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‘Política Com Palavra’ com Pedro Tavares

‘Política Com Palavra’ com Pedro Tavares


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”Nos Tribunais o que estamos a fazer é mudar todo o sistema”

O Secretário de Estado da Justiça faz o balanço das mudanças que estão a ser implementadas no setor. O número de pendências na Justiça já se reduziu para valores similares aos que existiam nos anos 90 do século passado. O novo sistema online de pedidos de nacionalidade descongestionou todo o processo. Os sistemas de apoio ao Tribunais estão a caminho da total digitalização e desmaterialização. E o BUPi (Balcão Único do Prédio) está a permitir uma transformação disruptiva que vai ajudar à implementação de políticas públicas do território e no Interior.

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Nuno Sá Lourenço: Bom dia e bem-vindos a mais uma edição do Podcast “Política com Palavra". Esta semana temos connosco Pedro Tavares. O Secretário de Estado da Justiça tem à sua responsabilidade, entre outras, a modernização de todo o sistema. O desafio está em trabalhar na maior rapidez na resposta dos serviços, numa maior proximidade com o cidadão, ao mesmo tempo que garante a qualidade dos serviços prestados. Pedro Tavares muito obrigado por ter aceitado o nosso convite. Comecemos pelos investimentos e pelo PRR. São 266 milhões de euros previstos, especialmente focados naquilo que chamam de Justiça económica. Porquê?

Pedro Tavares: Este investimento do PRR visa termos na Justiça uma alavanca para uma melhor eficácia na nossa economia, através tanto da componente dos Tribunais, para que estes sejam mais eficientes, como na componente dos Registos, para que sejam um atrativo para que seja mais simples, para que seja mais fácil focar o investimento em Portugal. O objetivo é garantir que temos a capacidade da Justiça ser uma impulsionadora da resposta económica do país.

NSL: E essa aposta concretiza-se exatamente em quê, que tipo de projetos é que estão neste pacote?

PT: Destes 266,9 milhões de euros, estamos a falar, por um lado, de um pacote muito importante na área dos Tribunais, a modernização dos Tribunais e dos sistemas de tramitação dos Tribunais e de um pacote específico para a área da Justiça Administrativa e Fiscal. O número de pendências que tem vindo a descer de forma muito significativa. Hoje em dia, aliás, nas diferentes instâncias, exceto na Administrativa e Fiscal, estamos com pendências com números de há 23 anos atrás. Portanto, com número que se tem reduzido muito, muito impulsionado pela tecnologia. Na área Administrativa e Fiscal, os números também têm vindo a descer, mas é onde há um trabalho que temos que fazer, um maior reforço. Portanto, este PRR também visa medidas tecnológicas de simplificação e organizacionais, que permitam que nesta área nós consigamos ter uma resposta mais célere para os cidadãos, para as empresas, para a capacidade da própria resposta e interação com o Estados ser, ela própria, mais eficiente. Na parte dos Registos, os Registos são e devem ser um impulsionador da atividade económica, na componente das empresas. Aquilo que chamamos Ciclo de Vida da Empresa. E também na componente do cidadão. O Ciclo de Vida do Cidadão que começa, de facto, no nascimento, todo esse percurso que o cidadão vai tendo na sua interação [com o Estado]. E igualmente na componente do PRR, há também um investimento muito forte na área da investigação criminal, num trabalho muito grande com a Polícia Judiciária e com a Procuradoria no investimento e reforço tecnológico nesses meios. E, finalmente, aquilo que é a infraestrutura de suporte de toda esta tecnologia. Estamos a falar de equipamentos, estamos a falar de serviços, estamos a falar de infraestrutura tecnológica de suporte de toda esta tramitação, para que ela própria seja muito mais robusta, muito mais resiliente e com maior capacidade de resposta. Este PRR abrange, de facto, 18 organismos de Justiça, 18 áreas muito diferentes, mas que todas elas contribuem para este todo, que é nós termos uma Justiça que é mais eficiente, mais humana, mais coesa, e também mais próxima e com mais capacidade de resposta.

NSL: E que tipo de projetos estão a ser implementados com esse objetivo de Justiça Económica?

