Intervenção de Manuel Alegre na Convenção Nacional do PS
Não venho aqui dizer que já ganhámos as eleições. Venho dizer que Portugal precisa que o PS ganhe as eleições.
Os trabalhadores, os desempregados, os pensionistas, os jovens, os empresários, a classe média, precisam que o PS ganhe as eleições.
O Serviço Nacional de Saúde, a Escola Pública, os direitos sociais, o mar, a terra, a economia, a cultura, a língua portuguesa, a alegria e a vida precisam que esta direita seja derrotada e que o PS ganhe as eleições.
Mas as eleições na Europa não estão fáceis para os socialistas. Por duas razões: em primeiro lugar, a própria Europa. Tal como está, esta Europa favorece o centro-direita. É uma Europa neoliberal contra a Europa social. Uma Europa do privado contra a Europa dos serviços públicos. Uma Europa da desregulação do trabalho e da desvalorização dos salários contra os direitos sociais. Uma Europa do poder dos mercados contra o poder dos Estados. Uma Europa da austeridade e da desigualdade contra a Europa do crescimento e da coesão. Uma Europa do centralismo burocrático e tecnocrático contra a Europa da partilha e da cidadania. Esta Europa está assim também por culpa dos socialistas que abdicaram, dos que não resistiram, dos que aplicaram políticas que não fazem a diferença nem criam alternativas.
Se num determinado momento o muro de Berlim caiu em cima dos comunistas, a Europa de Maastricht e da austeridade, como previram entre outros Natália Correia e Miguel Torga, está a cair em cima dos socialistas.
António Costa e o PS português têm uma oportunidade única para mudar Portugal e ajudar a mudar a Europa. A porta é estreita. Mas é por essa porta estreita que é preciso fazer passar a diferença. Por isso a importância de um programa com outras soluções e uma alternativa de confiança. A primeira grande vitória desta Convenção é ter mostrado que não estamos condenados ao pensamento único. Não estamos condenados à fatalidade das políticas austeritárias. Há outros caminhos, há outras soluções a propor aos portugueses.
Para isso não temos que nos situar no terreno do adversário. Não temos que procurar credibilidade junto dos que sempre defenderam e justificaram a austeridade e as políticas de direita. Temos que procurar credibilidade juntos dos milhões de portugueses que sofreram e sofrem estas políticas. Temos que convencer os que andam acabrunhados e se interrogam se vale a pena votar. Temos que conquistar os que perguntam se vale a pena votar no Partido Socialista.
Não nos iludamos. São muitos os que estão feridos, desiludidos, zangados, e ainda não decidiram se vão votar. São muitos os que neste momento não acreditam. É para esses que temos de falar, são esses que António Costa tem de convencer, é a esses que o PS tem de despertar e levar de novo a convicção, a esperança, o gosto e a alegria do combate político. “Trago-te o calor e as mãos inteiras”, escreveu o poeta Orlando da Costa. É assim que António Costa tem de estar nesta campanha: com calor e de mãos inteiras. Pela vitória e pela maioria absoluta.
Há por aí um cartaz da coligação de direita que diz “Portugal acima de tudo”. Devem estar a brincar connosco.
Se fosse verdade, não andavam a vender a TAP ao desbarato.
Se fosse verdade, não andavam a propor um novo corte de pensões.
Se fosse verdade, não propunham a constitucionalização da dívida, o que faria de Portugal e do parlamento uma prisão, faria do Parlamento um parlamento acorrentado.
Se fosse verdade, não andavam a reconduzir o governador do Banco de Portugal à pressa, sem consultar ninguém e depois de o terem criticado.
Eles não pensam em Portugal acima de tudo – eles puseram Portugal abaixo de tudo, eles puseram Portugal de joelhos. E por isso não têm perdão. Houve um tempo em que disfarçavam a sua ideologia e até a linguagem. Agora assumem sem pudor o fundamentalismo ideológico do neoliberalismo. Aqui e em toda a Europa. Temos de mostrar que não nos encolhemos. Não somos Syrisa. Mas também não seremos Pasok. Vamos ser nós próprios, socialistas portugueses, com autenticidade, com orgulho. Por isso é que o PS, no seu programa, define como prioridades as pessoas, os direitos sociais, o combate à desigualdade e o respeito pela Constituição contra a qual a direita governou, com a bênção e a complacência do Presidente da República, Cavaco Silva.
A coligação de direita, o PSD e o CDS, não têm a história nem a ética nem a autoridade política e moral para dar lições ao Partido Socialista. Nenhum outro partido português tem um legado democrático e de justiça social que se compare ao do Partido Socialista. A conquista da democracia e a sua consolidação, após o 25 de Abril, derrotando nas urnas e nas ruas a deriva que outros queriam impor. A construção do nosso Estado social, que este governo de direita tem vindo a destruir. O Serviço Nacional de Saúde, que nos permitiu, no espaço de uma geração, passar da condição de país do Ocidente com maior mortalidade infantil e mais baixa esperança de vida para indicadores do topo do mundo, à frente dos Estados Unidos e ao lado dos países nórdicos. A universalização do ensino público, como mola essencial para a igualdade de oportunidades.
A protecção dos direitos dos trabalhadores e dos pensionistas. Os direitos das minorias, as leis civis, como o divórcio e a despenalização do aborto, pondo finalmente fim à desigualdade gritante de direitos entre mulheres e homens neste país.
Não temos que pedir desculpa por ser quem somos. Não temos que andar disfarçados nem a falar uma linguagem que não é a nossa. Não vamos falar tecnocratês, vamos falar português, vamos falar socialista.
