“Mais meio milhão de adultos podem ser abrangidos pelo Qualifica”
Miguel Cabrita, secretário de Estado do Emprego, antecipa o programa Qualifica. Trata-se do primeiro eixo estratégico do Plano Nacional de Reformas.
Nesta quarta-feira foram publicados dados do INE do desemprego. A taxa de desemprego de dezembro ficou nos 10,2%, em janeiro manteve-se. O que foi determinante para chegar a este número? Foi o turismo?
Vários fatores. O mais determinante é a atividade das empresas e o crescimento económico, que permitiu que houvesse disponibilidade para contratar, e o dinamismo no mercado de trabalho, como já não víamos há alguns anos. O desemprego tem vindo a baixar ao longo dos últimos anos, mas só neste ano houve capacidade para criar emprego em termos líquidos. Fechámos o ano, comparando os dados mensais de dezembro de 2015 com dezembro de 2016, com 115 mil postos de trabalho em termos líquidos, o que é excecional.
Há quase um paradoxo entre o ritmo a que cresce a economia e a que desce o desemprego? Não estão ao mesmo ritmo?
Durante anos tivemos uma grande retração do mercado de emprego. Neste ano, em virtude de algum crescimento económico e do clima de confiança que se instalou, do novo clima da sociedade portuguesa, que permite ter um horizonte mais favorável da evolução económica como das políticas públicas, claramente houve uma materialização na criação de emprego. Portugal não é o único país da Europa que passa por este tipo de fenómeno. Ao contrário do que se passava há alguns anos, em que a lei económica dizia que era preciso ter crescimentos de 2% para haver a criação de emprego, hoje várias economias têm esta tendência de conseguir emprego com níveis de crescimento que não são ainda aqueles que todos desejaríamos.
É sustentável?
Tudo indica que sim, porque tivemos ao longo deste ano o aumento do salário mínimo, que é uma política importante para combater as desigualdades no mercado de trabalho e promover a coesão social, tivemos os níveis de crescimento económico que são conhecidos e o impacto que estas dimensões tiveram na criação de emprego permitiram que houvesse este nível de criação de emprego. Mas não foi apenas o turismo o responsável. Teve um papel importante, mas há vários setores que há anos não criavam emprego, como a construção, e que têm revelado capacidade de o criar.
Este emprego só foi possível à conta de salários mais baixos do que aqueles que eram pagos?
Houve um ajustamento salarial de maneira bastante estandardizada, que fez baixar os salários médios e medianos. Temos de esperar pelos dados. O primeiro sinal positivo é que há criação de emprego e ofertas de postos trabalhos em diferentes setores e para diferentes níveis de qualificação, e à medida que o mercado se vai “normalizando” é provável e expectável que esse tipo de ajustamento salarial em baixa pare e, por outro, vá havendo uma correção gradual desse tipo de fenómenos. Medidas como o aumento do salário mínimo permitem que, de alguma forma, se corrija o que foi um pouco o efeito destes anos de crise. Crises de grande magnitude não se corrigem de um momento para o outro nem num só ano, portanto, vamos avaliando como é que vai ser a evolução procurando ajustar as melhores respostas para os desafios que temos. Uma nota relevante: o emprego aumentou como em poucos anos ao longo da nossa história, o desemprego continuou a diminuir, mas estamos ainda acima dos 10% e creio que isso não pode satisfazer ninguém, nem este governo nem sociedade portuguesa. No campo das políticas de emprego, uma tentativa que temos feito, e que está em curso, é reorientar as políticas ativas de emprego para aqueles que são os grupos mais problemáticos: os jovens e os desempregados de longa duração, e fazê-lo de maneira a garantir que os apoios públicos vão para os postos de trabalho mais estáveis. O que estamos a fazer neste momento, e está aliás a acabar a primeira fase de candidaturas na nova medida de apoio à contratação, que é o Contrate Emprego, é garantir que esses apoios vão para contratos sem termo e que são direcionados preferencialmente para jovens e desempregados de longa duração, e também para os territórios menos favorecidos, que em termos regionais merecem mais atenção das políticas públicas.
Na semana passada, o Primeiro-ministro disse que não vai mexer nas leis laborais, mas sabemos que o BE e o PCP exigem que sejam revertidas medidas na legislação laboral. É ou não preciso mexer na lei laboral para se criarem empregos mais estáveis?
A criação de emprego mais estável tem que ver com um conjunto de fatores, desde logo por aspetos legais ou, por exemplo, matérias ativas de emprego: melhor fiscalização, etc. Aquilo que o PM disse é o que está no programa do governo.
