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“Este é o homem que faz funcionar o Governo”

“Este é o homem que faz funcionar o Governo”

Não durou nove meses, mas quase. Até 1 de Dezembro do ano passado, data de nascimento do seu filho, Pedro Nuno Santos sabia que sempre que no visor do iPhone 6 aparecia o nome do primeiro-ministro lá viria a piada: para António Costa, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares era o homem mais grávido que tinha conhecido. Apesar de os telefonemas servirem para tratar de assuntos da governação, o líder socialista, conhecido pelo bom humor, não evitava a brincadeira sobre o responsável pelos equilíbrios da plataforma de esquerda no parlamento: “Como é que estão os teus enjoos? As pernas já começaram a inchar?”

Artigo publicado na revista Sábado

 

Por Otávio Lousada Oliveira

Pedro Nuno nunca negou estar a viver a gravidez da mulher, Catarina, de forma muito intensa e o chefe do Executivo acompanhou de perto aqueles nove meses. Desde que Sebastião nasceu, Costa ofereceu ao secretário de Estado o romance político e confessional El Olvido que Seremos (Somos o Esquecimento que Seremos, em português), do colombiano Flector Abad Faciolince, que o autor escreveu em homenagem ao pai. E ainda deu ao bebé uma peça de roupa, produzida por uma startup nacional.

A relação entre o primeiro-ministro e o secretario de Estado há muito que não é somente de trabalho. São cúmplices, amigos. almoçam juntos regularmente e comunicam todos os dias. Quando não o fazem pessoal mente – uma vez que Pedro Nuno costuma subir a escadaria do jardim das traseiras do Palácio de S. Bento e ir à residência oficial do primeiro- -ministro -, usam o telemóvel: tanto para chamadas como para SMS.

Costa sabe que tem em Pedro Nuno – como há muito tempo lhe chamam no PS – um dos maiores entusiastas (desde os tempos em que era líder da JS) da actual solução governativa e que a estabilidade da mesma tem tido um denominador comum: aquele a quem Marques Mendes já chamou “mais que ministro”. Tanto assim é que nestes 500 dias de governação – que se cumprem no sábado, 8 de Abril apenas durante um mês, Dezembro de 2016, Pedro Nuno teve “folga” prolongada, para gozar a licença de paternidade. E até o Presidente da República confidenciou a alguns dos seus mais próximos que a máquina não funcionou tão bem sem o habitual condutor. Se Costa é o rosto da ousadia por ter derrubado Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, Pedro Nuno Santos corporiza o equilíbrio indispensável para que PSD e CDS não tenham voltado ao poder.

O broker do pós-eleições

Em declarações a SÁBADO, o secretario de Estado diz-se grato pelo reconhecimento público, mas desvaloriza o seu papel. E sustenta que mesmo sem ele a roda não parou: “Não senti essa diferença. as coisas funcionaram perfeitamente na minha ausência. Sou apenas mais uma peça de um Governo que tem corrido bem e que esta todo imbuído do espírito desta solução governativa.”

Por Isso, distribui os méritos de um sucesso de que muitos duvidavam – o núcleo duro de Costa talvez fosse a excepção: “Seria impossível o meu trabalho aqui (parlamento) correr bem se os ministros e os secretários de Estado não estivessem todos com vontade de colaborar. É um trabalho partilhado por todos e indispensável. Indispensável, só o primeiro-ministro.”

Prestes a completar 40 anos (a 13 de Abril), Pedro Nuno Santos é o elemento mais destacado de uma geração que cedo deu sinais de querer romper o bloqueio histórico que o PS tinha à sua esquerda. Para ele, era inconcebível que PSD e CDS tivessem o monopólio das coligações. Daí que, logo após as legislativas de 4 de Outubro de 2015, Costa lhe tenha telefonado a explicar o seu plano. Queria somar os 19 deputados do BE. os 15 do PCP e os dois do PEV aos 86 eleitos pelo PS e formar uma inédita maioria. Pretendia encarregá-lo de coordenar as delegações socialistas para as reuniões com os partidos liderados por Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. Ana Catarina Mendes ficaria com “Os Verdes”.

