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Entrevista de Vieira da Silva ao PÚBLICO

Entrevista de Vieira da Silva ao PÚBLICO

in publico.pt por Raquel Martins e Eunice Lourenço (Renascença), foto de Nuno Ferreira Santos

Reformas antecipadas? “O que está no OE não é nenhuma retirada de direitos”

Vieira da Silva, ministro do Trabalho e da Segurança Social, não esclarece como pensa fazer a transição para o novo regime de antecipação da reforma que vai vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2019. Em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença alerta que a medida ainda tem de ser discutida no Parlamento e na Concertação Social.

O ministro assegura que o fim da aplicação do factor de sustentabilidade nas reformas antecipadas vai beneficiar um grupo significativo de pessoas e assegura que será definido um período transitório para salvaguardar as expectativas de quem que não cumpre o critério de aos 60 anos  terem 40 de descontos. Em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença (que poderá ouvir a partir do meio-dia desta terça-feira), Vieira da Silva assume que não é viável deixar os trabalhadores sair do mercado de trabalho para a reforma antecipada com as penalizações todas, porque a Segurança Social em Portugal “não é um sistema de cada um por si”. Quanto à surpresa do PCP, do BE e do PS, o ministro assegura que o que está no Orçamento do Estado (OE) para 2019 foi negociado.

Quando colocou a questão das longas carreiras no OE para 2019, o Governo pretendia apenas resolver esse problema, que fazia parte da negociação com os parceiros de esquerda, ou quis mesmo reiniciar uma discussão sobre reformas antecipadas?

As longas carreiras contributivas é um dossier aberto por este Governo e que já foi encerrado. Foi aprovada legislação, que está já em plena aplicação, para dar um tratamento diferente aos trabalhadores com muito longas carreiras contributivas, que começaram a trabalhar até aos 16 anos, em idade que hoje é considerada trabalho infantil. Esses trabalhadores, ao atingirem os 60 anos, podem reformar-se sem nenhuma penalização. Desde Outubro de 2017, utilizaram este regime cerca de 15.500 pessoas.

O que está no OE é outra coisa. É um compromisso que o Governo assumiu de as pessoas que aos 60 anos têm 40 anos de carreira contributiva poderem aceder à reforma [antes da idade legal] com uma penalização menor do que hoje existe, porque não é aplicado o factor de sustentabilidade; ou não terem nenhuma penalização e poderem sair aos 64 ou aos 65, consoante a dimensão da sua carreira. O que está no OE não é nenhuma retirada de direitos, é uma melhoria dos direitos para um grupo significativo de pessoas.

E o que acontece às pessoas que vão deixar de poder reformar-se antecipadamente porque não cumprem o critério de aos 60 anos de idade terem 40 de descontos?

Essas pessoas terão, naturalmente, um período de transição que lhes irá garantir os seus direitos, mas não estarão na mesma situação dos outros.

Estamos a falar de pessoas que, por exemplo, aos 62 têm 41 de descontos?

Sim. Terão um processo de transição de forma a que as expectativas que foram gerando sejam devidamente salvaguardadas nos termos que a lei [vier a] definir. [Nos últimos dias] fez-se uma discussão muito grande, disseram-se muitas coisas que não correspondem à verdade, fizeram-se muitos comentários…

“O que está previsto no OE não é nenhuma retirada de direitos, é uma melhoria dos direitos para um grupo significativo de pessoas”

A que se deve a discussão dos últimos dias? Não houve negociação dentro da maioria de esquerda e dentro do PS? Ainda este fim-de-semana o líder do PS-Coimbra pediu explicações e disse que a medida do OE ou está mal explicada ou é injusta. Em que é que ficamos: está mal explicada ou é injusta?

Um orçamento contém sempre medidas que necessitam de debate. Mas em torno dessa questão ouvimos muitas outras questões. Ouvi, por exemplo, alguns dirigentes sindicais e políticos defender que deveria haver um sistema que garanta a reforma aos 40 anos de carreira e 60 de idade. Quem defende isso tem de explicar como é que se traduziria na vida das pessoas.

Como é que se traduziria?

Para o sistema se manter equilibrado era necessário que se pagasse mais cinco a seis pontos percentuais de contribuições. Em vez dos 34,75% tinha que se pagar à volta de 40%. Ou então as pensões tinham que baixar muito. Ou então entrávamos em desequilíbrio dentro de cinco ou seis anos.

