de impostos; e de um Primeiro-Ministro que, enquanto candidato, dizia que cortar retroativamente pensões seria como se o Estado se apropriasse de algo que não lhe pertencia, ou que a intenção de cortar o 13º mês era um “disparate”.

Houve já quem chamasse à campanha eleitoral do PSD em 2011 a maior “burla política” de que há memória em Portugal. Passados dois anos, à burla na palavra juntou-se a incompetência na ação, fazendo abater sobre o país uma tempestade perfeita de desagregação económica, social e institucional, com danos ainda incalculáveis para a democracia portuguesa.

Aprovar o OE2014, aprovar a continuação desta estratégia orçamental, com este novo e enorme corte de salários e pensões, depois dos falhanços dos dois anos anteriores, significaria estar ao lado de um Governo que empurrou o país para lá do precipício e agora se recusa obstinadamente a abrir o para-quedas, travando a política que colocou o país em queda livre.

 

Pedro Marques

Vice-presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista