“Os apoios aos agricultores vão ser democratizados – com um aumento de 30% para a pequena produção e para o interior – e vão ser desburocratizados”
A ministra da Agricultura e da Alimentação, Maria do Céu Antunes, esteve nesta semana com o Comissário Europeu da Agricultura ao Porto a apresentar o novo Plano Estratégico de Portugal para a Política Agrícola Comum. Depois de 60 anos de PAC algo tinha de mudar e o futuro pacote de 6 mil milhões muda radicalmente. Os apoios vão ser democratizados – com um aumento de 30% para a pequena produção e para o Interior – e vão ser desburocratizados.
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Nuno Sá Lourenço: Bom dia e bem-vindos a mais uma edição do Podcast “Política com Palavra”. Antes de ingressar no governo, Maria do Céu Antunes colocou Abrantes no mapa como uma das cidades inteligentes de Portugal. Depois disso, foi Secretária de Estado do Desenvolvimento Regional, antes de assumir a pasta da Agricultura, cargo que ocupa há cerca de três anos. É precisamente sobre esse assunto, a Agricultura, que vamos falar nesta edição do nosso Podcast. Maria do Céu Antunes, muito obrigado por ter aceitado o nosso convite. Esta semana, o Comissário Europeu da Agricultura esteve em Portugal. Porquê esta vinda do Comissário Europeu ao Porto?
Maria do Céu Antunes: Muito obrigada, antes de mais, pelo convite para estar aqui, é um gosto. O senhor Comissário aceitou o convite para vir connosco apresentar o Plano Estratégico para a Política Agrícola Comum. Portugal foi o primeiro Estado-membro a entregar a sua versão do plano estratégico e a vê-lo aprovado. E para além disso, nas palavras do próprio Comissário, há aqui um sentimento de retribuição, porque foi na presidência portuguesa do Conselho Europeu, no primeiro semestre de 2021, que operámos a maior reforma da Política Agrícola Comum, reforma essa que tinha sido apresentada em 2018, passaram cinco presidências. Muito trabalho foi feito, mas foi incapaz de chegar a um consenso entre a Comissão, o Parlamento e o Conselho. E foi na presidência portuguesa que nós conseguimos operar esse consenso e criar condições para que cada um dos Estados-Membros apresentasse o seu próprio plano estratégico, vê-los aprovar e também implementar a nova reforma a partir de janeiro do próximo ano. E, portanto, aquilo que fizemos foi a apresentação do Plano Estratégico para este período de programação 2023-2027, tendo por base esta maior ambição que hoje a Política Agrícola Comum tem para a União Europeia. A Política Agrícola Comum já fez 60 anos, foi criada no pós-guerra para garantir o abastecimento alimentar, para garantir o rendimento aos agricultores e o preço justo ao consumidor. E, desde então, até esta data, algumas foram as reformas operadas, mas claramente esta é a maior reforma. Por um lado, que é a garantia das três condições primeiras, o abastecimento alimentar, o apoio ao rendimento, o apoio à produção e o preço justo ao consumidor. Depois, são hoje também consideradas outras questões fundamentais, nomeadamente, para nosso desenvolvimento societal. Por um lado, as questões ambientais. Sabemos todos que as alterações climáticas e os seus efeitos têm consequências na nossa vida quotidiana e na agricultura mais do que nunca - a seca, os incêndios, a erosão dos solos empobrece também a agricultura e a forma de produzir. E, portanto, esta reforma cria condições para ter esta maior ambição ambiental para podermos também contribuir para aquelas que são as metas da União Europeia para atingir a neutralidade carbónica em 2050. E, claramente, a agricultura é um setor-chave, também com um contributo efetivo para este domínio. E depois outras questões, como é o caso do desenvolvimento rural, olhar para as especificidades territoriais e ir ao encontro destas dimensões, assim como a nutrição e a saúde e o bem-estar passaram a estar no nosso léxico. E diz o povo português e bem, nós somos o que comemos. E claramente esta reforma também mostra isso mesmo, nomeadamente através da estratégia do prado ao prato. Se tivermos animais mais saudáveis, precisamos de aplicar menos antibióticos. Se tivermos plantas sujeitas a menos stress e menos pragas, precisamos aplicar menos pesticidas. E com isso, nós próprios vamos estar a ingerir menos substâncias químicas que nos provocam também constrangimentos do ponto de vista da saúde e do bem-estar. Mas, por outro lado, o próprio ambiente vai reconhecer este este esforço e com isso vamos estar a promover o Programa “Uma Só Saúde”, onde tudo está interligado. Portanto, esta reforma da Política Agrícola Comum, que agora nós vertemos para a dimensão nacional, tem esta maior ambição. Pela primeira vez, os Estados-membros têm a obrigação de apresentar um único plano estratégico que junta aquilo que são os apoios à produção, o chamado primeiro pilar, com o segundo pilar, o desenvolvimento rural e junta também as regiões administrativas, como seja os Açores e a Madeira, que antes tinham um plano separado e que agora juntam, e todos temos que contribuir para um conjunto de metas e objetivos que são analisados anualmente e que de dois em dois anos vão poder penalizar ou beneficiar o Estado membro, de acordo com os objetivos.
