As Jornadas Mundiais da Juventude são a oportunidade de deixar um legado
José Sá Fernandes está à frente do Grupo de Projeto que coordena as diferentes entidades do Governo que têm um papel na organização das Jornadas Mundiais da Juventude. Para o ex-autarca, o grande atrativo destas funções é a possibilidade de deixar aos habitantes uma estrutura que estes poderão usufruir mesmo depois do evento.
Nuno Sá Lourenço: Bom dia e bem-vindos a mais uma edição do Podcast “Política com Palavra”. Estamos a poucos dias do início das Jornadas Mundiais da Juventude. Por isso mesmo, temos connosco o coordenador do Grupo de Projeto para essas jornadas, para nos explicar a preparação do evento e as mudanças que este evento vai trazer a Lisboa e Loures. José Sá Fernandes muito obrigado por ter aceitado o nosso convite. Não é a primeira vez que Portugal e Lisboa organizam este tipo de grandes eventos. Qual é que é o mérito da organização deste tipo de iniciativas para uma cidade?
José Sá Fernandes: Bom, este evento é único. Para já, quero dizer que sou coordenador do grupo projeto da parte do Estado, porque há vários coordenadores e várias personagens à volta deste evento. Desde logo a própria Igreja, que é a organizadora do evento. Um evento, que traz 1 milhão de pessoas a um país, é um evento nunca visto nesse país. Estamos a falar durante uma semana, 1 milhão de pessoas. Logo aí a mudança é evidente. O quotidiano, durante essa semana, é absolutamente gigantesco. Reunir numa cidade e num país muitos destes peregrinos, começa antes, começa uma semana antes. Muitos deles vêm antes e estão espalhados pelo país inteiro. Qualquer pessoa percebe que mostrar o país a 1 milhão de pessoas é importantíssimo, porque podem ser 1 milhão de pessoas que podem falar de Portugal…
NSL: Bem ou mal…
JSF: Não só naquele período, mas depois. Eu acho que é sempre para dizer bem, na maior parte das vezes. O nosso país é um país único, em termos de biodiversidade, de paisagem, é uma coisa absolutamente extraordinária. As pessoas que se vão encontrar em Trás-os-Montes e as do Algarve e depois chegam aqui a Lisboa, as realidades são diferentes, o país é diferente, a paisagem é diferente. Portanto, é sempre bom que um país possa organizar um evento desta dimensão e possibilitar o encontro de 1 milhão de pessoas, nomeadamente de jovens, independentemente da parte religiosa.
Um milhão de jovens, seja lá a religião que tiverem, vão falar da vida e dos quotidianos de cada um. Isso, para um país, particularmente para uma cidade, é muito importante. E isso foi logo que sentiram Fernando Medina, António Costa e o Presidente da República quando o Cardeal foi ter com eles e lhe perguntou “o que é que acham da ideia?” Acharam logo que era uma ideia ótima, com uma particularidade, para ir à segunda parte da pergunta: é que podia tentar-se que este encontro, que tinha estes benefícios que acabei de dizer e provavelmente outros, podia transformar também uma parte do território numa coisa boa.
NSL: Uma oportunidade…
podíamos deixar um legado físico, que é transformar dois territórios, um que é um aterro e outro que era um armazém de contentores, num espaço verde. Isto era um ganho absolutamente extraordinário, porque estamos a falar de 100 hectares. 30 em Lisboa e 70 em Loures.