A medida foi negociada com o Bloco, PCP e PS no âmbito do OE? O que se tem dito é que apenas foi negociado o alívio dos cortes para quem aos 60 tem 40 de serviço…

É isso que está no OE.

Mas, além disso, o senhor ministro disse que a porta de entrada para a reforma antecipada…

Terá que ser reavaliada e terá que haver um período de transição.

“O que está no OE foi discutido e não ouvi ninguém contestá-lo. Outras questões que não estão lá escritas é outra discussão que será feita a seu tempo”

Essa reavaliação foi discutida ou os partidos foram apanhados de surpresa?

Não foram apanhados de surpresa. Estamos a falar de retirar o factor de sustentabilidade – é isso que está no OE, não está mais nada – e que isso se aplica àqueles que tenham 40 anos de descontos aos 60.

Por quanto tempo será o período de transição?

Ainda não está estabilizado. O OE não fez a lei, apenas assumiu aquele compromisso.

O que é razoável?

Não vou adiantar, porque isso precisa de ser discutido na Concertação Social e precisa de ser discutido no Parlamento.

Em relação a esta despenalização das reformas antecipadas para quem tem 40 anos de descontos aos 60 de idade, a fórmula exacta ainda não está fechada, mas confia que será aprovada pelos parceiros de esquerda?

O que está no OE foi discutido e não ouvi ninguém contestá-lo. Outras questões que não estão lá escritas é outra discussão que será feita a seu tempo.

Quem não cumpra os 40 anos de descontos aos 60 de idade pode continuar a pedir a reforma antecipada, ficando sujeito às penalizações que existem?

Esse é o tal regime de transição que acompanhará esta mudança que ainda não está estabilizada. Tenho alguma experiência na área da Segurança Social e já conduzi algumas mudanças, sempre as fizemos com períodos de transição – nunca fizemos aquele truque de aprovar à sexta-feira uma lei e à segunda-feira promulgá-la [como fez o Governo de Passos Coelho, quando congelou o acesso à reforma antecipada durante o período da troika]. As mudanças neste sector têm que levar em linha de conta as expectativas das pessoas. Não podem é deixar de ser feitas, não podemos abdicar de manter o sistema de Segurança Social sólido e isso não se poderá manter caminhando no sentido de uma individualização da relação da Segurança Social com as pessoas.

“Tenho alguma experiência na área da Segurança Social e já conduzi algumas mudanças, sempre as fizemos com períodos de transição. As mudanças neste sector têm que levar em linha de conta as expectativas das pessoas”

 

Por que razão não permite que quem queira possa reformar-se antecipadamente com os cortes?

Não disse que não permitiria.

Disse que ia haver um período transitório.

O período transitório pode ter essas características ou outra qualquer, não quero entrar em detalhes. O que disse é que a partir de 1 de Janeiro haverá um novo regime de despenalização das reformas antecipadas para quem aos 40 anos de carreira perfaça os 60 de idade.

Por que razão não deixa as pessoas sair do mercado de trabalho com as penalizações todas? É uma questão de sustentabilidade?

Também é por uma questão de sustentabilidade. Isto não é um sistema individual, não é um sistema de cada um por si. É um sistema em que todos contribuímos para que ele seja sustentável. Se cada um puder fazer o que entender, então a pessoa podia até nem descontar, mas isso feria de morte a Segurança Social, que é um sistema em que todos contribuem.

A despenalização das reformas antecipadas e os novos critérios de acesso ao sistema vão estar previstos num decreto-lei?

É um decreto-lei.

E está a avaliar o risco de os partidos chamarem o decreto-lei ao Parlamento?

Não é um risco, é uma regra de funcionamento parlamentar.

E se o Parlamento não aceitar o novo regime de acesso e só viabilizar a despenalização, o que acontece?

A Assembleia da República é responsável, tem os seus critérios, as suas regras, os seus limites também. Nesse caso poderá legislar como muito bem entenda, agora todos têm de assumir as suas responsabilidades perante os pensionistas actuais e futuros.