“25% do pacote dos apoios à produção são destinados a práticas ambientalmente mais sustentáveis, e para os agricultores terem o pacote todo das ajudas financeiras – para além da condicionalidade base onde há um conjunto de requisitos que têm de ser cumpridos – depois estes 25% são em adição”
NSL: Quais é que são as vantagens dessa mudança?
MCA: Estamos focados nos resultados. Temos resultados claros onde queremos chegar, por exemplo, queremos pelo menos que 25% da superfície agrícola utilizável da União Europeia esteja em modo de produção biológica e, portanto, vamos trabalhar para que isso aconteça. Mas no caso de Portugal, nós já estamos muito perto de atingir aquilo que será com certeza a nossa quota. Quando chegámos, em 2019, tínhamos 8% da superfície agrícola em modo biológico. Neste momento, estamos nos 18%. Já ultrapassámos a estratégia nacional que dizia que tínhamos de atingir, em 2025, os 12%. E, portanto, permite-nos ir atualizando e ajustando também em relação àquilo que até são as próprias preferências dos consumidores. O facto de passarmos a trabalhar por objetivos e para atingir os resultados também nos foca em que todos os instrumentos a nível dos apoios que são dados à produção, os apoios que são dados para esta transição climática: 25% do pacote dos apoios à produção são destinados a práticas ambientalmente mais sustentáveis e para os agricultores terem o pacote todo das ajudas financeiras, para além da condicionalidade de base, onde há um conjunto de requisitos que têm que ser cumpridos, depois estes 25% são em adição: se tiverem modo de produção biológica, se estiverem em modo de produção integrada, se substituírem fertilizantes de síntese por fertilizantes orgânicos - que ajudam a reter o carbono e a fixar o carbono, que ajudam a reter a água no solo e com isso, precisarmos de regar menos, o bem-estar animal e o uso de antimicrobianos, são exemplos daquilo que neste pacote pode ser feito. Por outro lado, os agricultores ainda têm mais cerca de 47% do outro pacote do desenvolvimento rural para poderem fazer investimento verde, para poderem ter práticas de produção mais consentâneas com esta dimensão. Nós todos temos consciência de que nós vamos precisar produzir mais. Mas para produzirmos mais com os recursos que temos são escassos, nomeadamente a água, nós vamos ter que ter uma agricultura mais inteligente, mais baseada no conhecimento, mais baseada na tecnologia e não queremos que ninguém fique para trás. E daí, dizermos que temos que democratizar também a Política Agrícola Comum para podermos chegar a todos agricultores, independentemente da sua dimensão.
NSL:O que é que isso quer dizer, democratizar a PAC?