PT: Eu diria que nós temos duas dimensões em que já estamos a trabalhar de uma forma muito mais próxima. A primeira diz respeito aos Registos. O trabalho que estamos a fazer nos Registos com os dois Ciclos de Vida de que falámos. Logo no Ciclo Vida do Cidadão, uma das primeiras preocupações que tivemos foi de garantir, através da oferta do Registo, termos um acesso mais facilitado. E, portanto,

Fotografias: José António Rodrigues

lançámos há cerca de seis meses a Plataforma de Atendimento à Distância, que visa garantir uma maior capacidade de resposta na celebração de qualquer ato: quando compra uma casa, quando vende uma casa, quando se faz um divórcio por mútuo consentimento ou aquilo que tem a ver com as heranças e partilhas, poder fazê-lo através de videoconferência, com autenticação segura,

com sistemas inteligentes que permitem controlar e monitorizar aquilo que é o decurso desse ato, mas que permite, sobretudo, que os dois intervenientes, ou mais do que dois intervenientes, estejam em qualquer lugar do território nacional e possam de facto realizar este serviço de forma muito mais fácil, de uma forma muito mais ágil. Essa foi logo a primeira medida que nós implementámos na componente do Registo.

NSL: E já há resultados dessa…

PT: Já há resultados, nós temos tido atos todos os dias, num movimento crescente. Temos já um número muito significativo, estamos a subir, é preciso ver que isto se trata de uma plataforma experimental altamente inovadora. Eu tenho estado em vários países a divulgar este serviço que temos e poucos países têm isto. Nós próprios temos que fazer uma campanha de sensibilização para os serviços. Temos já mais de 100 atos associados a este sistema e esta plataforma desde que foi lançada. O que queremos garantir é que damos mais notoriedade e melhor comunicação a este serviço. Muitas pessoas ainda não sabem que ele existe. As pessoas precisam também de o conhecer e nós queremos incentivar a sua utilização. Portanto, é uma tendência crescente de utilização deste serviço. Este foi um primeiro serviço muito importante e muito relevante naquilo que, por um lado, representa em desmaterialização, mas também em coesão territorial. Ou seja, a garantia de que qualquer pessoa aceda a este serviço, quer esteja numa pequena localidade no distrito de Bragança ou em Lisboa. Ou até num consulado. Esta é a primeira componente. Depois a segunda, ligada também ao Ciclo de Vida do Cidadão, focada naqueles que são os momentos onde sentimos uma maior procura e uma maior pressão no atendimento físico. Tivemos, de facto, por via da nacionalidade, um número muito grande de pedidos, que geralmente são físicos. Estamos a falar de, muitas vezes, as pessoas terem de se deslocar ao atendimento de uma Conservatória, de um Registo, muito cedo, víamos filas em que as pessoas tinham de esperar para fazer o pedido de nacionalidade e o que detetámos foi que a maior parte do tempo alocado, dentro do Registo, associado a esse processo era a primeira fase: o pedido, a digitalização de documentos, a verificação, a introdução de todos esses documentos no sistema. Ora, lançámos no mês de fevereiro, o pedido de nacionalidade online, que vem permitir que, através de um mandatário, de um advogado ou de um solicitador, os requerentes o possam fazer por via online. Com um sistema seguro que permite inclusive verificar a autenticidade dos documentos. E isso permitiu descongestionar, de forma muito significativa, o atendimento presencial.

NSL: Já há resultados?