JSF: Eu sempre tive, enquanto fui vereador do Ambiente e da Energia, a ideia de fazer pontes, pontes físicas, pedonais e cicláveis, para unir bairros, para unir sítios. E uma das pontes, mesmo antes de saber das Jornadas, que já estava em projeto, era a ponte por cima do rio Trancão. E agora imagine a minha alegria… E os últimos bocados que faltavam tratar verdadeiramente como espaço verde, um era o aterro de Beirolas (esse acho que ainda está parado) e o outro era o aterro na zona do vale da Calçada de Carriche. Isto era uma oportunidade, nós podemos transformar este aterro num futuro parque. E em relação a Loures, sonho do António Costa, podemos transformar o sítio dos contentores num futuro parque. A oportunidade de deixar um legado num evento destes, tal como noutros eventos se deixou, sabendo nós que noutros não se deixou um legado nenhum e até houve custos financeiros inexplicáveis, neste caso, logo à partida, podíamos deixar um legado físico, que é transformar dois territórios, um que é um aterro e outro que era um armazém de contentores, num espaço verde. Isto era um ganho absolutamente extraordinário, porque estamos a falar de 100 hectares. 30 em Lisboa e 70 em Loures. E, portanto, é um evento que tem aquelas vantagens que acabei de dizer, mas que depois também tem este legado: deixar 100 hectares não prontos, mas com a possibilidade de serem um espaço verde num tempo relativamente curto, daqui a um ano ou dois anos, é absolutamente extraordinário. Ainda por cima para um território, o de Loures, que não tem acesso ao rio. Estamos a falar de 150.000 pessoas, que de repente, podem ficar com um espaço verde extraordinário para correr, saltar, namorar, fazer desporto, enfim…
NSL: Lazer. Porque é que foi necessária a criação da estrutura a nível governamental para tratar das Jornadas?
JSF: Porque um evento desta dimensão envolve toda a sociedade.
NSL: Mesmo estando concentrado numa cidade?
JSF: Está concentrado numa cidade, mas também engloba território de Loures. E, essencialmente, era preciso que houvesse um grupo de projeto que articulasse todos os ministérios. Nós temos de pensar na Administração Interna, temos que pensar na Segurança, nos Negócios Estrangeiros, nos vistos, temos que pensar na Saúde. Tem de haver uma frente que seja adaptável a este evento. Estamos a falar de 1 milhão de pessoas. Saúde e segurança são duas coisas absolutamente fulcrais para uma coisa destas. E depois, em termos de mobilidade, embora no princípio estivesse previsto que o Plano de Mobilidade fosse feito pela Câmara de Lisboa quando passou para o grupo de projeto, o grupo de sempre ajudaria naquilo que é o transporte público ligado ao Estado, o metropolitano, o comboio, etc.
Cá está mais uma das questões para as quais o grupo de projeto era importante, para articular essas coisas todas. E depois também articular com o próprio organizador do evento, com a Igreja. E com as câmaras, Câmara de Lisboa, Câmara de Loures, depois apareceu a Câmara de Oeiras, e agora também a de Cascais. É um pequeno grupo, estamos a falar de dez pessoas, oito pessoas, mais duas que, entretanto, prestaram serviços para coisas específicas. É um grupo pequeno, mas um grupo pequeno que tem servido para isto. Depois, a partir de certa altura, acumulou uma série de outras funções que não estavam previstas: tratar dos ecrãs, da luz e do som no Parque Tejo -Trancão, tratar das casas de banho (com o qual até já brincaram bastante comigo, mas é uma coisa essencial num evento destes), tratar da transmissão televisiva, tratar do plano de mobilidade… São mais tarefas. Passo a passo, obstáculo a obstáculo, dificuldade após dificuldade, milhares de dificuldades. Mas aqui estou eu a olhar para a frente.
NSL: Existe mais do que um grupo de trabalho, de diferentes entidades, para este evento. Tem sido um desafio articular todas estas entidades?
JSF: É sempre um desafio, não é? Eu também presido a uma comissão de acompanhamento, onde estão as entidades todas, quer dos ministérios, quer das Câmaras. E acho que as coisas têm corrido bem, com mais ou menos dificuldade, têm corrido bem. A vida ensina-nos que perante as dificuldades só há uma maneira de as enfrentar: saltar o obstáculo. E é isso que tem acontecido. Porque há coisas específicas, as tarefas foram divididas. Há coisas específicas para a Câmara de Loures, há coisas específicas para a Câmara de Lisboa, para a Câmara de Oeiras e para a Câmara de Cascais. E depois há coisas específicas do Grupo de Projeto, mas também há coisas gerais que também é o Grupo de Projeto que tem de tentar coordenar, muitas vezes deixando os ministérios fazer o seu trabalho, quer o Ministério da Administração Interna, quer o Ministério da Saúde. Mas não só. Por exemplo, o plano cultural do Ministério da Cultura, o programa cultural para o evento da parte do Estado, é um belíssimo programa. Todos têm trabalhado como uma equipa. E nessas equipas há entidades mais egoístas e outras mais altruístas, mas isso é a vida.