MCA: Atualmente, quando nós olharmos para o mapa de Portugal, nós percebemos que há regiões do nosso país onde a atividade agrícola tem mais apoios, do primeiro pilar, do apoio à produção, porque têm dimensão maior. E claramente nós percebemos que a dimensão da exploração e o nível dos apoios e o conhecimento, no fundo, o acesso a essa tecnologia acaba por ser um aspeto penalizador para alguns dos nossos territórios. E, portanto, este nosso plano estratégico tem esta mais-valia. É primeira vez que nós olhamos também para a Política Agrícola Comum, no sentido de ser inclusiva, de não deixar ninguém para trás, fazer uma melhor distribuição dos apoios. Nós, este ano de 2022, já abrimos a possibilidade de, nas zonas vulneráveis aos incêndios, poderem os agricultores, pela primeira vez na história da Política Agrícola Comum concorrer a este apoio ao rendimento. Foram mais 1400 agricultores, 18.000 hectares, que vão poder receber estes apoios. Mas até 2026 nós vamos acabar com aquilo que é chamado o regime histórico dos direitos do acesso a este apoio ao rendimento. E, com base nisso, todos os agricultores em 2026 podem concorrer a estas ajudas em igualdade de oportunidades. O que é que acontece? Acontece que, por exemplo, em regiões como a região Centro, onde, como sabemos, sistematicamente, há incêndios que prejudicam a vitalidade daqueles territórios, onde o abandono físico, mas também a desertificação humana acaba por acontecer. E nós queremos contrariar isso. Como disse, este ano já são mais de 1400 agricultores destas regiões que podem concorrer, que já têm atividade, não são novos agricultores, mas que vão ter apoio para poderem continuar a investir na agricultura e com isso acrescentar valor.
“Nós vamos aumentar os apoios em regiões como Trás-os-Montes, o Algarve ou a Beira Interior em 30%. E isso faz toda a diferença. São onde estão as pequenas explorações.”
NSL: Mas como é que vai funcionar esse esse redireccionamento dos apoios para as regiões e para os agricultores que, até agora, tinham mais dificuldades de ter acesso?
MCA: A Política Agrícola Comum tem regras muito próprias e nem sempre os cidadãos têm consciência dela. Nós temos no terreno as nossas Direções Regionais de Agricultura, protocolos com as confederações, com as associações de agricultores para ajudar a divulgar esta esta informação. A Política Agrícola Comum, como diz, tem dois pilares, tem mais, mas vou explicar estes dois que são os essenciais para percebermos esta democratização. No primeiro pilar, que são os apoios à produção, até aqui, o número de novos agricultores que entravam anualmente era muito, muito reduzido apenas para jovens agricultores e muito poucos. Aquilo que estava a explicar é que até 2026 nós vamos colocar todos os agricultores de Portugal e concorrerem em igualdade de circunstâncias, assim como vamos fazer a convergência dos pagamentos para que todos os agricultores possam ter o mesmo valor de pagamento. E por isso, por exemplo, nós fazemos uma redistribuição dos valores atribuídos. O que é que isto quer dizer? Que o valor é distribuído por todos, mas depois é retirado também para aumentar o apoio àqueles que tenham menos de 20 hectares. Ou seja, estamos aqui a concentrar também 120 € por hectare para aquelas dimensões que ficam prejudicadas em relação ao tamanho de 20 hectares, que são a maioria das nossas explorações agrícolas. E, portanto, essa é um efeito que automaticamente acaba por ser mais justo na atribuição do apoio. Depois temos o regime da pequena agricultura para podermos ajudar os pequenos agricultores nestes territórios. Estamos a estimular novas formas de organização de agricultores. É essencial para poderem ter acesso à tecnologia, ao conhecimento, a preços mais acessíveis, também porque estão em conjunto, assim como o acesso aos mercados. E, portanto, esta é uma nova dimensão. Também temos os chamados pagamentos ligados, onde para determinadas áreas e nós que sabemos que são setores muitas vezes mais fragilizados, que são menos competitivos, aquilo que fazemos é aumentar os apoios, especificamente. Dou exemplos, para os pequenos ruminantes, as