O regime das muito longas carreiras contributivas não foi um regime gratuito, em termos líquidos terá tido um custo adicional de 30 a 35 milhões de euros. Isso foi feito de forma consciente, o valor da sustentabilidade é muito importante, mas o valor da justiça social para aquelas pessoas também é decisivo.

Está a dizer que ao despenalizar um outro grupo de pessoas é preciso encontrar uma forma de compensar, restringindo o acesso à reforma antecipada?

Não estou a dizer que compense, estou a dizer que mantenha o equilíbrio do sistema de Segurança Social. Queremos aprofundar essa linha de justiça social, sem pôr em causa a sustentabilidade. E não é uma linha de individualização.

 

Salário mínimo acima dos 600 euros? “Vamos ouvir os parceiros”

Vieira da Silva, ministro do Trabalho, alerta que há sectores, sobretudo no pequeno comércio e nas áreas sociais, onde o aumento do salário mínimo coloca algumas dificuldades.

O Governo vai abrir, já em Novembro, a discussão sobre o aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) no próximo ano e Vieira da Silva não arrisca cenários, lembrando que do lado patronal há declarações contraditórias quanto à possibilidade de ir além dos 600 euros. O ministro defende que as empresas estão cada vez mais conscientes de que aumentar os salários é uma forma de reter trabalhadores qualificados. Mas reconhece que há sectores onde os aumentos feitos nos últimos anos colocam dificuldades.

Em 2019 o SMN pode ficar acima dos 600 euros previstos no programa do Governo?

O compromisso dos 600 euros está no programa do Governo. O salário mínimo, segundo a nossa legislação, é fixado pelo Governo, ouvidos os parceiros sociais. Foi assim no passado e será assim no futuro. Durante esta legislatura aconteceu algo novo que foi a existência de estudos trimestrais de acompanhamento dos impactos do salário mínimo. Os resultados obtidos nesses estudos têm sido discutidos e há hoje um maior consenso na sociedade portuguesa e nos parceiros de que estes aumentos – dos maiores da história do salário mínimo – foram compatíveis com o crescimento da economia e do emprego e, portanto, estou absolutamente convencido de que não haverá nenhuma oposição a que o Governo mantenha o seu compromisso. Se poderá ser mais elevado, vamos ouvir e discutir com os parceiros. Se for essa a vontade dos parceiros…

Sente que há essa vontade?

Já ouvimos coisas contraditórias.

Mas acha que há margem para ir além dos 600 euros?

Não sei, vamos ouvir os parceiros. É uma discussão que será iniciada durante o mês de Novembro e creio que será muito mais pacífica do que nos outros anos. Já no ano passado não foi assim tão inflamada como noutros tempos.

As confederações patronais já se conformaram?

Não é uma conformação. Tenho ouvido, não apenas do lado sindical mas de muitas empresas, a constatação de que os baixos salários são um problema para a nossa economia. As empresas que vendem para o mercado interno beneficiam de melhores salários. Poder-se-á dizer que isso prejudica as empresas exportadoras, mas as nossas exportações já não dependem principalmente de salários muito baixos, dependem de outros factores, como a qualidade ou a diversificação. Muitos sectores exportadores já têm, na contratação colectiva, um salário mínimo acima do legal.

Não ouvirão da minha parte dizer que estes aumentos do salário mínimo são uma coisa fácil e que só não se fazem porque alguns não querem. Não é tão simples quanto isso. Há sectores na nossa economia – estou a falar do pequeno comércio, de alguns serviços ou das áreas sociais – em que este impacto tem significado e coloca algumas dificuldades às empresas e às instituições.

O desemprego em Portugal registou melhorias significativas. O emprego também melhorou mas ainda não estamos nos níveis anteriores à crise. O que explica isto?

Parece quase um paradoxo. Hoje temos um número de desempregados que já é claramente inferior ao número que existia em 2008, antes da falência do Lehman Bothers, mas ao nível do emprego ainda estamos com 300 mil postos de trabalho a menos. A explicação é muito simples, apesar de ser dura. Se olharmos para a estrutura etária da população trabalhadora, vemos que o grupo etário onde o emprego menos cresceu e onde há pouco desemprego é o dos jovens adultos. A razão é simples: o fenómeno migratório retirou a Portugal umas centenas de milhares de trabalhadores em plena idade activa, que estão a trabalhar, a pagar as suas contribuições e a ter os seus filhos noutros países. É um preço demasiado alto que estamos a pagar.