NSL: Olhando para este evento de outro lado, que é o lado dos moradores de Lisboa, o que é que está a ser feito para minorar os impactos negativos que este tipo de eventos tem sempre?
JSF: Bom, é evidente que nestes próximos dias é importantíssimo haver informação. E as pessoas saberem que podem chegar a casa, podem sair de casa, não vão ficar presas em casa. Depois, para diminuir alguns constrangimentos que sempre houve, em qualquer evento (basta nós pensarmos num Benfica-Sporting na Luz, para perceber que ali à volta aquilo é um bocado caótico, durante o período do jogo). Aqui vamos tentar minimizar isso e tomámos algumas medidas governamentais e outras da própria cidade.
Para já, a tolerância de ponto nos dias mais críticos. Teremos menos pessoas do que o habitual e menos pessoas a ir e vir para dentro da cidade. O que nós tentámos - e acho que aí as Câmaras têm um papel importante - é informar os cidadãos. Os cordões de segurança, aqueles que foram anunciados, são fixados por questões de segurança. Não são fixados por qualquer questão de mobilidade. Mas percebe-se por que é que tem que haver cordões de segurança: se nós vemos 60.000 pessoas, à saída de um jogo de futebol, aquela massa humana a sair, nós percebemos que é impossível um veículo passar no meio.
NSL: Consegue imaginar mais algumas vantagens de longo prazo para a organização deste evento cá em Lisboa?
JSF: Para já, o legado de que já falei. Depois o ‘diz que disse’ de um milhão de pessoas é uma coisa que fica, não é? Fica na cabeça das pessoas. Eu tenho tido contacto com a equipa da Igreja. São centenas de pessoas, muitos deles estrangeiros, e muitos deles foram a outras Jornadas e, portanto, todos eles têm uma memória e nunca é uma memória negativa. E depois a experiência. A experiência das pessoas que estiveram nesta organização, é uma experiência extraordinária. Fica-se aqui com um Know-How.
NSL: Para a organização deste tipo de grandes eventos?
em todos estes momentos, nunca nos devemos esquecer dos outros, por exemplo, do Fernando Medina, que deu o pontapé de saída nisto, como não nos podemos esquecer dos momentos que passámos ao longo deste ano.
JSF: Organização, contactos e depois até aprendermos no plano da nossa própria vida. Eu nunca imaginei que houvesse tantos sonsos como há, nunca imaginei que houvesse tanta manha. Eu acho que isso até é mau, porque nos tira um bocado da ingenuidade que pensamos ter. Mas a vida é feita disto. Morreu há poucos dias o Milan Kundera. Ele tinha uma frase importante a propósito disto tudo. A frase era: A luta contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento. E, portanto, em todos estes momentos, nunca nos devemos esquecer dos outros, por exemplo, do Fernando Medina, que deu o pontapé de saída nisto, como não nos podemos esquecer dos momentos que passámos ao longo deste ano. E como devemos guardar memórias disto. Claro que vai haver confusão, claro que vamos ter dificuldades, claro que vai haver pessoas aqui ou ali que vão ficar aborrecidas. É inevitável. Isso vai acontecer durante essa semana. Tem que haver muito boa informação, muito boa comunicação durante estes 15 dias. Agora, não vale a pena estarmos a comunicar coisas muito antes, porque é agora que temos que o fazer.
NSL: Foi apresentado há poucos dias o Plano de Mobilidade das Jornadas. Quais são as principais medidas que gostaria de destacar?
Nós hoje, também ainda não sabemos quantos peregrinos vêm. Estamos a apontar para cerca de 1 milhão, mas podem chegar ao milhão e meio.
JSF: Para mim a mais importante resulta do esforço gigantesco da Administração Pública e das empresas de transportes, que foi o reforço do transporte público. Conseguimos fazer o reforço do transporte público. Não inventámos comboios, não inventámos autocarros, mas tentámos reforçar, para as horas de ida e vinda dos eventos, o transporte público. Esse foi um esforço gigantesco. Depois, proporcionar também, em termos de mobilidade - um esforço bastante assinalável do Governo e da Área Metropolitana de Lisboa - um passe ao que servisse a maior parte dos peregrinos inscritos. Porque isso desanuvia bastante o acesso às caixas, à bilhética.