A 7 de Outubro. Costa tinha a primeira conversa pós-sufrágio com Jerónimo, na sede comunista, na Rua Soeiro Pereira Gomes, e passados cinco dias iniciava as negociações com Catarina Martins, na Rua da Palma. A partir daí os trabalhos prosseguiriam no plano técnico — sempre com Pedro Nuno como Interlocutor privilegiado do secretário-geral do PS. Após cada encontro, deslocava-se ao Largo do Rato para fazer o ponto da situação.

Costa conseguiu a alternativa “estável. duradoura e consistente” que Cavaco Silva tinha exigido. A 10 de Novembro. eram assinadas as posições conjuntas PS ,BE. PS ,PCP e PS-PEV. Dezasseis dias depois seria a tomada de posse.

Ter sido escolhido para pivô do Governo na Assembleia da República foi assim uma consequência natural. Não só porque tinha um mês e meio de diálogo com os parceiros de esquerda como trunfo, mas também porque entre bloquistas e comunistas as causas e lutas comuns do passado não podiam ser ignoradas.

A chegada a Lisboa, para estudar Economia no ISEG, radicalizou-o: conviveu e foi influenciado por gente que povoava espaços à esquerda da social-democracia: integrou o informal e discreto Grupo de Economistas Radicais, que lia e discutia as obras “proibidas” (que não faziam pane do currículo académico): foi presidente da Mesa da Reunião Geral de Alunos, fez pane da direcção da associação de estudantes: esteve Inserido na ATTAC (uma organização não governamental por uma globalização alternativa, que, entre outras coisas, defendia a Taxa Tobin sobre movimentações financeiras internacionais especulativas): participou no MATA (Movimento Anti-Tradição Académica): e também esteve presente numa plataforma de solidariedade com os índios de Chiapas — que se manifestou à frente da Embaixada do México —, na qual conheceu o bloquista Jorge Costa.

Em 2007, integrou o quarteto fundador do Ladrões de Bicicletas, um blogue que resgatou o nome ao filme clássico de Vittorio De Sica (1948) e que se definia como “um espaço de opinião de esquerda, socialista e que pretend[ia] desafiar o domínio da direita na luta das ideias”. Ao seu lado estavam João Rodrigues. Nuno Teles e outro dirigente do BE, José Gusmão.

Parceiros, mudei a casa

Passados 10 anos, é do seu gabinete, no piso 1 da Assembleia da República, que faz o Governo andar, num quadro em que o parlamento adquiriu centralidade. Por isso, até o espaço ocupado pela Secretaria de Estado teve de mudar. Todos os dias há reuniões. Já chegaram a ser 16 em menos de 24 horas, quatro em simultâneo. Por isso. abdicou do antigo gabinete dos titulares dos Assuntos Parlamentares e transferiu-se para uma sala ao lado, das que são ocupadas pelo seu staff. O local que lhe pertencia serve agora para reuniões, entre as quais as das segundas-feiras, comos seus adjuntos.

Como tem de articular as posições do Executivo com as das bancadas do PS, BE, PCP e PEV, o seu gabinete foi equiparado ao de um ministério — e tem gente especializada em quase todas as áreas da governação. Na última segunda-feira, por exemplo, sentaram-se à mesa Marina Gonçalves (adjunta para as Finanças, Trabalho e Segurança Social), José Borges (Educação. Cultura, juventude e Desporto), Paulo Correia (Defesa. Administração Interna e justiça), Hugo Oliveira (adjunto político), Frederico Pinheiro (Economia) e Bruno Mala (Ambiente. Agricultura, Mar e Infraestruturas). Só faltaram Nuno Araújo (o chefe de gabinete), que estava nos EUA, Ricardo Rosado (Saúde) e Hugo Mendes (adjunto político).