PT: Já temos resultados. Neste momento já temos um número superior a 10 mil pedidos desde que lançámos o sistema online. O que quer isto dizer que as pessoas estão a aderir, estão a utilizar cada vez mais este sistema para que de facto também tenham uma capacidade de resposta. E depois, por via do que é o próprio registo dos funcionários, ter uma capacidade de gestão desta informação, desta documentação, também muito maior. Isso pode indicar também a outras componentes destas fases associadas ao pedido da nacionalidade. Portanto, eu diria que, no Registo, o que estamos a fazer é rever as plataformas de suporte ao Ciclo de Vida do Cidadão e da Empresa. Eu gostava de dar nota que nós, em Portugal, fomos dos primeiros países, por volta do ano 2000, a ter muitos desses sistemas online. No sistema do Comercial, quando lançámos a Empresa na Hora, a Empresa Online, na área do Ciclo Vida de Cidadão, com o Balcão das Heranças e Partilhas e outros balcões associados, com o Cartão de Cidadão. O que aconteceu foi que, esses serviços, tendo sido lançados no início dos anos 2000, hoje em dia já têm muito tempo e em alguns casos também refletiam um modelo tradicional, o modelo que está por trás de muitos dos sistemas que nós tínhamos em papel. O que este PRR, o que esta modernização preconiza, não é só pôr online estes serviços. Preconiza também aquilo que nós chamamos de reengenharia de processos, ou seja, mudar a forma como nós prestamos um serviço. Com mais qualidade, com mais digitalização, com mais eficiência, pensando no cidadão para que o cidadão não tenha que dar a informação. Eu não tenho que dar a minha morada duas vezes, porque o próprio Registo já tem essa informação. Esta informação funciona com a chamada interoperabilidade da comunicação entre sistemas. E depois, por outro lado, também ao nível dos próprios funcionários, que este sistema seja mais ágil. Muito do que temos estado a fazer tem sido garantir que estes sistemas, tanto para cidadãos como para funcionários, é muito mais agilizado. E, finalmente, na componente das empresas, para dar resposta àquilo que é a Justiça Económica, garantir que também temos uma resposta mais ágil. Daqui a duas semanas vamos lançar a nova criação da Empresa Online. Quando tínhamos lançado um serviço, um serviço que existe desde 2006, como eu referi, refletia muito dos processos tradicionais. O que vamos lançar é um serviço muito mais desmaterializado, muito mais simplificado, em que os sócios apenas vão ter que confirmar a informação que já está inserida, a autenticação - segura sempre, obviamente, com a chave-móvel ou Cartão de Cidadão - permite logo importar automaticamente os dados, permite escolher a tipologia de sociedade anónima, o que não estava disponível no sistema anterior, permite multi-língua, que é algo muito importante quando nós estamos a falar da competitividade das empresas, temos que garantir que se eu aceder ao sistema e for em inglês, consigo preencher toda a informação e fazer todo o fluxo no sistema e criar rapidamente uma empresa. O que é aquilo que, no final, os empresários querem. Nós começámos, inclusive, com a escolha dos nomes, hoje em dia é automatizado, nós temos uma bolsa de [nomes de] firmas que, através de inteligência artificial, pode criar essa escolha dos nomes e que finalmente termina neste primeiro passo, que é criação da empresa de uma forma muito mais fácil. Este o primeiro passo e estes primeiros sinais pretendem, por um lado, trazer para o Registo aquilo que é a automatização, a melhoria do processo, que é a qualidade do serviço. Esta ideia do digital por definição, na componente cidadãos e na componente empresas. Por outro lado, também na componente da capacidade de resposta do Registo, que ela própria, seja mais desmaterializada, seja mais simples [para os funcionários]. Estamos a falar de uma área em que nós estamos a renovar os funcionários e, portanto, a contratar mais funcionários, mas também temos que associar a isto alguma automatização. Para que, o que, muitas vezes, as pessoas faziam, porque sempre se fez assim há 20 anos, hoje, com automatização, nós podemos ter uma capacidade de resposta muito mais acelerada, para que possamos alocar as pessoas para fazer as tarefas onde acrescentam mais valor e não tanto onde faziam tarefas mais repetitivas.

NSL: E na área dos Tribunais, quais são os investimentos que estão previstos?

PT: Nos Tribunais, tal como nos Registos, também estamos a rever todo este Ciclo de Vida, associado à tramitação eletrónica nos Tribunais. Seja os Tribunais Comuns, seja na componente Administrativa e Fiscal, inclusive, nos meios alternativos de resolução de litígios. Eu diria que o grande objetivo é nós, naquilo que é jurisdição comum, continuarmos o trabalho de desenvolvimento dos chamados interfaces para os diferentes interlocutores, utilizadores do sistema. Começámos com aquilo que é o interface dos magistrados, o Magistratus, que tem, em si, logo, um conjunto de funcionalidades focada naquele grupo de utilizadores. Essa foi a nossa preocupação, não fazer um sistema para todos. Porque cada um deles tem especificidades, tem requisitos diferentes. E, portanto, no que estamos a trabalhar é garantir que este sistema de Justiça está pensado para cada um destes utilizadores. O Magistratus já está a ser utilizado todos os dias, por cada vez mais juízes.

NSL: E o sistema acrescentou o quê?