O PS tem de se manter fiel à sua identidade, à sua razão de ser. Mais do que nunca, deve estar ao lado dos que mais precisam. Deve cumprir a sua missão histórica de lutar pela emancipação cívica, cultural e económica dos mais vulneráveis. Esta é a identidade do PS. Esta é a linhagem política a que felizmente pertence António Costa
Não há democracia sem direitos sociais. Não há cidadania plena para quem não trabalha, para quem tem de viver da caridade alheia, para quem tem medo de perder o emprego, para quem é forçado a emigrar.
Nestas eleições, é esse o combate do PS: devolver a esperança e a dignidade aos portugueses. Resgatar a cidadania.
Este governo empobreceu Portugal e dividiu os portugueses. Lançou funcionários públicos contra trabalhadores do privado, jovens contra velhos. Vendeu empresas públicas ao desbarato. Violou repetidamente a Constituição. Tudo com a protecção e a cumplicidade do Presidente da República. Falhou em toda a linha. A pressão fiscal sobre aqueles que não podem fugir aos impostos subiu como nunca antes, a dívida pública atingiu números nunca antes vistos.
Que motivos há para festejar? Talvez o cumprimento de um velho sonho: com esta maioria de direita chegou finalmente o tempo do ajuste de contas com as transformações sociais do 25 de Abril. Em nome de um fanatismo ideológico e de uma obstinação como nunca se tinha visto. A troika foi apenas um pretexto. Mas a verdadeira troika, como disse António Costa, é composta por PSD, CDS e Cavaco Silva.
Voltámos ao antigamente: ao país do privilégio e das castas, em que os filhos dos pobres já estão condenados a continuarem pobres.
A grande ambição da direita é que o PS sucumba a esta fatalidade e se junte a uma grande coligação da austeridade e da desigualdade. Uma desigualdade entre povos e nações, e no seio destas, entre classes sociais – como se estivéssemos a galope de regresso ao século XIX.
Querem que também o PS assuma a desvalorização de Portugal, dos portugueses, da nossa democracia e de nós próprios. Querem que os socialistas reneguem a sua condição de socialistas. Que se juntem à direita, ao centro – seja lá o que isso for – ou na melhor das hipóteses que sejam uma terceira via. Que sejam uma muleta da direita e das políticas neoliberais, como parece pretender o Presidente da República que não pode condicionar o voto e a escolha dos portugueses. Quem decide é o povo, não é Cavaco Silva.
É por isso que estas eleições não são como as outras. Se o PS mudar a política em Portugal, isso terá consequências na Europa. Podem parecer pequenas, mas é sempre pelo pequeno que se começa.
Não queremos uma União Europeia de espartilho orçamental cego, de competição e imoralidade fiscal desenfreada, de desemprego, de desigualdade, de preconceito e divisão entre norte e sul.
Queremos uma União Europeia do investimento público, do crescimento em harmonia e não dos ganhos de uns à custa dos outros. Uma União Europeia de criação de emprego, da convergência dos padrões sociais, fiscalmente homogénea, coesa e solidária.
É nesta Europa em tempo de definição que vamos ter de escolher: vamos ter um Portugal servil ou um Portugal que tenha na Europa uma voz própria? Um Governo que se comporta como uma junta de freguesia da Europa ou um Governo à altura de um país com quase nove séculos de história?
São estas as escolhas, é este o caminho. Não podemos cair na armadilha da divisão dos portugueses. Para isso já basta a maioria de direita e um Presidente da República de facção. E à nossa esquerda temos alguns para quem o PS – e não a direita – continua a ser o inimigo.
Devemos falar à razão e ao coração de todos os portugueses que não se conformam com este estado de coisas. Devemos discutir com aqueles na esquerda que não querem discutir. Devemos obrigá-los a discutir. Dos eleitores do PCP e do BE à sociedade civil e aos cidadãos de movimentos cívicos e de partidos emergentes. Dos que estão indignados aos que já não acreditam. A missão do PS deve ser a de unir de novo os portugueses em torno de um projecto nacional que signifique coesão, justiça social e muito igualdade – sobretudo verdadeira igualdade de oportunidades.
Um país onde valha a pena viver, onde os jovens não tenham de emigrar e possam ter filhos, onde seja possível sonhar e realizar esses sonhos. Um país onde o talento e o mérito sejam recompensados, independentemente da origem social ou da filiação partidária.
Alguns ministros têm agora até o descaramento de dizer que a política portuguesa é “saudavelmente enfadonha”. O que há de “saudavelmente enfadonho” na miséria, na prostração cívica e económica de largas franjas da sociedade portuguesa, na emigração forçada de tantos dos nossos concidadãos? Que gente é esta que vende a pataco o que é de todos como se fosse só deles, que se compraz com a humilhação dos mais fracos, que se vangloria da caridade que pratica, graças à perda da dignidade de tantos portugueses? Não têm vergonha na cara e merecem ser corridos.
É por isso que mais do que nunca é preciso ouvir bem forte a voz do PS em defesa daqueles que não têm voz. Vamos libertar a linguagem política, que foi ocupada pela ideologia dos nossos adversários. Para que possamos construir um país onde ninguém é deixado para trás, como algo descartável. Um país onde todos contam. Um país decente.
Para construirmos o novo, temos de nos inspirar no melhor da nossa tradição e no legado que construímos nesta democracia. É isso que o povo português espera do PS e de António Costa. É preciso dizer o que tem de ser dito para fazer o que tem de ser feito.
Portugal precisa do PS.
A democracia precisa de António Costa.
Viva Portugal! Viva a República! Viva o Partido Socialista!