ovelhas e cabras, as vacas em produção extensiva, as vacas de leite. Só aqui já verificamos o quão importante é para determinados territórios do nosso país, como por exemplo, a Serra da Estrela. Dou este exemplo muitas vezes, até porque ainda este ano tivemos um incêndio fortíssimo e claramente nós precisamos ter mais atividade de pastorícia naquele local. Nós precisamos incentivar as raças autóctones. Nós temos medidas específicas para as nossas raças autóctones que estão distribuídas no interior do país, essencialmente no Minho, na Beira Litoral e Trás-os-Montes, na Beira Interior e no Alentejo Interior. E, com base nessa valorização das raças autóctones, nós podermos, no caso da Serra da Estrela, aumentar a produção de queijo com denominação de origem, que é uma mais-valia para o comércio nacional e internacional. Tudo o que tenha denominação de Origem ou Indicação Geográfica Protegida também nos ajuda a internacionalizar e, portanto, é mais uma forma de, através da agricultura, nós podermos ter toda a cadeia valorizada e com isso podemos ajudar a fixar as pessoas. Por exemplo, uma das medidas que no investimento nós vamos valorizar pela primeira vez é tornar elegível a aquisição dos animais destas raças autóctones. Se nós queremos aumentar a pastorícia extensiva, até porque do ponto de vista do ciclo de carbono, pese embora do ponto de vista da digestão, todos nós saibamos que produzem gases com efeito de estufa, também temos medidas específicas para aumentarmos aquilo que é a capacidade nas pastagens, onde as pastagens bio diversas, haver plantas que ajudem o próprio processo de ruminação destes animais e a minimizar a produção de gases com efeito de estufa. Assim como cada vez que arde uma serra, como é o caso da Serra da Estrela, ou como outras que têm ardido noutros anos anteriores, a produção de carbono é muitíssimo mais alta e, portanto, este ciclo também é considerado aqui neste plano estratégico. E, portanto, a redistribuição dos apoios é, para nós, essencial para podermos valorizar as pequenas explorações sem prejudicar as maiores, havendo um equilíbrio entre territórios, entre agricultores e querendo garantir o abastecimento alimentar.
NSL:tem uma meta definida para tentar reduzir este diferencial entre as grandes explorações e as pequenas explorações?
MCA: Nós vamos aumentar os apoios em regiões como Trás-os-Montes, o Algarve ou a Beira Interior em 30%. E isso faz toda a diferença. São onde estão as pequenas explorações. Sabemos todos que as grandes explorações estão no Vale do Tejo e no Alentejo e, portanto, nós queremos aumentar para termos uma maior resiliência do território escolhido. Significa poder passar a um nível de apoio que vai fazer a diferença no nível da nossa produção. É para nós fundamental fazermos esta reforma. Nós a esta altura, aquilo que nós percebemos e os desafios com os quais nós fomos confrontados, depois de fazermos a análise SWOT e o levantamento estratégico do país, percebemos claramente que temos um país a duas velocidades: por um lado, nós temos uma agricultura preparada para os mercados que aumenta as suas exportações a um ritmo de 5% ao ano e que, por outro lado, nós temos uma pequena agricultura capaz de alimentar os circuitos curtos, o comércio de proximidade e que nos ajuda também a minimizar aquilo que são as importações. As importações têm crescido, também, mas crescem a um ritmo inferior 3% ao ano. Ou seja, tem havido uma tendência de equilíbrio da balança comercial, mas a nossa produção tem aumentado verdadeiramente. Aliás, os dados que saíram a semana passada mostram que Portugal está em quarto lugar no ranking com os seus pares da União Europeia como o quarto Estado-membro que mais aumentou na produção agrícola em 2021.
“No ano passado, as exportações do complexo agroalimentar cresceram mais de 20% (…) Nos últimos dez anos duplicámos o consumo calórico, ou seja, estamos a comer mais. E, portanto, feitas as contas, estamos a produzir de facto mais. E o desafio é este: é como é que nós vamos continuar a produzir mais, com menos.”
NSL:Isso significa o que, em termos de percentagem, esse aumento de produção.