PT: Acrescenta, por um lado, muito mais facilidade de executar as suas tarefas. De pesquisar, por exemplo, informação associada aos casos, de poder produzir sumários. Fazemos algo que, para nós, é muito importante que é aquilo que nós chamamos de anonimização da jurisprudência. Portanto, os processos têm de ser publicados e têm de ser divulgados. Só que antes todos eles tinham de ser anonimizados de forma manual. Ora, nós precisamos que rapidamente estes processos estejam online por duas perspetivas. Primeiro, a perspetiva pública, que é a possibilidade de qualquer pessoa de poder aceder a esta informação para que ela seja transparente. Por outro lado, para os profissionais que atuam na Justiça terem a capacidade de procura muito mais ágil. Não terem de recolher versões em papel, ter de pedir a um funcionário para ir à procura de informação. Eles próprios, no seu ambiente de trabalho, terem a possibilidade de procurar informação, de processos anteriores em que aquele senhor magistrado interveio, processos relacionados que lhes pareceram interessantes e que o sistema pode sugerir para consultar. Para nós é muito importante utilizar um sistema que, também com utilização da inteligência artificial na procura de informação, atenção, nunca na componente de decisão, forneça informação de forma muito mais ágil, de forma muito mais simples para pesquisar. Isto [no caso] dos juízes. Com os Procuradores também estamos a trabalhar naquilo que se chama MP Codex, que é o sistema focado neles, em estreito relacionamento com a Procuradoria, para assegurarmos que este processo também é participado. Nos mandatários, que também são um público importantíssimo naquele que é o ecossistema dos Tribunais, também temos um sistema mais facilitado. É preciso ver que, quando nós falamos em advogados ou solicitadores, tanto temos utilizadores que conhecem muito bem o sistema, que trabalham em grandes escritórios e que têm já sistemas próprios de procura, pesquisa de informação, de tramitação, como depois temos o pequeno advogado, muitas vezes com poucos conhecimentos informáticos. Nós temos de construir um sistema que seja suficientemente flexível, que permita que grandes escritórios de advogados, o que têm de fazer é ligar os sistemas deles com o nosso - de uma forma segura, de uma forma autenticada, para que possam utilizar os seus sistemas - e que permita que um advogado com menos conhecimentos, fazendo um trabalho de melhoria de competências, possa utilizar esse sistema de uma forma muito mais simples.

NSL: Esse sistema, o que é que traz de novo?

PT: Traz muito mais facilidade de interação. Estes sistemas têm sido desenvolvidos em grupos de trabalho com estes profissionais. Muitos advogados, por exemplo, para ir buscar, para inserir peças processuais, devido a limites, da própria plataforma, têm de inserir vários documentos. Às vezes vão buscar uma prova áudio a um Tribunal remoto, e têm de ir lá recolher a prova fisicamente em, por exemplo, CD-Rom. O que nós temos de fazer é trazer essa tal tramitação digital, por definição, para os Tribunais, de uma forma completa. Não pode ser só uma parte. Nós temos que garantir que este sistema é único, que este sistema é comum e que temos mais facilidade de utilização dessas ferramentas. Isto traz uma capacidade de interação totalmente digital, totalmente desmaterializada, seja para os juízes, seja para os procuradores, seja para os advogados, seja para as secretarias dos Tribunais, que todos os dias interagem com isso e, finalmente, também, para o próprio cidadão. Nós já tínhamos, há quatro anos, lançado o acesso às peças processuais. Neste momento as partes já podiam aceder às peças processuais, no limite, evidentemente, daquilo que fosse disponibilizado e decidido pelos juízes. O que nós queremos é também alargar esses serviços eletrónicos para os próprios cidadãos. Portanto, eu diria que, nos Tribunais, o que estamos a fazer é mudar todo o sistema e garantir que o sistema é um sistema único, um sistema muito mais célere, mais eficaz, que utiliza inteligência artificial para pesquisar informação, para reduzir atividades de rotina, como por exemplo, a anonimização de informação, e que depois está disponível para todos estes utilizadores.

NSL: Em que ponto é que está esse projeto?

