Elza Pais começou por afirmar que Portugal “inovou ao apresentar uma Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga e a Toxicodependência, integrada ao nível da prevenção, da redução de riscos, do tratamento, da reinserção social, da dissuasão da toxicodependência, que teve por base uma forte discussão com peritos nacionais, instituições e pareceres internacionais sob a coordenação – também já aqui foi referido – do nosso colega e Professor Alexandre Quintanilha, que saúdo”.
“Somos hoje uma referência mundial, porque inovámos ao manter o consumo de drogas como um ilícito, tendo-lhe retirado a dignidade penal, continuando, contudo, a assinalar o desvalor do ato através de uma censura por via administrativa, no respeito pelas convenções internacionais a que estávamos e continuamos a estar vinculados”, frisou a socialista, que acrescentou que o país também inovou por “considerar o toxicodependente como um doente que necessita de tratamento e não como um criminoso que deve ir para a prisão”.
E lembrou que “assumimos sem medo os programas de redução de riscos, que salvaram muitas vidas e aproximaram os toxicodependentes do sistema de saúde, com resultados visíveis ao nível da diminuição do VIH/SIDA e outras doenças infetocontagiosas”.
Este modelo “fez cair o estigma social e promoveu a reinserção social e o tratamento dos toxicodependentes”, congratulou-se a também presidente das Mulheres Socialistas.
Ora, “20 anos depois faz sentido revisitar este modelo e atualizá-lo com a prudência e o rigor científico que presidiu à sua implementação e à sua elaboração”, defendeu Elza Pais, que apontou os “novos avanços que foram recentemente introduzidos com o uso da canábis para fins terapêuticos, acompanhando as boas práticas internacionais e as recomendações da OMS sobre o potencial terapêutico da canábis no tratamento da dor e de outras situações clínicas”.
“A canábis foi retirada da Tabela IV, mas está integrada na Tabela I da Convenção sobre Estupefacientes da ONU para se facilitar a sua acessibilidade à investigação e desenvolvimento para as preparações necessárias e relacionadas com o seu uso médico”, explicou a socialista.
Literacia cidadã
Também o deputado do PS Alexandre Quintanilha sublinhou o “prestígio internacional invulgar” que Portugal atingiu “com a sua política das drogas implementada quando era primeiro-ministro o Eng. António Guterres e Presidente da República o Dr. Jorge Sampaio, ambos socialistas”.
“Continuamos a ser uma referência mundial neste domínio, com uma visibilidade mediática que, passados 20 anos, não para de crescer. Essa política, longe de ser perfeita, foi o resultado de um trabalho intenso multidisciplinar e integrador de vários especialistas, durante quase cinco meses e com um envolvimento cidadão muito importante”, destacou.
O também cientista Alexandre Quintanilha explicou depois que “a recomendação da Organização Mundial da Saúde, para transferir a canábis e a resina de canábis da Lista IV para a Lista I da referida Convenção Única sobre Estupefacientes, deixa claro que o objetivo não é autorizar o seu consumo recreativo, mas sim estimular o progresso do conhecimento coletivo da utilidade terapêutica da canábis e dos efeitos nocivos associados ao seu consumo”.
“Na área da saúde, a evidência científica atual sobre a canábis mostra que o seu consumo está associado a um conjunto vasto de efeitos amplamente documentados em humanos, que podem ir desde simples alterações na memória de curto prazo e redução da capacidade de concentração, até crises de angústia e reações de pânico”, sendo que a longo prazo pode significar “indução de psicose e esquizofrenia e risco de dependência”, mencionou.
Mas deixou claro que “estes efeitos não afetam todos os consumidores e alguns deles só mesmo uma pequena minoria”. No entanto, “enquanto que para o álcool o risco associado ao seu uso pode ser determinado em função das quantidades, não dispomos ainda dessa informação relativamente à canábis. Perceber a variabilidade destes efeitos exige estudos continuados em populações alargadas e diversificadas, leva tempo e ainda estamos longe de termos os dados relevantes para uma literacia cidadã robusta e menos sujeita à desinformação”, esclareceu o parlamentar.
Alexandre Quintanilha levantou em seguida uma questão: “Por que não uma estratégia análoga em relação aos diferentes usos da canábis? A ênfase na ‘liberdade pessoal’ ou na ‘consciencialização do consumo’ que estes projetos de lei defendem merecem uma melhor contextualização”.
“O PS considera que estes projetos de lei merecem uma análise mais profunda no local apropriado”, concluiu o deputado socialista.
Maior risco para saúde neste momento é a passagem da canábis pelo tráfico
Por seu lado, o deputado do PS Miguel Costa Matos vincou que “fomos os primeiros no mundo a tratar adição e consumo de drogas como uma matéria de saúde pública e não um problema criminal”, e os “resultados dessa pioneira política pública desmentiram todas as críticas, que hoje se repetem na boca da direita”.
O socialista deixou bem claro que “o consumo de drogas diminuiu” e que “os problemas de saúde associados ao consumo de drogas diminuíram”, sendo que o “sucesso do modelo português” foi referido por “líderes internacionais, desde Barack Obama a Kofi Annan”.
Miguel Costa Matos, também secretário-geral da JS, frisou que “o maior risco para a saúde pública, de momento, não é o consumo da canábis em si, mas a passagem deste pelo tráfico, pelo crime, pela insegurança dos produtos, pelo acesso a drogas mais pesadas”.
Este problema pode e deve ser controlado, e “só o conseguiremos fazer através da legalização e regulamentação”, asseverou. Ora, “esta é uma convicção da Juventude Socialista, que temos defendido e fundamentado há anos”, clarificou o socialista.
“No início do ano, lançámos o apelo para que façamos deste 20º aniversário da descriminalização o ano do passo em frente da legalização. Interviemos sobre este assunto, vez após vez, e não só congratulamos as iniciativas do Bloco de Esquerda e da Iniciativa Liberal, não só dizemos presente, como dizemos que temos propostas concretas que não deixaremos de apresentar e pelas quais não abdicamos de lutar”, garantiu Miguel Costa Matos.