O núcleo
Não é a primeira vez, nem será a última, que surge no seio da União um tropismo nostálgico de regresso aos “fundadores”. Recordo dessa “ameaça” ter sido colocada nos anos 90, no auge de negociações institucionais. É uma confissão de desespero perante o curso de um projeto que escapa ao controlo de quem se habituou a não ver contestado o seu poder, de quem vive convencido de que a legitimidade do nome “Europa” pertence a uns predestinados da História, que benevolamente se dispuseram a abrir o seu modelo a outros, numa generosidade a que todos devemos estar gratos.
O “núcleo duro” da Europa, por muito que alguns não gostem, pertence hoje a todos quantos, com voluntarismo e sacrifício, jogaram o seu destino e vontade no projeto comum. Não devemos rigorosamente a ninguém a nossa posição europeia, “pagamos” os fundos comunitários com a abertura económica das nossas fronteiras e com a presença de empresas de outros Estados que deles livremente beneficiam e os repatriam, com a estabilidade política e social que induzimos no continente e que ajudamos a projetar num mundo que conhecemos como outros não conhecem, contribuimos hoje com a mão-de-obra qualificada que “cedemos” à Europa desenvolvida, sem que ela tivesse de custear a sua formação.
Estamos hoje na União Europeia e no euro por mérito próprio e importa recordar que nunca estivemos, nem estamos, sós no incumprimento dos objetivos macroeconómicos dos tratados que assinamos, mesmo antes da crise. A autoridade dos “fundadores” seria mais evidente se todos eles cumprissem rigorosamente esses mesmos tratados – e nenhum o faz, sabiam? As verdadeiras lideranças afirmam-se pelo exemplo, pela prática da solidariedade, pela generosidade perante as grandes dificuldades, não pela arrogância e jactância de deslocados discursos de “grandeur”.