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O Socialista confiável

O Socialista confiável

Costa anuncia fundo para a reconstrução pós-ciclones com 1,2 milhões de euros

(Tradução do artigo escrito na Revista Der Spiegel)

Portugal: O Chefe de Governo de esquerda recuperou o país da crise; é provável uma vitória nas eleições legislativas. Qual é a receita do Primeiro-Ministro António Costa?

Quando António Costa se encontra com as pessoas, olha-as na cara e sorri. Encara homólogos como Angela Merkel com curiosidade, aperta a mão aos jornalistas antes das entrevistas em direto de forma amigável, ouve com atenção os cidadãos que interpelam o seu Chefe de Governo na rua. Parece estar sempre bem-humorado, com o olhar levemente irónico nuns olhos escuros, atrás de uns óculos sem hastes.

O simpático Senhor Costa segurou durante quatro anos um governo minoritário socialista tolerado por comunistas e pelo Bloco de Esquerda trotskista – um feito em que ninguém acreditava. Aquando da tomada de posse há quatro anos, a oposição ridicularizou a aliança, apelidando-a de “gerigonça”.

No entanto, enquanto na vizinha Espanha se vota mais do que se governa, Costa tem atrás de si um mandato de sucesso – e quer ser reeleito no dia 6 de outubro. As suas probabilidades são boas, segundo as mais recentes sondagens, com o seu partido a chegar aos 38%, claramente acima dos resultados de há quatro anos. “Ele vai ganhar as eleições”, profetiza Miguel Sousa Tavares, um dos mais conhecidos comentadores políticos do país. A questão é apenas se, desta vez, consegue alcançar a maioria absoluta.

Quando Costa chegou ao poder em 2015, o ambiente social no país era tenso, em resultado das imposições da troika constituída pelo Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e Comissão Europeia, como contrapartidas para o empréstimo salvador de €78 mil milhões. Mas desde então, Costa provou – foi um dos poucos socialistas na UE a fazê-lo – que é possível aliviar a política de austeridade, criar crescimento, e, ainda assim, cumprir as condições definidas pelo Pacto de Estabilidade do Euro.

António Costa aderiu à juventude socialista em 1975, com 14 anos, um ano após a Revolução dos Cravos, que pôs fim a décadas de ditadura. O pai de Costa, um escritor da antiga colónia de Goa, na Índia, tinha ele próprio lutado contra a ditadura como membro do Partido Comunista. Foi perseguido pela polícia secreta e várias vezes detido e os seus livros foram proibidos. A mãe, jornalista, foi uma das primeiras mulheres a liderar o sindicato dos jornalistas.

Após o curso de Direito, Costa trabalhou no escritório de advogados de Jorge Sampaio, cuja campanha para a Presidência da República organizou vinte anos depois. Desde 1997 que tem assumido postos no executivo, o último dos quais como Ministro da Administração Interna no Governo do Primeiro-Ministro José Sócrates. O popular Costa candidatou-se em 2007 à Presidência da Câmara de Lisboa. Como conseguiu apenas 30% dos votos, teve que, já nessa altura, negociar uma aliança com forças de esquerda. Até 2015 ganhou mais duas eleições camarárias.

O jornalista José Pacheco Pereira é, na realidade, um opositor político de Costa. Pertence aos sociais-democratas do PSD – em Portugal mais orientados para o liberalismo económico – e foi até 2004 Vice-Presidente do Parlamento Europeu. Ele diz que o socialista Costa é “diferente da maioria dos políticos que de manhã à noite apenas pensam na afirmação do seu poder pessoal”. Ele é honesto, “não esconde nada”.

Na sua campanha eleitoral, no final do verão, Costa fez uma digressão pelo país, seguindo a Estrada Nacional 2, que atravessa Portugal de norte a sul. Costa começou no quilómetro zero, em Chaves, uma cidade pequena numa região de poucos recursos chamada Trás-os-Montes, perto da fronteira com Espanha. Em várias etapas, chegou com a sua comitiva às praias do Algarve em Faro, a uma distância de 700 quilómetros do ponto de partida.

As pessoas tiveram, pois, a oportunidade de partilhar as suas preocupações sem intermediários: escolas sobrelotadas, a dificuldade de fazer valer o Direito num sistema judicial sobrecarregado, longos tempos de espera por consultas de especialistas. Rui Rio, o concorrente de Costa do PSD, prefere apresentações em salas fechadas perante auditórios selecionados. Há quatro anos, o PSD obteve o maior número de votos, mas não conseguiu formar Governo e, entretanto, encontra-se em queda livre nas preferências dos eleitores.

O principal feito de Costa foi ter conseguido estabelecer um Governo tolerado pelas forças de esquerda no país, tais como os ainda ortodoxos comunistas, os Verdes e o Bloco de Esquerda trotskista, partidos que tinham sido inimigos dos socialistas desde o fim da ditadura em 1974. Assinou acordos separados com cada um dos três partidos, tarefa na qual lhe valeu a sua capacidade de negociação. O jornalista [Pacheco] Pereira está convencido de que Costa já tinha preparado um entendimento com o carismático chefe dos comunistas, Jerónimo de Sousa.

