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‘Política Com Palavra’ Ministro da Educação, João Costa

‘Política Com Palavra’ Ministro da Educação, João Costa

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“Um regime facilitista é o que desiste das crianças e as manda embora.”

O podcast Política com Palavra regressa neste mês de setembro, em que milhares de alunos regressam às aulas. Motivo mais que suficiente para iniciar a nova temporada com o ministro da Educação, João Costa.

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O podcast Política com Palavra regressa neste mês de setembro, em que milhares de alunos regressam às aulas. Motivo mais que suficiente para iniciar a nova temporada com o ministro da Educação, João Costa. Ao longo da entrevista, o novo titular da pasta faz o balanço de algumas das prioridades assumidas no Programa do Governo e aborda os principais temas que têm marcado os primeiros meses do seu mandato: os horários por preencher que, de agosto para cá, passaram de 27.000 para os 580, o impacto positivo que os 1.200 técnicos contratados desde 2021– psicólogos, mediadores, educadores, artistas – estão a ter na recuperação da aprendizagem dos alunos que tiveram de suportar a pandemia, e a quebra na taxa de abandono escolar – que em sete anos caiu dos 14 para 6,6%. Às críticas que questionam estes números e as políticas do PS, João Costa responde que “um regime facilitista é o que desiste das crianças”.

Desde agosto, horários por preencher caíram dos 27 mil para 580.

Fotografia: José António Rodrigues / PS
 

O podcast Política com Palavra regressa neste mês de setembro, em que milhares de alunos regressam às aulas. Motivo mais que suficiente para iniciar a nova temporada com o ministro da Educação, João Costa.

João Costa tem 49 anos. Licenciado em Linguística pela Universidade de Lisboa, doutorou-se na mesma área até chegar a professor catedrático da Nova e é diretor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas dessa mesma universidade. Foi desse cargo que partiu para assumir as funções governativas.

Ao longo da entrevista, o novo titular da pasta faz o balanço de algumas das prioridades assumidas no Programa do Governo e aborda os principais temas que têm marcado os primeiros meses do seu mandato.

Desde os horários por preencher que, de agosto para cá, passaram de 27.000 para os 580, o impacto positivo que os 1.200 técnicos contratados desde 2021– psicólogos, mediadores, educadores, artistas – estão a ter na recuperação da aprendizagem dos alunos que tiveram de suportar a pandemia, até à redução da taxa de abandono escolar – que em sete anos caiu dos 14 para 6,6%.

Às críticas que questionam estes números e as políticas do PS, João Costa responde que “um regime facilitista é o que desiste das crianças”.

NSL: Em 2022, e com a tomada de posse do 23.º governo, foi nomeado ministro da Educação. Foi talvez por isso que, numa entrevista pouco tempo após ter assumido esse cargo, afirmou que o atual modelo de concursos de professores não serve e que contém até algumas irracionalidades. De então para cá, desde esse momento, o que é que mudou?

João Costa (JC): Muito obrigado pelo convite para estar aqui no podcast. Quando eu digo que o concurso não serve, que tem irracionalidades, basta ver aquilo que acontece todos os anos. As pessoas ficam colocadas onde não querem, há professores que querem ter continuidade no lugar onde estão. O que temos vindo a fazer é começar o processo negocial para estudar e introduzir algumas diferenças no modelo de recrutamento e de colocação de professores. E temos obviamente também estado a gerir um problema que sabemos que existe neste momento, de dificuldades de substituição de professores, até acelerando alguns processos de substituição, dando às escolas autonomia para contratar os professores num processo mais rápido e mais ágil do que aquele que tínhamos.

NSL: Apesar do processo de negociação, houve mudanças que já se conseguiram introduzir...