Quando o governo tomou posse, a taxa de desemprego era de 11,8%. Que taxa gostaria de deixar no final da legislatura?
É difícil avançar um número. É uma ambição nacional que possamos baixar para a taxa de desemprego de um dígito, o que esperamos atingir ao longo de 2017.
E o que pode o governo fazer para resolver o desemprego jovem?
Há aqui o paradoxo da juventude, que é o facto de termos a geração mais qualificada de todas, em alguns casos com contrastes gritantes em relação aos mais velhos. É mais qualificada, mas, ao mesmo tempo, não só tem as dificuldades normais de entrar no mercado de trabalho como também é a mais afetada pela chamada precariedade. Há desde logo a fazer um ajustamento das qualificações e aquilo que são as necessidades do mercado de emprego. Aspetos como a qualidade do emprego que é promovido é muito relevante para responder aos desafios do emprego jovem. Porque sabemos hoje que um dos fatores que mais determina questões como a vontade ou a necessidade de emigrar é o tipo de emprego a que as pessoas conseguem aceder. Depois, há todo um conjunto de instrumentos de política pública que têm que ver com estágios e apoios à contratação de jovens, que podem ajudar, e uma questão importante num país que, ao contrário do que se diz que temos excesso de licenciados, é a capacidade do mercado de integrar estes licenciados, a capacidade para apoiar a qualificar o tecido produtivo e gerar mais oportunidades de emprego qualificado que são aquelas que mais se adaptam ao perfil dos nossos jovens.
Há drama em ver um jovem emigrar para ter experiência fora?
Isso é um drama em si, porque perdemos capital humano que permitimos que vá para outros países. É um drama para o país que percamos aquela que é a nossa geração mais qualificada, porque no fundo são tendencialmente os mais jovens que mais emigram e, em larga percentagem, os mais qualificados. Diria que o drama não é a emigração em si, mas podem ser as suas causas e as suas consequências, não apenas no curto prazo mas de uma maneira mais estrutural na sociedade portuguesa.
Travar a fuga de cérebros é uma meta que gostaria de alcançar?
É impossível algum governo almejar a saída dos mais qualificados, ponto final. Quase por decreto. Agora, a criação de mais oportunidades e a capacidade de fixar empresas mais qualificadas em Portugal é obviamente um objetivo.
O governo vai avançar com o Qualifica. O que o distingue do Novas Oportunidades?
O Qualifica distingue-se quer das Novas Oportunidades quer dos SQEP, que pouca gente sabe que existem e é por uma razão, pelo desinvestimento e invisibilidade a que foram votados. O que distingue o Qualifica de outros programas anteriores é o facto de combinar obrigatoriamente os mecanismos de reconhecimento e validação de competências com formação obrigatória. A ideia é acrescentar valor ao portfólio de competências que as pessoas têm. E em relação ao programa anterior há uma diferença muito grande em termos da visibilidade que vai ter e investimento que queremos transmitir, que não é do governo, é do país. Quando tanto se fala de défice, o nosso défice mais estrutural é claramente o das qualificações.
Quantas pessoas serão abrangidas pelo Qualifica?
Como sabe, há uma meta do Plano Nacional de Reformas de um milhão de adultos abrangidos até 2020, com mecanismos de formação. A nossa perspetiva é que mais de metade desse esforço seja feita por via do Qualifica.
Vários centros Qualifica vão abrir em 2017. Em que concelhos?
A meta é atingir os 300 centros já neste ano, a partir dos 230 que existiam no início de 2016, tendo sido já concluída a primeira fase do alargamento. Tal como aconteceu com os primeiros 30 centros que foram criados de raiz no final de 2016, os novos vão ser escolhidos através de concurso aberto a candidaturas de entidades públicas e privadas. As variáveis determinantes para definir as comunidades intermunicipais, e concelhos em concreto, que beneficiam desta densificação da rede são, além naturalmente da qualidade e mérito das candidaturas apresentadas, as necessidades locais e regionais de qualificação.
Até 2020, o Qualifica tem metas a alcançar. Qual a mais estrutural?
A meta mais estrutural terá que ver com garantir que 50% da população ativa tenha o ensino secundário concluído em 2020 e que cerca de um milhão de pessoas tenham estado envolvidas em atividades de aprendizagem ao longo da vida, de modo a atingir uma taxa de participação de 15% por ano.
Por Rosália Amorim e Anselmo Crespo
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