PT: Já há muito que está disponível. No interface dos magistrados, já está a ser utilizado todos os dias. Estamos a introduzir novas funcionalidades no mesmo. Na interface dos procuradores também já temos utilizadores todos os dias a utilizarem o sistema. No caso dos mandatários, lançámos uma kickoff do projeto, agora, em fevereiro. Portanto, eu diria que muito do que estamos a fazer já tem resultados práticos. Estas interfaces já estão a funcionar, noutros casos estamos agora a arrancar. O objetivo é que, por exemplo, no caso dos mandatários, ainda este ano apresentemos a primeira interface. E que depois, nos anos subsequentes do PRR, se possa também alargar esse trabalho a ser feito. Mas já agora queria dar nota, também, de uma plataforma que lançámos na semana passada para, que na resposta da Justiça, tenhamos aqui uma área mais agregada. Como sabemos, os meios alternativos de resolução de litígios são para a Justiça também uma resposta muito importante naquilo que são é a resolução de litígios fora dos Tribunais, porque há muitos casos, de facto, que podem ser solucionados fora dos Tribunais. Várias organizações internacionais, como a OCDE, recomendam aos Estados que implementem soluções que, de facto, lhes permitam que a resposta agregada da Justiça também inclua os meios alternativos de litígios. Quando falamos de meios alternativos: julgados de paz, da arbitragem, da mediação familiar, da mediação penal, da mediação laboral… E, portanto, esta componente associada aos meios alternativos para nós é muito importante que também ela tenha uma utilização maior.

NSL: Então, o que é que estão a fazer aí?

PT: O que fizemos agora foi lançar a plataforma online dos meios de resolução alternativa de litígios, o chamado RAL+. Esta plataforma vem trazer para o online muitos destes meios. Nesta fase já estão disponíveis a mediação familiar, a mediação laboral e os julgados de paz em piloto. E o que permite é que qualquer cidadão, seja de forma individual ou através do mandatário, possa, por um lado, aceder ao sistema, dar início a um caso, a um processo e, portanto, se eu tiver, no caso dos julgados de paz, um processo de valor inferior a 15.000€, relacionados com condomínio, com questões de contrato, questões contratuais, eu posso utilizar o sistema, posso inserir um processo. Isto é muito importante. No caso dos julgados de paz, nós lançámos um piloto em 14 municípios, portanto na zona de Sintra, Oeste e lá em cima, em Poiares, para testar este sistema, que está disponível para 750.000 cidadãos desde já e permite que qualquer pessoa possa dar início a este processo e, portanto, depois ter acesso às peças processuais, receber notificações, pesquisar e, portanto, fazer toda esta tramitação. E depois, do lado dos julgados de paz, a tramitação será toda eletrónica. No caso da mediação familiar e laboral, também é exatamente a mesma coisa. Aí já está disponível para o país todo. O sistema já está a funcionar e, portanto, permite que nós tenhamos também aqui, por exemplo, no caso da mediação familiar, questões de processo do divórcio, pensão de alimentos, todas as questões que estão associadas à mediação familiar ou mediação laboral, quando queremos resolver casos, por exemplo, relacionado com férias ou subsídios, questões que estão que podem ser solucionadas através da mediação, que nos permitam ter aqui uma resposta que também através do online tenha mais celeridade.

NSL: Tem ideia de quando começaram a preparar este projeto, de quanto tempo é que poupariam, quais é que seriam os ganhos desse investimento?

PT: Temos ideia porque aquilo que está relacionado com o tempo processual associado aos meios de resolução alternativos de litígios é em si muito mais baixo. Em alguns casos, estamos a falar de dois meses, de muito pouco tempo associado àquilo que é o processo.

NSL: Dois meses por oposição a quanto?