JC: No modelo como um todo, não. Num conjunto de medidas para fazer face às dificuldades de substituição de professores, sim. Portanto, demos uma possibilidade de renovar horários que não existiam, sobretudo horários incompletos, para dar continuidade e estabilidade às equipas e para esses horários não terem de ir a concurso. Fizemos uma gestão das cedências de professores a outras instituições que nos permitiu recuperar cerca de 350 horários que ficariam sem professor. No caso das renovações, foram mais de 1.100 horários, que também ficariam sem professor, numa primeira fase. Fizemos também uma gestão das mobilidades por doença, que permite que, quando as distâncias são curtas entre escolas, não justificando uma mobilidade, os professores fiquem na escola onde têm horário e serviço e serviço a atribuir. Potenciámos também, como eu dizia, este recurso mais rápido à contratação de escola, que encurta de mais de um mês para 12 dias o período de substituição e, portanto, todas estas medidas têm permitido mitigar as carências que as escolas têm ao longo do ano, e também no arranque do ano letivo.

NSL: E desde o início do ano letivo para cá sabe de que forma é que já evoluíram esses horários que estavam por preencher?

JC: Sim, nós temos tido desde agosto, desde a primeira colocação, uma taxa de resposta aos pedidos de horários das escolas que se mantém estável nos 97%. Pequenas oscilações, 97,7, 97,1, mas a média anda pelos 97,2 de colocação de professores. Este é um processo dinâmico. Os processos de contratação de escola estão a decorrer. Quando comparamos com períodos homólogos dos últimos dois anos, temos uma melhor colocação de professores, uma menor falta de professores, mas todas as semanas surgem novas necessidades. Ou seja, numa semana, por exemplo, temos atribuído mais ou menos 500, 600 horários por semana. Na semana seguinte surgem novas necessidades, porque há muitos pedidos de substituição, em particular por baixa médica, que têm surgido semana após semana.

NSL: Mas nesta semana tem uma ideia de quantos horários por preencher existem?

JC: Nesta semana, temos cerca de 580 horários por preencher nas reservas e temos mais um conjunto que está em sede de contratação de escola, com os procedimentos a decorrer e que têm vindo a ter uma boa resposta.

NSL: Este problema dos horários por preencher, ao mesmo tempo que temos professores a dizer que querem ser colocados sem conseguirem, é recorrente. Aliás, o próprio ministro já falou sobre este assunto. Porque é que depois de tantos anos ainda estamos a discutir este problema?

JC: Exatamente porque isto se relaciona com a primeira pergunta, porque de facto temos um modelo que foi sendo construído e que tem este tipo de disfuncionalidades, e também porque temos uma grande assimetria regional. Há mais professores a Norte do que a Sul, há mais lugares a Sul do que no Norte. E, por isso, aquilo que temos de fazer, e é uma meta inscrita no programa do Governo, é garantir que quem vem para o Sul, onde há lugares, tem uma perspetiva de estabilidade, ou seja, que se pode vincular em quadros de escola. Tanto assim é que as grandes necessidades e os grandes problemas de colocação de professores estão de Lisboa para baixo. Na região de Lisboa e Vale do Tejo, zona do Oeste, Alentejo e Algarve. Isto tem a ver com vários fatores, mas o fator principal é este. Há a norte mais escolas de formação de professores, há a sul menos, e, por isso, também o ensino superior tem de se reconfigurar e organizar. Esse trabalho também está em curso para que haja mais formação de professores a Sul.

Queremos valorizar o percurso dos professores.

Fotografia: José António Rodrigues / PS

NSL: E que tipo de medidas é que podem ser tomadas, ou estão a ser tomadas, para garantir essa estabilidade a quem vem do norte do país?

JC: A dimensão fundamental é nós abrirmos lugares em quadro de escola e não nos quadros de zona, que têm uma extensão muito grande. Redimensionar os quadros de zona pedagógica para as distâncias serem mais curtas, para evitar esta deslocação e esta casa às costas constante dos professores. E também, esta é uma das matérias que queremos negociar com os sindicatos, garantir um tempo de duração entre concursos mais longo, para que não seja de quatro em quatro anos que as pessoas andam a saltitar de um lugar para outro, mas dar uma previsão de estabilidade, que é boa para os profissionais, porque sabem, é aqui que eu vou trabalhar, e é boa para as escolas porque têm estabilidade nas equipas educativas.