Ao lado desse antigo gabinete, existia até ao início da legislatura uma outra sala de reuniões. Foi dividida em duas (com uma parede construída a meio) para acomodar mais trabalhos. Aliás, o quotidiano de Pedro Nuno, à margem da participação obrigatória em plenários, parece o de um burocrata embora não seja. Sempre de telemóvel no bolso e iPad debaixo do braço, tem um único encontro regular às terças-feiras, normalmente de manhã) fora do parlamento: o que reúne o núcleo de coordenação do Governo na residência oficial e em que participam os que Costa mais ouve: Augusto Santos Silva, Maria Manuel Leitão Marques, José Vieira da Silva, Eduardo Cabrita, Pedro Marques e Mariana Vieira da Silva.

Foi nesse órgão informal (em que Mário Centeno, por força das circunstâncias, às vezes também se senta) que foram geridas as principais crises destes 500 dias: capitalização da CGD, polémica em torno das obrigações declarativas da administração de António Domingues, a escolha do seu sucessor, Paulo Macedo, o impasse com a Taxa Social Única (TSU), a venda do Novo Banco e até o Galpgate. Tudo o que é relevante é. depois, transmitido aos parceiros.

Entre terça e quinta-feira, Pedro Nuno Santos reúne-se com a delegação do PCP (que tem como emissários fixos João Oliveira e Jorge Cordeiro): às sextas recebe a equipa do Bloco (composta por Pedro Filipe Soares, Mariana Mortágua e Jorge Costa). Nesses encontros, olha-se para a agenda, antecipam-se iniciativas legislativas, anunciam-se as posições e acertam-se estratégias para atenuar o ruído público de cada ponto de tensão.

 

Indie-rock entre reuniões

 

À esquerda contam que Pedro Nuno não tenta eliminar as diferenças: procura resolver tudo com a menor fricção possível, mas a banca e o espartilho orçamental imposto pela Europa continuam a ser os principais obstáculos a entendimentos mais profundos. Isso fica patente nas discussões orçamentais, que duram horas e horas. Maratonas pela noite fora, revelam elementos das varias partes. E há ainda as reuniões sectoriais: com ministros ou secretários de Estado e deputados ou dirigentes dos partidos que acompanham cada área. Nessas, costumam estar os adjuntos de Pedro Nuno. que elaboram relatórios sobre o que foi discutido.

 

Todos os dias, o secretário de Estado chega a S. Bento às 10h, ou até antes. Nunca desliga as luzes antes das 20h. Sagradas só mesmo as principais refeições (ao contrário do lanche, que lhe costuma ser levado pela auxiliar e despachado em poucos minutos: o almoço, fora; o jantar, em casa, com a mulher, ainda que fora de horas. Só questões impreteríveis o fazem abdicar de sair da Assembleia da República. Gosta de esticar as pernas e de descontrair. Várias vezes come com o primeiro-ministro; gosta do Kampai (restaurante japonês na Calçada da Estrela) e do Il Matriciano (o italiano da Rua de S. Bento).

 

No Parlamento, entre as inúmeras vezes que lhe batem à porta, um telemóvel que toca incessantemente e um IPad que funciona também como agenda. vai ouvindo música. Na playlist há Iggy Pop, The Weekend, Warpaint, La Femme, The National e Arcade Fire.

 

Sucessor de Costa?

 

Pedro Nuno tem sido apontado como candidato a sucessor do secretário-geral, que chega aos 56 anos em julho. Sobre isto nada diz, tal como evita pronunciar-se sobre se é ou não o segundo elemento mais Importante do Executivo. Prefere abrir o leque das opções socialistas: “A única coisa que sabemos é que, por razões naturais, que têm a ver com a demografia, essa geração vai liderar o PS. Vamos esperar com calma por esse tempo. porque o que nos está a entusiasmar é mesmo o presente que estamos a viver.”

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