PT: Depende dos casos, mas em muitos casos pode, dependendo daquilo que é o processo, a tipologia do processo, onde se destina, onde é que o processo é inserido e a comarca em que está, podem ser, de facto, tempos muito superiores se for num tribunal comum. Naquilo que são os meios alternativos de resolução de litígios, isto é muito mais facilitado. E quando nós trazemos ainda o digital a isto, também naquilo que é a própria tramitação do processo, ele também é mais rápido, porque as secretarias dos meios alternativos, sejam julgados de paz ou na mediação, também vão ter todo o processo online. O juiz de paz vai poder ver o processo online. Por exemplo, na mediação familiar, fizemos algo que é essencial, que é a chamada interoperabilidade entre o sistema de mediação com o CITIUS, o sistema que faz a tramitação na jurisdição comum. Quando nós temos esta capacidade, se um processo, por exemplo, der entrada num tribunal comum e o juiz entender que pode ser resolvido através da mediação familiar, o processo segue automaticamente de forma desmaterializada para a mediação ou vice-versa, o processo inicia-se na mediação e em qualquer momento entende-se que deve passar para um tribunal. Funciona por interoperabilidade, por oposição àquilo que era no passado, em que tinha que ser tudo tramitado em papel, em que o processo era interrompido num sítio, passava para o outro e, portanto, estamos a falar aqui de uma capacidade de resposta, sobretudo agregada, que é aquilo que nós também queremos ter a certeza que é possível fazer. Respondermos naquilo que é a oferta da Justiça de uma forma cada vez mais alargada. Se quiser tratar de um divórcio, posso fazê-lo no registo, através, por exemplo, da plataforma de atendimento à distância, dependendo do caso. Posso resolver também, dependendo também dos casos, determinadas questões através dos meios alternativos de resolução de litígios ou, dependendo ainda de outro caso mais difícil, através dos tribunais. É nesta solução e nesta oferta integrada da Justiça que nós estamos a trabalhar: ter a capacidade que esta eficiência, mas também humanidade, está relacionada com aquilo que nós trazemos à Justiça. NSL: Outros dos grandes investimentos do PRR é o BUPi. De tempos a tempos, ouvimos falar nisto. Para as pessoas perceberem, o que é que é o BUPi exatamente?

PT: Chama-se BUPi porque é o Balcão Único do Prédio. Está integrado naquilo que nós chamamos de sistema de informação cadastral simplificado.

O que é que isto quer dizer? Em grande parte do território, sobretudo nos municípios do Norte do país, acima do Tejo, não existe cadastro daquilo que é propriedade rústica. Muitos de nós – eu sou mais do centro - temos alguém que conhece um familiar que tem as terras, mas não sabe muito bem onde é que estão as terras, que registou ou em alguns casos não registou essas terras…

NSL: Portanto, isso tinha implicações graves para ordenamento do território, fogos florestais…

PT: Exatamente, portanto, com enorme impacto naquilo que é a gestão deste território. Se nós não conhecermos o território, não podemos gerir. No modelo tradicional, aquilo que acontecia era o chamado cadastro da propriedade rústica, em que se ia ao terreno, marcava-se aquele terreno e, depois, fazia-se um processo de passagem para uma carta cadastral, dessa informação recolhida nesse terreno. Ora, num tempo em que a tecnologia é tão avançada, nós temos que fazer este trabalho com duas componentes, aliás eu diria, quase com três componentes. A primeira, utilizando a tecnologia. Temos muita tecnologia disponível e essa tecnologia deve ser colocada em ação para ajudar este processo. Temos informação que a Administração Pública já tinha. Estamos a falar do Registo que tinha informação sobre as propriedades, estamos a falar da Administração Tributária que tinha informação sobre as matrizes, da Direção-Geral do Território, que tinha informação sobre o solo, de outras entidades que tinham sobre o parcelar, por exemplo, na Agricultura. E, portanto, precisávamos de juntar essa informação que estava desagregada e, finalmente, convidar o cidadão a ser, ele próprio, a identificar este território. E, portanto, o que se fez foi um processo colaborativo que, através de gratuitidade, estamos a falar de 153 municípios onde não há cadastro, em que foi instituída a gratuitidade associada ao processo da identificação dessa propriedade, a RGG. E depois, a gratuitidade também associada ao Registo. E que através desse processo convidássemos os cidadãos, os proprietários, a identificarem o seu território. Como? Através de uma plataforma online que, com a ajuda de um técnico do município, permita identificar mais rapidamente a propriedade, perceber a quem ela pertence, quais os limites, entender exatamente todo este território para podermos também criar incentivos, criar um ordenamento do território melhor, trabalhar na prevenção dos fogos rurais e, portanto, que nos permita também aqui um trabalho agregado. Ora, nós lançamos o BUPI em piloto, primeiro em dez municípios. Logo naquela altura, em 2017/2018, percebemos que, num ano, identificámos 50% da área. Ou seja, a junção de toda a informação que eu acabei de referir, que nós, como administração, mais os proprietários tínhamos. E depois lançámos, há cerca de três anos, o projeto para todos estes municípios que não tinham cadastro. Ora isto permitiu que, só para percebermos aqui um pouco, temos nesta altura 1,4 milhões de propriedades já identificadas.

NSL: Que antes não eram conhecidos os seus proprietários?