NSL: Também já assumiu que quer dar uma maior autonomia às escolas na contratação de professores. Em que é que se vai materializar essa autonomia no seu mandato e quais são os resultados que espera atingir com essa medida?

JC: Isto será ainda tudo objeto de negociação, é uma medida que tem recebido alguma contestação, mas aquilo que sabemos é que queremos valorizar os professores. Queremos valorizar o percurso que os professores fazem. Há professores que investem na sua formação pós-graduada, que investem em coordenação de determinado tipo de projetos, que se especializam nalgumas áreas, seja porque se especializam em trabalhar com comunidades mais vulneráveis, porque se especializam em ligações entre o mundo digital e a sua área disciplinar, seja porque se dedicam mais às ciências experimentais, por exemplo, em articulação com o programa Ciência Viva. E aquilo que nós precisamos é de ter uma capacidade de colocação de professores também adequada aos projetos educativos das escolas.

Não vamos desprezar a colocação nacional, mas o que estamos ali a pensar é, e a proposta que já apresentámos às organizações sindicais, aos representantes dos professores, é ter um lote de vagas nas escolas em que possa haver uma contratação de acordo com o perfil de competências e não apenas com uma lista que é opaca, porque basicamente o que diz é que um professor é seriado de acordo com a sua nota no curso, quando se licenciou, ou quando terminou a sua formação há não sei quantos anos, e os dias que trabalhou, independentemente daquilo que foi o seu perfil de desenvolvimento profissional ao longo da sua carreira.

NSL: Já houve uma reação parcial e esse tipo de propostas de parte das organizações sindicais, se não me engano, ainda hoje saiu um inquérito em que se dizia que da região Norte, mais de 90% dos professores estão contra esta negociação e as propostas que estão em cima da mesa. O que é que pode dizer aos professores para garantir que isto é feito até no próprio interesse dos professores e dos alunos?

JC: Eu acho que o que posso dizer é evidente. Os receios que são manifestos e em particular também pelos representantes dos professores, é que isto possa gerar clientelismos, amiguismo, etc. Isso depende dos critérios objetivos e da forma como desenhámos este modelo de recrutamento. Aquilo que posso dizer é que esta é uma medida de valorização das competências específicas que os professores adquirem.

Ou seja, não estamos a tratar os professores como apenas um número numa lista e apenas pelo acumular dias serviço, mas estamos provavelmente pela primeira vez a valorizá-los também por aquilo que é o investimento na sua carreira, o que é o investimento nas escolas onde trabalham, e na continuidade dos projetos educativos a que se dedicam.

NSL: E tendo em conta estas mudanças que quer introduzir, tem uma estimativa de que resultados práticos poderiam resultar daí, por exemplo, em termos de rapidez de colocação de professores nas escolas, para minimizar esta situação em que temos aulas a começar sem horários?

JC: Pode surgir termos professores que estão motivados para estar na escola onde são colocados e eliminar aquela que quase parece uma fatalidade do concurso de professores, em que as pessoas são colocadas em escolas onde não querem estar. É verdade que concorrem para essas escolas, mas há sempre um grau de insatisfação. Portanto, se eu consigo trabalhar numa escola que precisa do meu perfil, para a qual eu posso contribuir de uma forma mais motivadora, em princípio tudo isso traz estabilidade ao sistema.

Há apenas 30 anos, tínhamos 50% dos jovens a abandonar o sistema educativo precocemente (…) Em apenas sete anos de governação do Partido Socialista, conseguimos reduzir este número de quase 14% para 5,9%.