Vai haver problemas na mobilidade? Vai, vamos ter constrangimentos, mas temos tudo preparado, sítios para estacionar os autocarros, estamos à espera de 4000 autocarros, portanto há lugares para isso. Tivemos que preparar terrenos para o efeito, para além de algumas estradas ou ruas de Lisboa. Tem sido um desafio, o plano de mobilidade, mas também não valia a pena apresentar antes. Fui muito criticado por isso, mas desde o princípio que no contrato que nós fizemos com a empresa que nos ajudou a fazer o plano de Mobilidade, era para ser apresentado no dia em que foi. Tal como aconteceu em Madrid, como aconteceu no Panamá. No Panamá foi uma semana antes. E porquê, porque há uma imprevisibilidade no número de pessoas que vão estar que não nos permite apresentar. Quer dizer, nós não podemos apresentar uma coisa que depois não é nada daquilo que vai acontecer. Nós hoje, também ainda não sabemos quantos peregrinos vêm. Estamos a apontar para cerca de 1 milhão, mas podem chegar ao milhão e meio. Meio milhão faz uma diferença gigantesca, não é? E, portanto as coisas têm que ser apresentadas com relativa cautela e no tempo certo.
NSL: Agora que nos aproximamos do arranque das Jornadas, há quem levante a questão do porquê de organizar isto em Lisboa, quando nós temos uma cidade em Portugal que está especialmente vocacionada para isto.
Fátima comporta, mais ou menos, cerca de meio milhão de pessoas. Não chegava, portanto. E depois, em termos logísticos, Lisboa tem muito mais condições. Tem estações de comboio, tem autocarros, uma cidade como Lisboa ou uma região metropolitana como a de Lisboa, de facto, tem muito mais possibilidades de organizar um evento desta dimensão e com este número de pessoas do que qualquer outro sítio.
JSF: Fátima comporta, mais ou menos, cerca de meio milhão de pessoas. Não chegava, portanto. E depois, em termos logísticos, Lisboa tem muito mais condições. Tem estações de comboio, tem autocarros, uma cidade como Lisboa ou uma região metropolitana como a de Lisboa, de facto, tem muito mais possibilidades de organizar um evento desta dimensão e com este número de pessoas do que qualquer outro sítio. E, portanto é de facto um evento religioso. É um evento que se procura que seja inter-religioso.
Embora saibamos que o evento é uma organização da Igreja Católica, com o Papa Francisco eu julgo que há uma abertura que se nota, que se sente, não só em termos ambientais, mas também em termos de fraternidade e de diálogo inter-religioso. Eu acho que Lisboa também é escolhida por isso, porque Lisboa é conhecida desde sempre como um sítio cosmopolita, um sítio de encontro de pessoas. E, portanto, eu acho que é bem escolhido o local. E daí o entusiasmo que eu não esqueço. Mas quando o entusiasmo do Fernando Medina, de mim próprio, do Manuel Salgado, de todos, quando foi escolhido o sítio, e quando eles escolheram este sítio… Este sítio não foi escolhido por acaso. Foi escolhido porque era um sítio que não existia e vai passar a existir. Uma das maiores alegrias que uma pessoa, um político, pode ter na vida é proporcionar sítios públicos às pessoas. Nós, sempre que inaugurávamos um jardim em Lisboa, ele era apropriado logo. O caso do Campo Grande: quando se reabriu o Campo Grande, passou a ser uma coisa nova. Estava escondida, estava escura, e de repente está cheio de gente, miúdos a andar de bicicleta, outros a correr. Isso é o que nos dá vontade de fazer mais.
NSL: O José Sá Fernandes tem imensos anos de experiência na autarquia de Lisboa. Está agora numas funções que se aproximam mais do Poder Executivo a nível nacional. O que é que esta experiência lhe está a ensinar de fazer política a outro nível?
JSF: Isso não há grande diferença. O que eu tenho percebido e tenho aprendido é que, de facto, há ministérios de alta complexidade. Eu até tenho aprendido que eu não conseguiria fazer isso. Aprendi que eu era incapaz de exercer aquelas funções. Fiquei com admiração por pessoas que aceitam alguns desafios governativos e percebi a dificuldade que é gerir determinados ministérios. Em relação a funções concretas, eu acho que elas, com as devidas proporções, acabam por ser parecidas.