Ambos os lados fazem agora um balanço positivo da sua não-coligação. O socialista louva-se: “cumprimos tudo o que prometemos”. Também o comunista, que conteve a sua aversão contra o Pacto de Estabilidade da Zona Euro e contra a NATO, porventura por “razões de Estado”, disse que “valeu a pena”. Por isso, Costa sublinhou que ele [Jerónimo de Sousa] é uma pessoa de confiança, bastando um aperto de mão.

Com efeito, o PM conseguiu reconquistar a confiança dos portugueses. De acordo com Costa, foram criados 350 mil empregos. Desde a sua entrada em funções, quando se situava em 12,4%, a taxa de desemprego baixou quase para metade, para o nível mais baixo do milénio. A economia está a crescer anualmente cerca de 2% desde 2016, acima da média da UE, parcialmente devido a um boom do setor do turismo. Lisboa é uma das cidades da Europa mais reputadas. Enquanto Presidente da Câmara de Lisboa, Costa preparou este boom: transformou a cidade na metrópole das start-ups e angariou o evento internacional Web Summit, que atrai anualmente dezenas de milhares de participantes especializados.

A recuperação económica é, em parte, fruto da boa evolução da conjuntura, mas sobretudo Costa teve a seu lado o economista Mário Centeno enquanto Ministro das Finanças, formado em Harvard, que antes trabalhava no Banco de Portugal. Centeno manteve o percurso estabilizador dos antecessores conservadores, com algumas cedências à esquerda: o Governo aumentou o salário mínimo, as pensões e os salários dos funcionários públicos, de modo a sinalizar o fim da detestada “austeridade”. Desta forma, as famílias ficaram com mais rendimento disponível. Simultaneamente, Centeno reduziu a despesa pública.

Este ano, o novo endividamento deverá cifrar-se em apenas 0,2% do PIB. O Ministro Federal das Finanças da altura, Wolfgang Schäuble, que inicialmente encarou o seu homólogo com desconfiança, em 2017 distinguiu Centeno, designando-o por “Ronaldo do Eurogrupo”. Não obstante o facto de o endividamento do Estado, de 121% do PIB, continuar a pesar sobre as contas públicas, as agências de notação financeira passaram a avaliar o país de tal forma positiva, que este ano serão poupados €2 mil milhões em juros em comparação com o ano de 2014.

Quando Costa lançou a sua aliança de esquerda, há quatro anos, foi uma iniciativa politicamente arriscada. No entanto, ao contrário do que alguns receavam, os socialistas não abandonaram o centro do espetro político ao PSD, antes reforçando a adesão do eleitorado centrista – também graças ao Ministro das Finanças Centeno, que é igualmente Chefe do Eurogrupo desde janeiro de 2018. Por isso, na campanha eleitoral Costa promete voltar a incluir o seu melhor elemento no Conselho de Ministros. Diz que, se chegar uma crise internacional, o país agora está bem preparado. Embora tenha prometido investir €10 mil milhões em linhas ferroviárias, construção de rodovias, escolas e hospitais, esta despesa não deverá voltar a fazer aumentar o défice.

Contudo, este ponto está agora a suscitar a oposição do Bloco de Esquerda, cuja líder acusa o Governo de poupar em excesso, destruindo serviços públicos, começando pelas escolas e passando pelo setor da saúde, considerando que é este o verdadeiro défice do país. A extrema-esquerda de Portugal também pretende reverter a reforma do direito laboral, que permite contratos mais flexíveis. Desde o início do ano, professores, enfermeiros e médicos fizeram greves para conseguir salários mais elevados e melhores condições de trabalho.

Este verão, quando os motoristas dos camiões-cisterna fizeram greve, o PM recorreu à polícia e aos militares para abastecer os postos de gasolina. A oposição acusou o PM de ser um fura-greves ilegítimo. No entanto, milhões de turistas ficaram-lhe gratos.

Não obstante o facto de muitos portugueses terem estima pelo PM enquanto figura pragmática, numerosos analistas políticos consideram muito improvável uma vitória esmagadora dos socialistas. O desenlace

aparentemente garantido poderá desmobilizar os eleitores de esquerda. O Governo, dizem, terá anestesiado a sociedade – de acordo com estudos mais recentes, a preocupação com o emprego foi relegada para segundo plano.

Costa não deixou dúvidas quanto à sua intenção de evitar uma coligação: “é melhor não estragar uma boa amizade com um mau casamento”, disse recentemente, dirigindo-se ao Bloco de Esquerda. Alerta para o perigo da ingovernabilidade, que está a bloquear o sistema político espanhol. Em matéria de estabilidade, considera que Portugal deveria futuramente continuar a ser uma “aldeia de Asterix” na Península Ibérica.