Fotografia: José António Rodrigues / PS

NSL: Também esta semana, o Ministério da Educação anunciou que vai avançar com 7.500 juntas médicas para vigiar as baixas dos professores. Isto é o reconhecimento de que alguns atestados médicos professores são um problema.

JC: Nós temos um número elevado de baixas médicas. Sei que na sua quase totalidade não há qualquer indício de suspeição que se possa lançar. Temos um nível de baixas médicas um pouco mais elevada do que o resto da administração pública. Mesmo em carreiras em que o perfil etário é semelhante, temos também alguns comportamentos que requerem uma vigilância. Por exemplo, períodos de baixa que são de 30 dias e depois são suspensos por um dia com o regresso do professor à escola. O professor que está a substituir tem de sair e a baixa é reiniciada logo a seguir. Isto indicia que poderá ser necessária uma baixa de longa duração e não uma baixa mais curta. Ou, por exemplo, regressos de baixa assim que as aulas começam, o que é fortemente penalizador para os professores contratados que estão a substituir os professores que não chegam a fazer um ano completo de horário, pondo entraves à sua vinculação. Portanto, temos de fazer alguma vigilância, exatamente para também proteger todos os professores que legitimamente estão doentes e têm baixa médica, para não se criar aqui uma ideia de que há baixas e pronto. Portanto, os mecanismos de regulação existem exatamente para estas situações.

NSL: Tem uma ideia de quais seriam os resultados práticos da introdução destas novas juntas?

JC: Aquilo que queremos, por um lado, é avaliar situações que estiveram também ao abrigo da mobilidade por doença, para aferir necessidades de consolidação de algumas pessoas em função da sua incapacidade em escolas, e por outro lado ter aqui também, obviamente, um instrumento para podermos perceber estes padrões de baixa. E se houver de facto alguns casos que que não sejam legítimos, então atuar sobre eles.

NSL: O Governo tem apresentado um conjunto de dados sobre a redução da taxa do abandono escolar. Está satisfeito com o record atingido abaixo dos 6%, se não me engano? Ou quando é que podemos dormir descansados a este tema?

JC: Devo dizer que estou muito satisfeito. Há apenas 30 anos, tínhamos 50% dos jovens a abandonar o sistema educativo precocemente. Isto é um grande resultado do nosso país, é um grande resultado que tem políticas associadas identificadas, que passam pela diversificação do ensino secundário, das vias de ensino, entre estudos científicos e humanísticos, profissionais, artísticos, passa por uma orientação para os resultados que foi criada no sistema de avaliação externa das escolas, passa por apoios que foram desenvolvidos para os alunos. Passa por, mais recentemente, termos dado às escolas também liberdade e autonomia para gerir o currículo de uma forma mais flexível. E, em apenas sete anos de governação do Partido Socialista, conseguimos reduzir este número de quase 14% para 5,9%.

O principal défice do país, como o senhor Primeiro-Ministro costuma dizer, é o défice das qualificações. Estes dados que tínhamos há apenas 30 anos, de mais de 50% abandonarem a escola, traduzem-se hoje numa população ativa pouco qualificada, com todas as consequências que isso traz para o desenvolvimento do país, para a economia e para a própria vida das pessoas, porque Portugal é um país onde estudar compensa, porque quanto mais elevadas são as qualificações, mais elevadas são as remunerações e menor é o desemprego. Portanto, esta redução deve alegrar-nos a todos, porque é uma aposta na robustez do país a médio prazo.

Sempre que o Partido Socialista está em funções, a direita diz que todas as políticas são facilitistas.

Fotografia: José António Rodrigues / PS
 

 NSL: Têm sido apresentados também números positivos em relação ao próprio sucesso escolar dos alunos, que, aliás, abordou um bocadinho aqui nesta resposta. Só que os detratores destas iniciativas questionam a veracidade destes números, alegando que os resultados desses números resultam de uma forma mais facilitista de deixar passar os alunos.