PT: Que antes não eram conhecidas. Temos cerca de 100.000 proprietários, todos os meses, a fazer a identificação nos municípios. Ora, hoje, com este processo, já conhecemos 68% do território, nestes tais municípios que não tinham cadastro. Quer isto dizer que este sistema funciona. O próprio sistema consegue detetar se alguém está a fazer um desenho por cima, por exemplo, do rio, ou algum muro, ou de uma estrada, e que consegue perceber que aquele desenho não está a ser bem feito e ajuda a corrigir. Ou temos algoritmos, que permitem que as pessoas não tenham que andar perdidas no mapa à procura da localização daquela propriedade, da chamada matriz das finanças, mas que nós consigamos identificar e propor à pessoa, baseado na nossa informação, a localização da sua propriedade. E até conseguimos dizer qual a configuração do polígono através da utilização do solo e da cartografia vetorial. Nós conseguimos juntar essa informação para que as pessoas identifiquem mais rapidamente, também com mais certeza sobre o processo, para que no final nós consigamos fazer aquilo que se chama harmonização da informação. Garantir que a informação que nós temos no Registo é a mesma que está nas Finanças, que está na Direção-Geral do Território, que está na Agricultura, que está em todas as entidades que gerem o território.

NSL: Quais são as vantagens e os resultados práticos de todo este projeto? No final, o que é que se vai conseguir fazer que antes não se conseguia?

PT: Faze a gestão do território, algo que é essencial. Para nós gerirmos o território precisamos, aqui, de três dimensões. A primeira, o território tem que ter valor. E um dos maiores problemas que nós tínhamos a norte do Tejo era que as terras não tinham valor. Porquê? Porque em muitos casos eram muito pequenas, porque existia esta dificuldade de serem identificadas. Para os proprietários, não tinham valor associado e, portanto, eram menos aproveitadas. Para os municípios, a capacidade de gerirem melhor aquilo que conhecem. Nós conseguimos agora perceber, juntando a informação de quem é [o proprietário] e onde se localiza, conseguimos juntar informação sobre a rede diária, conseguimos perceber os terrenos que têm mais ou menos pluviosidade, onde a vegetação tem determinadas características e deveria ter outras características. E, portanto, nós podemos criar incentivos à atividade económica para aquele terreno, especificamente, para aquela área. Porque conhecemos a população, porque sabemos a literacia, porque conhecemos as vias rodoviárias e ferroviárias e acessibilidades naquele sítio. Podemos criar numa componente municipal, uma melhor gestão e incentivos. E ao nível nacional poderemos ter também essa capacidade. Esses incentivos ao território, aquilo que nós podemos fazer de criação de melhores políticas públicas, por exemplo, as áreas integradas de gestão da paisagem, que nos permitem ter uma gestão mais agregada a territórios mais vulneráveis, a uma capacidade de podermos incentivar determinadas atividades económicas onde antes não era possível fazê-lo. Podemos criar aquilo que se chama o emparcelamento, e que tenham também um valor económico superior. Nós podemos, com este programa, ter finalmente uma política agregada que nos permite retirar de facto um valor económico, um valor também estratégico e um valor para as pessoas muito maior do que se conseguiu no passado. O BUPi vem trazer uma capacidade de gestão para todos estes intervenientes, uma capacidade de toda a Administração comunicar entre si de uma forma agregada, sem ninguém se substituir. Todas estas entidades são importantes e todas têm a mesma informação. E ao sabermos que todas têm a mesma informação, estamos a criar algo que nós queremos e que, em termos estratégicos, é essencial para Portugal, aliás, por causa disso também é uma das reformas mais importantes do PRR na área das Florestas, que é o número de identificação do prédio. O que queremos fazer nos prédios, com os terrenos é precisamente a mesma coisa que fizemos com o Cartão de Cidadão: trazer para a componente predial esta capacidade de toda a Administração Pública ter um número único, e com ele se relacionar nos seus próprios sistemas. E, portanto, isto cria também uma capacidade e um enriquecimento muito maior da informação. Nós temos estado, aliás, a apresentar este projeto ao nível internacional, em vários palcos internacionais, e tem sido referenciado como um dos projetos mais inovadores a nível de gestão do território. Precisamente por ter esta capacidade de reforma, de mudança, muito rápida, mudança disruptiva e não incremental, porque nos permite dar aqui uma resposta em políticas públicas muito mais rápida do que alguma vez foi possível em 50, 60 anos num processo tradicional.