home

"Haja coragem para separar águas"

"Haja coragem para separar águas"

O Orçamento do Estado (OE) lembra o conto trágico de Hemingway “O velho e o mar”. Os portugueses sacrificam-se pelo OE, mas só ficam com a espinha e o peixe é roído por tubarões. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é reduzido à espinha para que os interesses privados se alimentem. O Governo é incapaz de reformar e de nos defender dos que vivem das “colocações garantidas da produção” (garantidas pelo Estado, claro). Esta citação de um grupo privado poderia ser o lema de muitos.  

Em contraste com o desgoverno que temos, o PS declarou que tem de haver separação das águas entre o público e o privado, o que passa pela exclusividade de todos os profissionais de saúde, de forma progressiva, e pelo fim do financiamento público a lucros privados, que resulta na dupla tributação do contribuinte. Felizmente, este não é o caso de todo o sector privado, pois parte dele contribui positivamente para o sistema de saúde e para a economia portuguesa.  
 
Fui acusado pelos interesses que vivem do OE de ter preconceito contra os privados. Nada mais errado. Tenho é preconceito contra inverdades, injustiça e desperdício. Difundiu-se a desinformação que a ADSE é um sistema mais barato por beneficiário, que os hospitais privados são mais custo-eficientes, que os países evoluídos apostam nos privados, que os privados contribuem para melhorar o acesso e que só por preconceito ideológico alguém questiona isto.  
 
Surgiu um relatório do Tribunal de Contas (TC) sobre o Hospital da Cruz Vermelha que questiona toda esta desinformação. Sem preconceitos e com objetividade. É mais um exemplo de que o PS está certo. Segundo o TC, exige-se uma análise custo-beneficio para recurso aos privados, sendo que “no caso de existir capacidade excedentária no SNS, e para quantidades complementares, a Análise Custo-Beneficio é equivalente à análise de um outsourcing, sendo só favorável para as finanças públicas produzir fora do perímetro do SNS quando o preço contratado for inferior ao custo no hospital do SNS com o custo marginal mais baixo”.  
 
O relatório refere ainda a situação de conflito de interesses “suscetível de comprometer a isenção e o rigor do processo de referenciação dos utentes” por parte de profissionais que trabalham no hospital público (que deveria ter prestado os serviços) e no hospital privado para onde os doentes foram referenciados. Mais uma vez o PS tem razão. Como diz o presidente Sampaio “não se pode ser público de manhã e à tarde privado”.  
 
Os portugueses pagam impostos altos que deveriam ser suficientes para terem acesso aos hospitais públicos. Não deveriam ter de sustentar hospitais privados a viver do OE. Esta dupla tributação não é devida à livre concorrência. Acontece porque os hospitais públicos são átrios de angariação dos doentes lucrativos para os privados. O que dá lucro fácil é desviado para os privados e o que não é rentável fica no público, como doentes com cancro, sida, bebés prematuros, etc. Não admira que os hospitais privados, ou a ADSE, pareçam ser mais eficientes por utente.  
 
Os países que apostam no privado não o fazem por serem mais “evoluídos”, mas porque escolhem um sistema de seguros (bismarkiano), como a Alemanha, ou um sistema com forte presença do Estado (beveridgiano), como o Reino Unido, onde os privados são complementares. Em Portugal queremos ter os dois sistemas, pagos pelo contribuinte. Isto é único no mundo. Questionar isto não é um preconceito ideológico, mas boa gestão. Este governo erra duplamente: faz cortes cegos no público e concede dádivas cegas ao privado. Estes erros são destrutivos do SNS e dos impostos dos portugueses. O PS nunca se calará na denúncia das injustiças e continuará a apresentar propostas responsáveis, coerentes com os valores que estão no nosso código genético.

 

Álvaro Beleza

Dirigente Nacional do Partido Socialista