Um estudo recente da Organização Internacional do Trabalho sobre Portugal concluiu que, apesar dos avanços conseguidos, o emprego em Portugal continua precário e desigual. Revê-se neste retrato?

O estudo identifica um problema estrutural na nossa economia que é o problema dos baixos salários, que durante muito tempo esteve ligado às baixas qualificações académicas. Hoje começa a não ser tanto assim, há trabalhadores que têm salários abaixo do que seria o normal face à sua escolaridade. Por outro lado, verificamos que quem permaneceu empregado mudando de empresa teve um prémio salarial médio de 8% entre Abril de 2017 e Abril de 2018. Isto quer dizer que o mercado de trabalho está ele próprio a adaptar-se a uma realidade diferente em que a qualificação e os salários são considerados um factor positivo e não apenas um custo.

Quanto à precariedade, algumas situações de contratação a termo são justificáveis, agora o peso que têm em Portugal é excessivo. E é excessivo porque durante muitos anos a única forma de entrar no mercado de trabalho era através de um recibo verde, e isso diminuiu muito, ou de um contrato a termo, mais de 86% de quem entra no mercado de trabalho entra dessa forma. Fizemos o que achámos razoável em termos legislativos no acordo de concertação social que está no Parlamento.

Receia que esse acordo vai ser posto em causa com as propostas de alteração tanto dos parceiros de esquerda como do próprio PS?

Não creio que alguém ponha em causa o objectivo de reduzir de forma significativa a precariedade do ponto de vista legal. Depois há a outra parte… naturalmente que a Assembleia da República é soberana, mas não acho que os instrumentos de redução da precariedade vão ser postos em causa.

Precários sem habilitações: serviços fizeram leitura “errada” da lei

Vieira da Silva reconhece que alguns serviços fizeram uma interpretação “errada” da lei ao excluíram dos concursos os precários que não têm o 12º ano e garante que já foram dadas orientações para que o problema seja corrigido. Quanto às discrepâncias entre o número de candidaturas e de processos com luz verde, o ministro alerta que mais de metade dos trabalhadores excluídos já tinha uma relação laboral permanente com o Estado.

Como vê o despacho do primeiro-ministro a mandar apurar as discrepâncias entre o número de pessoas que se candidataram ao Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários da Administração Pública (PREVPAP) e o número de processos aprovados?

Estamos a trabalhar para responder ao senhor primeiro-ministro. O que lhe posso dizer é que cerca de metade dos casos que tiveram parecer negativo são pessoas que já têm uma relação de trabalho permanente [com o Estado] e que mesmo assim concorreram. Algumas, tendo um contrato individual de trabalho, pretendiam transformá-lo em contrato de trabalho em funções públicas. Não foi para isso que o PREVPAP foi feito, mas para corrigir as situações de precariedade, ou seja, de contratos a prazo ilegítimos. Há contratos a prazo legítimos, pela natureza das funções. Um militar que não é do quadro tem um contrato a prazo, no ensino superior grande parte da carreira docente é feita com contratos temporários. Também houve pessoas nestas condições que fizeram a sua candidatura.

Em diversos serviços houve trabalhadores admitidos ao programa que foram excluídos dos concursos por não terem o 12.º ano. Houve uma recomendação do Parlamento ao Governo para solucionar estes problemas. Já estão resolvidos?

Esses casos foram considerados aptos, depois nos concursos é que a interpretação feita por alguns serviços foi de que as pessoas não cumpriam os critérios da lei. A interpretação desses serviços, a meu ver, é errada e já demos orientação para que fosse corrigida, porque a Lei do Trabalho em Funções Públicas prevê que as pessoas ou têm a qualificação académica ou, em casos excepcionais, têm de ter a experiência profissional que as habilite para o lugar e foi precisamente o que foi reconhecido [no PREVPAP]. Acho que houve uma interpretação restritiva do que está na lei.

E houve ou não bloqueio de alguns dirigentes?

Não lhe posso dar essa resposta a 100%. A maioria dos serviços, pelo menos falo do ministério de que sou responsável, encarou esta possibilidade de conversão de situações precárias em situações definitivas como uma oportunidade que, aliás, era bem necessária.