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" O Governo não vai a votos a 23 de Janeiro"

" O Governo não vai a votos a 23 de Janeiro"

Em entrevista ao Diário Económico, o dirigente socialista, Augusto Santos Silva, diz que uma vitória de Cavaco Silva logo à primeira volta das presidenciais não terá efeito de contaminação sobre a acção do Governo.

ENTREVISTA AUGUSTO SANTOS SILVA, dirigente do PS
 
” O Governo não vai a votos a 23 de Janeiro”
 
Santos Silva diz mesmo que uma vitória de Cavaco Silva logo à primeira volta das presidenciais não terá efeito de contaminação sobre a acção do Governo.
 
Francisco Teixeira
 
“É bom que fique claro”, diz Augusto Santos Silva, que não é o Governo ou o Parlamento que vão a votos a 23 de Janeiro: não haverá “qualquer efeito de contaminação” entre o resultados das presidenciais e a acção do Governo.
 
O dirigente do PS e ministro da Defesa Nacional acredita numa vitória de Manuel Alegre só à segunda volta, à imagem do que aconteceu em 1986 com Mário Soares, desvaloriza as críticas de Cavaco Silva ao Governo e diz que o PS continuará a trabalhar com o próximo Presidente tal como o fez até aqui porque, mesmo em caso de vitória de Cavaco, a direita não estará mais próxima do poder.
 
– Como vê o discurso de Cavaco Silva que fala das bolsas de pobreza que crescem no País, das falhas da administração do BPN e da possibilidade de termos uma crise política?
 
– É uma linha de campanha em que não me revejo. Apoio Manuel Alegre que tem um entendimento dos poderes presidenciais e uma visão progressista da Presidência da República.
 
– Cavaco tem sido um “provedor dos descontentes”?
 
– Prefiro abordar a eleição presidencial pela positiva enaltecendo as qualidades de Manuel Alegre.
 
– É impossível separar as águas. Enquanto governante como vê Cavaco Silva apontar como plausível e próxima uma crise política. Está nos seus planos enfrentar uma?
 
– Julgo que o País precisa do contrário – estabilidade e responsabilidade política. Alegre é o que melhor compreende o que deve ser o Presidente como moderador, árbitro e garante. É, ainda, ó que está em melhores condições de ser o mais alto magistrado da nação.
 
– Porquê?
 
– Tem um conhecimento e uma relação com a história, a língua, a cultura, a identidade nacional que fazem dele o melhor candidato para Presidente. Todos somos cultos mas Alegre tem uma visão patriótica e progressista que o torna o mais qualificado dos candidatos. Por fim, tem uma visão progressista que me leva a pensar que apoiará, em vez de obstaculizar progressos que o País precisa de fazer em direitos e liberdades civis.
 
– Actualmente, por pressão externa ou incapacidade interna discutimos outros temas. O financiamento externo, o desemprego, o fraco crescimento económico, a possível recessão.
 
– Que respostas tem Alegre para estes problemas?
 
– A eleição presidencial é a eleição do próximo Presidente, não tem consequências na composição parlamentar ou na composição do Governo.
 
– O Governo não vai a votos a 23 de Janeiro?
 
– Nem o Governo, nem o Parlamento. É bom que fique claro porque, por vezes, há esse risco de contaminação. Alegre é o candidato que, numa perspectiva democrática, tem mostrado mais capacidade de emitir opinião sobre a construção europeia, a defesa dos interesses portugueses e a prevalência do poder político sobre o poder económico.
 
– Como viu as criticas de Alegre à política de austeridade do Governo?
 
– Não é essa a interpretação que faço do que disse. Todos os países europeus estão a tomar medidas de austeridade duras que limitam o nosso crescimento.
 
– Há alternativa à austeridade?
 
– É absolutamente suicida para a Europa estabelecer uma divisão entre ricos e pobres, “bons” e “maus” alunos, periféricos e não periféricos. Portugal até está entre a minoria de países da UE que reduz o seu défice orçamental.
 
– O nosso grande ‘handicap’ tem sido a dependência de financiamento externo.
 
– Temos um problema de factores estruturais que tem de ser resolvido e temo-lo feito. Existem ainda problemas conjunturais porque a Europa comprometeuse com a aceleração da consolidação orçamental e, tenho-o dito, se dependesse só de mim a Europa não tomaria medidas de natureza recessivas quando precisa, como de pão para a boca, de estimular o crescimento da economia.
 
– Passos Coelho propôs que a consolidação não fosse feita de forma tão abrupta. O que vai no sentido do que está a dizer. São incompreensíveis as afirmações irresponsáveis de Passos Coelho que quase apela à entrada do FMI.
 
– Uma vitória reforçada de Cavaco aproxima do poder o projecto político de direita?
 
– Não.
 
– Alegre discorda e diz que uma vitória de Cavaco aproxima a direita do poder.
 
– Não é desconhecido que Alegre conta com o apoio de forças políticas de esquerda, Cavaco Silva conta com o apoio de forças políticas que se designam de direita (o CDS) e outra às vezes de centro direita (o PSD).
 
– Faz-lhe confusão estar lado a lado em campanha com dirigentes do BE?
 
– Não.
 