JC: É um discurso recorrente de direita. Aliás, sempre que o Partido Socialista está em funções, a direita diz que todas as políticas são facilitistas. Eu acho que isso se desmonta de uma forma muito simples. O mais fácil, o que é verdadeiramente fácil, um regime facilitista é o que desiste das crianças e os manda embora. Chumbar um aluno é muito mais fácil do que pegar no aluno com dificuldades, ter um plano de recuperação, ter um trabalho dirigido, ter apoios setoriais específicos, como aqueles que desenvolvemos ao longo destas legislaturas, ter mais técnicos nas escolas a trabalhar com os alunos, mais psicólogos, mais mediadores. Tudo isso é muito mais difícil e é muito mais exigente. Os resultados são bons e dizer que o que temos é uma política de facilitismo é passar um atestado de incompetência aos professores.

Os professores avaliam com seriedade, avaliam com rigor, ensinam bem, os resultados também ao nível de estudos internacionais independentes atestam esta melhoria continuada do sistema educativo português e, portanto, esse discurso do facilitismo vem daqueles que têm uma visão ultra elitista da escola e que defendem que a escola é para uns felizes selecionados, que geralmente já têm as condições todas à partida para ter sucesso e a escola se limitará a verificar se os privilegiados conseguem e os mais vulneráveis falham. E essa não é a nossa linha.

Queremos é, de facto, agir o mais cedo possível. O programa de promoção de sucesso escolar teve exatamente essa diretriz, agir o mais cedo possível, identificar necessidades o mais depressa possível, termos instrumentos de aferição rigorosos para detetar dificuldades dos alunos o mais cedo possível, e depois diversificar estratégias para chegar e conseguir que todos os alunos aprendam. E tudo isto é mais exigente. Tudo isto dá muito mais trabalho. Tudo isto é menos fácil.

O grande preditor do sucesso ou do insucesso dos alunos continua a ser o seu contexto socioeconómico.

Fotografia: José António Rodrigues / PS
 

NSL: Chegamos a outro lado desta questão, que tem a ver com a avaliação desse sucesso escolar. O senhor ministro já criticou publicamente os rankings das escolas, que é uma das maneiras de se avaliar este sucesso escolar dos alunos. Diz que são meras hierarquizações que ordenam escolas por notas. No final de contas, uma boa nota obtida por um aluno é o retrato mais fiel que se pode fazer de todo o trabalho que foi feito ao longo de um ano entre professores e alunos?

JC: Obviamente que um bom resultado é um bom resultado e, quando o aluno tem uma classificação elevada, ficamos contentes. O que os rankings tentam fazer não é isso. Tentam passar uma imagem sobre a qualidade das escolas em função das médias obtidas pelas escolas e aquilo que nós sabemos, até devo dizer, infelizmente, não só em Portugal, mas em todo em todo o mundo, o grande preditor do sucesso ou do insucesso dos alunos continua a ser o seu contexto socioeconómico.

Quando olhamos para estes rankings e isolamos os alunos por escalão socioeconómico, vemos que não temos uma diferença entre escolas. Temos uma diferença entre as populações das diferentes escolas e por isso mesmo, se nós perguntarmos, quando avaliamos a qualidade do trabalho da escola, estamos a avaliar o quê? O resultado absoluto de alunos selecionados à entrada? Ou estamos a avaliar a evolução que a escola proporciona a todos, a todos os alunos?

Eu pego numa escola, num bairro que tenha uma comunidade, por exemplo, uma comunidade cigana forte, que sabemos que é um dos grupos mais vulneráveis, e quando eu tenho escolas que conseguem que nenhum aluno cigano desista, que em particular as meninas ciganas não saiam da escola para casamentos precoces, terminem o nono ano, terminem o 12.º ano, e alguns consigam até chegar ao ensino superior. Já temos muitos alunos destas comunidades no ensino superior. Garanto-lhe que esta escola trabalhou muito, muito mais do que aquela que selecionou alunos à entrada, mandou alunos embora a meio do caminho porque não estavam a contribuir para as estatísticas, e que depois se limita a constatar que o aluno que entrou com potencial para 16 chegou ao 17. Em termos de métrica de avaliação, obviamente esta escola fez menos do que aquelas escolas que eu acabei de identificar.

