O sucesso do combate que urge contra o terrorismo
A segurança, sabemo-lo bem, é um garante incontornável da Liberdade. Ninguém é verdadeiramente livre se não se sentir seguro.
Portugal é um país seguro e queremos que o continue a ser.
Não há hoje como ignorar – e se houvesse, seria irresponsabilidade fazê-lo – que vários países, com os quais partilhamos os mesmos valores culturais, vêm sendo fustigados pela irracionalidade do fenómeno do terrorismo e alguns deles vivem mesmo, há longos meses, como a França, em estado de emergência, sendo as ameaças de novos atentados dirigidas à Europa como um todo.
A ideia de que Portugal não deve deixar de acompanhar os mecanismos de defesa adotados pelos demais países do espaço político-geográfico em que se insere é, assim, a única verdadeiramente consentânea com a exigência de reforço das nossas defesas e da segurança enquanto obrigação prestacional do Estado aos cidadãos.
É o caso da permissão de acesso, dentro de estritos condicionalismos legais e judiciais, dos serviços de informações aos chamados dados de tráfego ou metadados. Falamos de dados de tráfego, note-se, e nunca, em momento algum, ao conteúdo das comunicações e, mesmo aquele acesso, só admissível no quadro da prevenção da espionagem e terrorismo.
Uma leitura atomística do texto constitucional, que não comportasse a adaptação à nova realidade que o terrorismo comporta consigo, além de não responder satisfatoriamente à questão da colisão entre diferentes direitos fundamentais ou entre diferentes valores constitucionais, nem atentar à diferença de grau entre dados de tráfego e dados de conteúdo, não deixaria de colocar sobre a Lei Fundamental uma pressão reformadora que ela, em nosso entender, bem dispensaria.
Vivemos tempos novos, para os quais teremos de ter consciência que se exigem respostas inovadoras, eficazes e descomplexadas. A estruturação clássica dos nossos ordenamentos jurídicos, nomeadamente penais, assenta no pressuposto de que à pratica de um crime corresponde uma pena, isto é, de que a cominação de um mal – no caso, a de privação de liberdade durante mais ou menos tempo – logrará dissuadir o criminoso da sua prática.
Quando, porém, somos confrontados com recorrentes notícias de atentados terroristas em que ao chocante desprezo pela vida de terceiros se soma o desprezo dos seus autores pela sua própria vida e, mais do que isso, quantas vezes, até pela vontade, recompensada num paraíso à espera, de por termo à própria vida, fácil é concluir que a cominação de uma pena, em que assenta todo o nosso processo criminal, se torna, de repente, inoperativa face à eminência de um atentado e à desproporção do seu resultado danoso.
Existem demasiados exemplos – e, todos esses, exemplos demasiado dolorosos – que nos comprovam que a pressão colocada pela comunidade sobre o legislador, em reação à ocorrência desses funestos eventos, traz em si o risco de fazer comprimir a defesa dos direitos, liberdades e garantias para patamares consideravelmente mais cerces do que aqueles que apenas eram alvitrados antes da sua ocorrência.
Deveria, essa dor alheia, servir-nos ao menos de exemplo para nos motivar a proceder hoje às alterações razoáveis, proporcionais e adequadas que se justifiquem e que, a não serem feitas, correrão o risco de serem amanhã atropeladas pelo frenesim reativo suscitado por um evento que ninguém poderá garantir que não ocorrerá.
Aliás, a circunstância dessas alterações tardarem a ser feitas, num contexto europeu em que elas já foram feitas em todos os demais países com que partilhamos a União, só pode concitar o receio de que Portugal possa passar algum dia a ser considerado, no contexto do combate europeu ao terrorismo, uma espécie de elo mais fraco ou menos apetrechado e, como tal, paradoxalmente, mais apelativo.
Sendo o processo criminal, como é consabido, a sequência de atos juridicamente preordenados praticados por pessoas legalmente autorizadas em ordem à decisão sobre a prática de um crime e as suas consequências jurídicas, que se inicia com a notitia criminis, a recolha de informações no seu âmbito é sempre feita num contexto previamente delimitado pelo seu objeto, apenas se recolhendo informações no contexto da investigação de um especifico facto e em relação a específicos sujeitos tidos como suspeitos.
Não é disso que falamos quando falamos do papel dos Serviços de Informações na prevenção do terrorismo.
As funções de recolha e tratamento de informações pelos Serviços de Informações, porque preventivas, não se orientam a uma atividade investigatória de crimes praticados ou em execução.
O seu patamar é prévio e é nesse patamar que, à semelhança dos nossos congéneres europeus, deve ser colocada a primeira linha da defesa do Estado de Direito contra o terrorismo.
Dito de outro modo, a atividade dos Serviços de Informações passa por reunir informações destinadas a prevenir a ocorrência de factos previstos e punidos na lei penal, designadamente em matérias que, pela sua natureza, possam atentar contra os pilares do Estado de Direito. Daí se poder sustentar que a sua atividade é não apenas logicamente antecedente, mas conexa à do processo criminal.
Não é, pois, avisado continuar a ignorar que as exigências de prevenção de fenómenos de desproporcionada danosidade, como os do terrorismo, colocam desafios inauditos aos Estados e para os quais estes têm de saber poder dar resposta adequada.
Na proposta que o Governo apresenta, cumpre-se a garantia de reserva de juiz, na exata medida em que o controlo dos atos que afetam direitos fundamentais não é cometido a qualquer entidade administrativa, mas sim ao próprio Supremo Tribunal de Justiça.
Propõe-se, pois, uma inequívoca judicialização do acesso aos dados de trafego, para mais operada através de qualificadíssimos juízes, como, por definição, o são os presidentes das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, explicitando-se agora também, de modo claro, todo o procedimento de acesso, duração e eliminação dos dados recolhidos.
Consagram-se, assim, na proposta de lei apresentada pelo Governo, garantias idóneas contra o fundado receio de quaisquer intervenções arbitrárias ou desproporcionadas do poder público.
Porque é em nome do Estado de Direito Democrático, e nunca à custa do seu sacrifício, que se aquilatará, afinal, o sucesso do combate que urge contra o terrorismo.