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Não digam que não há alternativa. A primeira igualdade é a Justiça

Não digam que não há alternativa. A primeira igualdade é a Justiça

Temos assistido com regularidade a uma discussão desencontrada e exacerbada, mas quase permanente, sobre o estado da Justiça em Portugal.

Se em muitos momentos essas discussões se têm restringido a áreas longe da atenção dos cidadãos, desde a apresentação do ensaio para a reforma do mapa judiciário que as abordagens são muitas e alargadas a muitos sectores da sociedade portuguesa.

Num tempo tão desigual, tendencialmente tão desigual, que aprofunda os sentimentos de desproteção e de insegurança, a chamada “crise da justiça” ganha uma dimensão de última fronteira.

Não é de estranhar. Afinal, como lembra Victor Hugo, “a primeira igualdade é a Justiça”.

Por mais que não pareça, quando nos atiram para o permanente campo das projeções e das análises incertas, onde as oscilações decimais servem de demonstração do  exercício duvidoso do sucesso, ou de obstinados malabarismos matemáticos de quem governa, a Justiça fica transformada na questão central do Estado Democrático.

O único elo quase intacto que resta ao cidadão na coexistência com instituições justas!

O único contraponto à corrente “hobbesiana” que marca cada vez mais as sociedades contemporâneas.

A Justiça da República é necessariamente a Justiça dos cidadãos, independente e imparcial, mas equitativa! Sóbria e desengordurada, mas que mantém em si mesma marcas identitárias e dimensões sociais próprias.

Claro, e que preserva padrões de qualidade  elevados, que não podem ser abstratos, nem deixar de incorporar as dimensões culturais e as envolventes sociais.

A imagem que temos de quem julga vem de alguém  na maioria das vezes muito bem preparado.

O mesmo não acontece, longe disso, relativamente a quem tem outro tipo de responsabilidades no setor da Justiça.

Por mais que hoje se diga o contrário, depois de tanto tempo a explicar e a mudar, quanto mais mexe, quanto mais fala, mais se contradiz, mais evidencia que, afinal, fechar vinte tribunais não é a chave para a resolução da velha “crise da justiça”.

A necessidade de ajustamento que o país atravessa tem de ser bem compreendida por todos em todas as dimensões. Pela racionalização do funcionamento do sistema judicial, pelas suas adaptações aos movimentos de procura, mas também pelas grandes oportunidades da nova Sociedade da Informação.

Claro que há propostas e alternativas ao encerramento dos tribunais e ao afastamento de muitos portugueses do acesso franco à aplicação da justiça.

Não é bem como nos querem fazer crer!

Quaisquer cidadãos, na dimensão constitucional, têm o direito ao já repisado princípio da equidade. E uns não podem pagar muito mais que outros só porque vivem noutros pontos do país.

Uma reforma tem, para o ser, de ser justa, aceite e compreendida, sem ilusionismos!

– Já ouvimos “ que não se trata de algo que resulta do memorando de entendimento mas de opções do Governo da República”. Como já ouvimos que “o memorando assinado previa o encerramento de quarenta e nove tribunais… abaixo de duzentos e cinquenta processos”.

Quem consulta a versão inicial do dito verifica que nada se parece com tais afirmações.

– Depois fundamenta-se em muitas dúvidas! Pelo menos num dos extintos, o número de processos expectável, de acordo com os critérios para a reorganização, é superior a duzentos e cinquenta. São dados da secretaria judicial em causa, ou seja do próprio ministério, no somatório das pequenas e médias instâncias criminal e cível. As acessibilidades são das piores do país. A debilidade socioeconómica está bem patente no facto de cerca de dois terços dos processos beneficiarem de apoio judiciário.

– Depois os equívocos da especialização e da agregação. Será que existem quando um tribunal de um grande concelho da área metropolitana do Porto perde valências para outro com menos de metade de população e mais periférico?

– Ou deixa suspeita sobre objetivos de menos gastos. Partindo-se do princípio de que não estão em causa dispensas de magistrados e de funcionários judiciais, os custos de funcionamento são irrelevantes quando comparados com os que resultam das deslocações no apoio judiciário, em ações periciais, das pessoas ou das empresas.

– Ou a tão falada questão da proximidade. Nas ações superiores a cinquenta mil euros, num dos distritos como Viseu, vinte e três concelhos passam a deslocar-se para um outro, a capital, em territórios dos mais acidentados e isolados e sem garantia de transportes!…Proximidade?

– Ou a questão da “justiça” relativa, como são os casos de tribunais com volumes processuais similares, em que não encerra o de melhores acessibilidades e menos distância ao tribunal arrecadante … vai-se lá saber porquê!

– Ou mesmo a coerência da organização do território! Numa altura em que se prepara um novo quadro comunitário com base nas CIM´s e nas Áreas Metropolitanas, com uma nova lei do associativismo municipal também muito fresca, aí estão de novo os distritos,  que há pouco tempo tiveram os seus Governos Civis extintos… por este Governo!

Não há reformas alternativas, que mantenham os objetivos da racionalidade, da especialização e do acesso à Justiça, da sua aplicação no interior das comunidades, que esta reforma não garante?

Claro que há! Coloquem os servidores onde quiserem mas desloquem os magistrados para o interior das comunidades!

… E não digam que o PS e em particular o seu Secretário-geral não têm propostas!

 

António Borges

Presidente da Assembleia Municipal de Resende