"O PSD não se apercebeu mas está a condenar o SNS"
Entrevista a Correia de Campos
António Correia de Campos, ex-ministro da Saúde de Guterres e de Sócrates e um profundo conhecedor do SNS, diz que o projecto de revisão constitucional do PSD para a Saúde vai condenar o serviço público, trará como regra a isenção “apenas para os pobrezinhos” e que a sustentabilidade se alcança com mais taxas moderadoras e disciplina orçamental. O que, a seu ver, não aconteceu com a abertura de algumas das valências do Hospital de Leiria que concorrem directamente com outras já existentes em Lisboa e Coimbra. O ex-ministro é um dos subscritores de um manifesto contra a proposta do PSD.
É uma boa base de trabalho a proposta do PSD para a Saúde que deixa cair o “tendencialmente gratuito” mas garante que ninguém sem rendimento deixará de ser tratado?
O PSD não se apercebeu mas está a condenar o SNS.
Porquê?
Uma das regras do SNS é a gratuitidade, sendo o pagamento um complemento. O que o PSD pretende é o pagamento como regra, logo no acto de consumo, e a isenção para os pobrezinhos. Não há nenhum serviço universal (nem em França e na Bélgica onde os serviços de saúde são pagos maioritariamente pela Segurança Social) onde o Estado não assuma grande parte dos encargos.
A proposta do PSD é a seu ver um erro…
É uma regressão! No tempo de Salazar o Estado era o quinto ou sexto a assumir as despesas de Saúde depois do utente, da família e das IPSS. Até Marcelo Caetano foi mais progressista. Quando alguém entra numa urgência é impossível avaliar os seus rendimentos.
Dadas as restrições financeiras do Estado como se assegura a sustentabilidade do SNS?
Acredito que ainda existe margem para subir as taxas moderadoras de forma a valorizar-se o serviço prestado. Se o cidadão e o médico sabem que é tudo gratuito não se dão conta do custo do serviço.
Mais de 2,5 milhões de portugueses têm seguro de saúde. Não é a prova de que o SNS já não responde às necessidades?
Mais de metade desses seguros são fictícios e estão associados a cartões de crédito. Também existem seguros de saúde opcionais que muitas empresas dão aos seus trabalhadores mas que só se aplicam a pessoas no activo e são normalmente utilizados para pagar despesas de saúde que são adiáveis ou para um maior conforto do utente. Mesmo os seguros de saúde que são pagos pelas empresas não podem exceder 15% da verba gasta em despesas com pessoal porque têm uma dedução limitada pelos seguros de vida.
Num momento em que o sector público da Saúde dá sinais de pouca vitalidade no controlo orçamental como se travam, então, os gastos públicos?
Com disciplina. Deixo, apenas, um exemplo: é um escândalo nacional ter-se aberto em Leiria uma unidade com as mesmas valências que existem em Coimbra e em Lisboa pagando-se mais a profissionais e abrindo a concorrência entre serviços.