MCA: Isto significa, na realidade, que Portugal e os seus agricultores tiveram uma capacidade e uma resiliência que, pese embora tivéssemos passado por momentos muito difíceis, como é o caso de uma pandemia e uma seca que já começou em 2021 e que continua para 2022. Significa que fomos capazes de aumentar a nossa produção, que depois espelha nisto mesmo: a capacidade de continuar a aumentar. O ano passado, as nossas exportações do complexo agroalimentar cresceram mais de 20%. A agricultura também em concreto. Depois, os outros sectores dividem-se um pouco mais, a agroindústria esteve acima dos 30%. Mas, por exemplo, já em 2022 as exportações aumentaram de novo mais de 20%. Isso significa, de facto, que estamos a produzir mais e estamos a produzir muitíssimo bem. O nível das importações também aumentou, mas aumentou a um ritmo inferior. Dizer ainda que com base nisto, o nosso nível de autoaprovisionamento [i]está nos 86% e está estável ao longo desta década e, portanto, com as exportações aumentar, com as importações a aumentarem, mas a um ritmo mais baixo, com o nível de autoaprovisionamento estável. Significa que estamos a produzir mais. Até porque nos últimos dez anos nós duplicámos o consumo calórico, ou seja, estamos a comer mais. E, portanto, feitas as contas, estamos a produzir de facto mais. E o desafio é este: é como é que nós vamos continuar a produzir mais, com menos. E este plano estratégico tem esta esta vertente. Como é que nós vamos poder de facto garantir a capacidade de produção de alimentos em quantidade e em qualidade, fazer esta transição ambiental, mas sabemos que para isso tem de ser com o conhecimento, tem que ser com a tecnologia. Nós estamos hoje também a implementar a Agenda de Inovação, que conta com o apoio financeiro do Plano de Recuperação e Resiliência, destinado de forma direta e objetiva a criar uma rede capilar com 25 polos distribuídos em todo o Portugal Continental, para que essa rede trabalhe com universidades, politécnicos, centros de saber, laboratórios colaborativos e com os nossos agricultores, com as nossas empresas, para podermos ter as melhores tecnologias ao serviço dos agricultores.
NSL:Com o objetivo de aumentar a produção?
MCA: Com o objetivo de aumentar a produção, mas uma produção que seja sustentável, utilizando: a água de forma mais eficiente e, portanto, com a disponibilização de tecnologia e capacitação para utilizar essa tecnologia para uma melhor gestão da água, para fazer a substituição de fertilizantes de síntese por fertilizantes orgânicos. Para aumentarmos a produção biológica ou a produção integrada. No fundo, para podermos criar competências nos nossos agricultores para este novo desafio. Até porque há aqui uma dimensão que, para nós é muito importante: os agricultores portugueses, à semelhança do que acontece no resto da Europa, têm uma média etária superior a 65 anos e nós precisamos fazer o rejuvenescimento da agricultura portuguesa. Nós encaramos a agricultura como atividade económica, tem que gerar riqueza para quem produz. Mas nós sabemos bem que essa riqueza tem que ser feita olhando explicitamente para aquilo que são as características do nosso país, olhar para as especificidades territoriais, as variedades regionais de raças autóctones, mas depois a temperatura, a humidade, a água disponível é aquela que queremos disponibilizar em regadios coletivos eficientes para tornar mais competitiva a nossa agricultura e, com base nisso, os nossos jovens poderem escolher a agricultura enquanto forma de vida. Dizer também, ainda que me parece muito importante. Um dos objetivos que temos no plano estratégico é o de desburocratizar e tornar mais simples tudo isto que parece confuso. As candidaturas, a forma de relacionamento tanto com a administração central. Como disse há pouco, nós atualmente temos um protocolo com as associações de agricultores, com as confederações, e queremos renová-los e reforçá-los nas suas competências para termos uma rede capilar no território, para nos ajudar a fazer este trabalho, porque estamos a criar um Portal Único. Ele já está disponível e vai ficar até 2025, terminado. É financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência, onde o agricultor, para se relacionar com a área governativa da agricultura, entra através daquele canal e vai ter acesso a todos os formulários de candidatura, pedidos de pagamentos, esclarecimentos e tem uma área reservada com toda a sua informação. No fundo, como acontece quando nós vamos ao Portal das Finanças enquanto cidadãos e temos lá tudo e de forma muito intuitiva, preenchemos as nossas declarações de IRS. No fundo, aquilo que queremos também é aquilo que estamos a disponibilizar, é um caderno de campo digital, onde o agricultor tem a sua propriedade georreferenciada, onde pode e deve colocar toda a informação que entenda de maneira a poder geri-la melhor: a produção que está a fazer, a forma como está a fazer, a água que está a utilizar, todas as técnicas que entenda que faz sentido, todos os resultados que estão a ter desse ponto de vista e depois poder disponibilizar inclusivamente à Administração Pública, para nós podermos ter acesso em tempo útil àquilo que está a acontecer e pelo menos afinar a política pública. É isto que queremos fazer num futuro muito de.