– Mesmo quando, no Parlamento, o BE mantém um discurso de grande hostilidade para com o Governo.
 
– Não é o Parlamento que está em causa.
 
– Depois de 23 de Janeiro tudo como dantes nas relações do Governo com a “esquerda não democrática”?
 
– Na primeira volta das presidenciais em 1986 a esquerda e o centro esquerda fizeram umas primárias com três candidatos. Na segunda volta todos se uniram em torno de Soares.
 
– Acredita numa segunda volta das presidenciais?
 
– Sim.
 
– O que será determinante?
 
– O povo.
 
– Mas tem uma expectativa.
 
– Uma vitória de Alegre.
 
– Numa segunda volta.
 
– Dada a dispersão do voto não me parece que seja possível um candidato da esquerda ganhar à primeira volta.
 
– Dá-se por satisfeito em relação aos esclarecimentos de Cavaco Silva sobre o caso BPN?
 
– Todas as posições tomadas pelos candidatos sobre esse tema foram muito reveladoras e, se os cidadãos quiserem utilizar esse critério, têm toda a informação de que precisam.
 
– Esse critério deve ser utilizado?
 
– As pessoas podem utilizar os critérios que quiserem, nomeadamente, para avaliar a coerência dos candidatos. Eu prefiro critérios de natureza política.
 
– Caso Cavaco seja reeleito o projecto de revisão constitucional do PSD ganha novo fôlego?
 
– Aquele projecto de revisão constitucional é um verdadeiro programa político de desmantelamento do Estado social. Alegre faz muito bem em ao dizer que, caso seja eleito, será incompatível com esse projecto.
 
– Caso Cavaco seja reeleito prevê um Presidente mais interventivo?
 
– Caso seja reeleito marcará o tom que entender. Estou certo que terá em conta o quadro constitucional.
 
“A longo prazo taxas de 6% a 6,5% são insustentáveis”
 
– Santos Silva diz que fazer das presidenciais o início de um ciclo político é uma questão de “fé” e lembra que “até há quem acredite em bruxas”.
 
– Passos Coelho acredita que as próximas presidenciais são o início de um novo ciclo político…
 
– … Qualquer pessoa pode acreditar. Chama-se a isso ter fé. Até há quem acredite em bruxas ou feiticeiros!
 
– A direita está obrigada a apresentar uma moção de censura caso conclua que este Governo não tem condições para continuar?
 
– É uma responsabilidade deles. Seria uma irresponsabilidade.
 
– Porquê?
 
– Cito as palavras avisadas do principal ideólogo de direita, Pacheco Pereira, que chama a atenção para duas coisas. Do FMI não se deve falar, não se deve brincar. Segundo: nada de precipitações porque o povo sabe bem aquilatar os que mostram sentido de responsabilidade nas horas mais difíceis e os que parecem colocar o seu interesse pessoal acima do interesse nacional.
 
– É isso que tem acontecido?
 
– Já aprovamos o PEC e dois Orçamentos e, na hora H, a responsabilidade é um estado” de espírito que toca a vários.
 
– Ao longo do próximo ano colocaremos 40 mil milhões de euros de divida. A última emissão foi, opinião geral, melhor do que o previsto mas pode não ser suficiente.
 
– O que é isso de opinião geral?
 
– Falo, por exemplo, de Teodora Cardoso administradora do Banco de Portugal, Joaquim Pina Moura, ex-ministro das Finanças, Bagão Félix, também ele ex-ministro.
 
– Mas porque não se chama opinião geral a todos os que tentaram comprar dívida portuguesa 3,2 duas vezes mais do que a oferta? Se calhar essa “opinião geral” estava salivando para que a coisa corresse mal.
 
– Não precisaremos do FMI?
 
– Não estamos a pensar nisso. Paul Krugman, prémio Nobel e um dos mais citados por este Governo e por este PS, diz que foi ruinosa a colocação de divida da última semana. Krugman é muito pessimista? Recomendo que leia o comentário dele: não está a dirigir-se a Portugal mas sim à Europa. E tem razão no que diz.
 
– Ele utiliza o caso português para retratar o momento europeu.
 
– Mas parte do caso português. Mostra que a Europa tem de tomar medidas porque, a longo prazo, taxas de 6%-6,5% são insustentáveis. Temos condições para aguentar esta subida de taxas…
 
– Até quando?
 
– Esta punção – 12% na dívida grega, 9% na dívida irlandesa, 6% na dívida espanhola – é insustentável a prazo. A Europa tem de olhar para isto e não pode estar a pensar “o que dirão os meus eleitores na Alemanha”…
 
– Espera que os alemães tenham aprendido com os casos grego e irlandês?
 
– Leio com muita atenção as declarações de Angela Merkel e noto uma evolução.
 
– Na última semana elogiou a colocação de divida pública portuguesa.
 
– O que estava em jogo não era apenas a sorte da dívida pública portuguesa, era a sorte da união monetária.
 
– Se Portugal “cair” fica em causa a moeda única?
 
– A Europa já perdeu uma parte de si quando a Grécia caiu. Precisamos urgentemente de um nova Jacques Delors e olhe como ele olhou para a Europa. Temos de ter, também, políticas de coesão. F.T.
 
In Diário Económico