Os alunos mais novos e mais vulneráveis foram os mais afetados pela pandemia.

NSL: Uma questão que afetou todas as escolas foi a pandemia. O sistema foi fortemente impactado por essa situação. Como é que está a correr o plano de recuperação de aprendizagens?

JC: Este plano foi desenvolvido também conferindo um grande grau de autonomia às escolas, porque, embora tenha havido um impacto generalizado, contextualmente houve ritmos e impactos diferentes. Nós desenvolvemos não só um conjunto vasto de medidas para apoiar as escolas, com reforço nos recursos humanos e com programas específicos na área da recuperação das aprendizagens, na leitura, na matemática, nas ciências experimentais. Existe também um grande foco também no desenvolvimento de competências sociais e emocionais, na medida em que sabemos que a pandemia teve um impacto na nossa saúde mental, no geral, e sabemos que esse é um dos grandes obstáculos, por vezes, ao sucesso escolar dos alunos. Não são necessariamente problemas de aprendizagem, são muitas vezes problemas de bem-estar emocional. Portanto, a par destas medidas que foram desenvolvidas e criadas, temos vindo também a fazer estudos de monitorização e estudos de diagnóstico da aprendizagem dos alunos, estudos da adesão das escolas às várias medidas.

Vamos agora entrar numa análise qualitativa das estratégias com mais sucesso para a recuperação dos alunos, para os divulgar, para os disseminar. Temos feito jornadas pedagógicas com as escolas exatamente para densificar todos estes instrumentos que temos vindo a desenvolver e os primeiros resultados que temos mostram que há uma efetiva recuperação, há efeitos da pandemia, sobretudo nos alunos mais novos e mais vulneráveis. Portanto, voltamos ao mesmo, é sobre essas áreas que temos de ter maior incidência. E é também para isso que as escolas estão a desenvolver o grosso das estratégias, em particular na aprendizagem da leitura. Porque os alunos que fizeram o primeiro e segundo ano ou o primeiro ciclo durante os anos da pandemia, tiveram a aprendizagem bastante comprometida, e, por isso, é aí que está a principal área de incidência deste plano.

NSL: Na leitura?

JC: Na leitura e no primeiro ciclo. Os mais novos foram os mais afetados e também os alunos mais vulneráveis pelo seu contexto social. A pandemia acelerou desigualdades em todas as esferas da sociedade e, de uma forma também bastante significativa, na educação.

NSL: E dessa primeira avaliação que fizeram, quais é que foram as estratégias de sucesso de que falou há bocado, o que é que o ministério identificou como as estratégias de sucesso?

JC: Já podemos concluir que as estratégias de leitura orientada em sala de aula, ou seja, ler em conjunto na sala de aula, e as estratégias de gestão flexível das turmas, ou seja, as turmas poderem configurar-se e reconfigurar-se ao longo do ano em função de dificuldades específicas dos alunos, são duas das medidas mais eficazes. Outra medida que revela grande eficácia são os planos de desenvolvimento pessoal, social e comunitário. Colocámos nas escolas cerca de 1200 técnicos, psicólogos, mediadores, educadores, artistas, que estão a fazer um trabalho em conjunto com as escolas para a recuperação dos alunos que têm maior vulnerabilidade. Muitas vezes foi preciso reconstruir uma relação com a própria escola e quer o recolher que temos junto das direções das escolas, quer as medidas de correlação com a melhoria dos resultados escolares, mostram que estes técnicos estão a ter um grande impacto na recuperação da aprendizagem, o que é interessante porque não tem ali um impacto direto na sala de aula, mas o seu trabalho na escola reflete-se nas aprendizagens dos alunos.