NSL:De que forma é que esse Portal Único poderá contribuir para a desburocratização, no sentido de ajudar o agricultor a mais rapidamente ter acesso aos apoios?
MCA: Por exemplo, um agricultor que vai fazer um investimento numa exploração e precisa de licenciar uma captação da água, a instalação do painel fotovoltaico, por exemplo. Neste momento, apresenta a candidatura numa entidade do Ministério da Agricultura, depois tem de pedir uma autorização, um licenciamento, à Agência Portuguesa do Ambiente, às vezes tem que ir ao ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), porque se tiver um sobreiro, uma azinheira ou outra coisa qualquer, vai ter que o fazer. No futuro, é a partir deste total único que centraliza tudo e o agricultor não tem de o fazer, quem tem que fazer é a Administração Pública. E mais, depois o próprio agricultor poder fazer o seguimento do seu processo e perceber onde é que está parado. Isto é transparência, isto é rigor na Administração Pública. E é isto também que nós queremos fazer com o plano estratégico da PAC.
NSL:Quando é que o Portal Único vai ficar pronto?
MCA: 2025. Tem de ficar pronto em 2025 e, portanto, estamos a trabalhar de forma muito acelerada para podermos ter o mais rápido possível e que possamos disponibilizá-lo.
NSL:A Maria do Céu Antunes é apenas a segunda mulher a tutelar a pasta da Agricultura, nos quase 50 anos de democracia em Portugal. Acha que o facto de ser mulher tem dificultado a sua missão como ministra da Agricultura?
MCA: Acho, sinceramente, acho. Aliás, as mulheres na política, felizmente hoje somos muitas. Felizmente que o atual governo tem paridade, mas ainda assim e em áreas conservadoras, como é o caso da agricultura, o facto de ser mulher não posso dizer que seja penalizador, mas traz alguns engulhos.
NSL: E como é que acha que se resolve esse problema nesta área da agricultura?
MCA: É o tempo. Aliás, eu tenho o privilégio de também ter sido a primeira mulher a presidir à Câmara Municipal de Abrantes. A Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, aliás, tem feito um trabalho que tem sempre tentado primar pela igualdade de todos, homens e mulheres, representantes municípios portugueses em Bruxelas. Para esta dimensão representei Portugal e a União Europeia num conjunto de fóruns muito alargados na Índia e em Marrocos, em espaços e em territórios onde as mulheres ainda não são vistas, nomeadamente, nas funções executivas e nas funções públicas em concreto. Eu acho que o tempo se vai encarregar de mostrar que homens e mulheres têm de ter as mesmas oportunidades. São diferentes? Claro que sim, mas é nessa diferença que se constrói a diversidade, é assim que se constroem oportunidades para fazermos mais e para fazermos melhor. E, portanto, eu estou satisfeita com o que estamos a fazer. Estou satisfeita com o ponto a que chegámos, com esta apresentação do plano de estratégia da PAC. E estou na expectativa de poder começar a implementar e a ver os resultados, os resultados deste ano, desta política que se quer mais inclusiva, mais justa. Aliás, não falei disso, mas, se me permite, pela primeira vez na reforma da Política Agrícola Comum, há uma dimensão à qual nós somos muito sensíveis e que tem a ver com a condicionalidade social. Pela primeira vez na reforma da PAC, ficou previsto que a partir de 2024, aqueles e aquelas que não cumpram os requisitos sociais com os seus trabalhadores serão penalizados.
NSL: De que requisitos sociais está a falar?
MCA: Contratos de trabalho e condições de trabalho e, portanto, quem não cumprir estes requisitos poderá vir a ser penalizado. Poderá inclusivamente ter que devolver verbas. Nós sabemos que felizmente em Portugal temos excelentes exemplos. Não me canso de falar de alguns deles, nomeadamente trabalho algum qualificado, o outro de mão-de-obra indiferenciada, de múltiplas etnias e religiões. E já me aconteceu chegar a explorações agrícolas onde o dono, inclusivamente, construiu uma sala ecuménica para que os seus trabalhadores possam parar e fazer as suas orações de acordo com os seus rituais e não sentirem por isso que é um entrave. Isto é um orgulho nós sabermos que temos empresários agrícolas com esta sensibilidade.