 “Todos os alunos têm direito a aprender.”

NSL: Uma das prioridades do programa do Governo para a Educação foi tornar a escola mais inclusiva. O que já foi feito para atingir esse objetivo?

JC: Este é, de facto, o nosso objetivo mais ambicioso. A legislação que aprovámos em 2018 é uma mudança paradigmática na própria função da escola. É dizer que todos os alunos têm direito a aprender, que não precisamos de um diagnóstico clínico para identificar alunos com necessidades educativas específicas, que por vezes as dificuldades e a exclusão têm como foco a deficiência, mas noutros casos, é, como já dizia, o contexto socioeconómico, ou porque o aluno é imigrante e não tem o português como como língua materna, e aquilo que se convida é a ter uma abordagem que é, em primeiro lugar, curricular. O problema da exclusão é um problema de acesso ao currículo, de acesso à aprendizagem. Para isso, introduzimos uma ferramenta fundamental que foi dar às escolas autonomia para gerir o currículo de forma mais flexível. O princípio é: se eu não consigo aprender de uma determinada forma, não é por repetir muitas vezes da mesma forma que eu vou passar a aprender. Portanto, estas dinâmicas criadas nas escolas permitem exatamente adequar a forma de aprendizagem às necessidades específicas dos alunos. Isso é também acompanhado de um grande reforço de recursos humanos. O Grupo de Educação Especial é o que mais tem crescido na última década, diria. Reforço de técnicos, reforço de psicólogos. Um trabalho muito articulado entre as escolas e as terapias que são testadas, e vários programas ou subprogramas que convergem para a educação inclusiva. Programas de ação para as comunidades ciganas, programas de promoção do bem-estar social e emocional, o próprio trabalho, por exemplo, das bibliotecas escolares que desenvolveu uma linha a partir da biblioteca escolar, como um pólo para a inclusão dos alunos, que tendencialmente são o são foco de exclusão. O Plano Nacional das Artes tem como um dos seus pilares a educação inclusiva, ou seja, fazer inclusão através das artes. Portanto, aquilo que fizemos foi olhar para tudo o que temos no Ministério da Educação, programas novos, programas antigos, e ver qual é o contributo de cada um destes programas para tornar a escola mais inclusiva.

Outra medida fundamental que desenvolvemos a partir de 2016 foi ouvir os alunos. Às vezes os alunos não se sentem bem na escola, não querem estar na escola, e nem sempre os ouvimos. E isto tem dado muitos frutos nas escolas, porque quando chamamos os alunos para o processo de decisão, eles querem estar na escola, querem sentir-se parte da escola e muitas vezes apresentam soluções de que nós, adultos, ainda não tínhamos tomado consciência.

NSL: Muitos problemas, mas também muitas oportunidades para melhorar. O cargo que aceitou como Ministro da Educação é um dos mais escrutinados e contestados de qualquer governo de há anos para cá. É um dos postos mais pesados da ação governativa. Tendo em conta este cenário, o que é que o motivou a saltar do caldeirão para a fogueira, uma vez que já tinha tido a experiência de ser Secretário de Estado da Educação?

JC: Em primeiro lugar, um grande alinhamento com o programa eleitoral e Programa do Governo do Partido Socialista, com o sentido de missão, de dar continuidade a um trabalho que foi iniciado desde 2015, de alguma transformação do sistema educativo. Pois eu digo sempre: tenho, e tenho mesmo, uma dívida de gratidão para com a escola pública. Foi lá que eu me formei, foi lá que eu cresci, e por isso acho que quando sou chamado também a devolver alguma coisa ao sistema educativo e à escola pública em particular, não podia dizer que não.

NSL: Senhor Ministro da Educação, muito obrigado por ter participado no podcast Política com Palavra.

JC: Obrigado.

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