Entrevista de Mário Centeno ao Público I
in publico.pt por Sérgio Aníbal e Raquel Martins, foto Miguel Manso
“O OE é para todos os portugueses”
Em fase de negociação do OE para 2019, o ministro das Finanças avisa que “não é possível pôr em causa a sustentabilidade de algo que afecta todos, só por causa de um assunto específico”: a recuperação do tempo de serviço dos professores.
A menos de três meses da apresentação do último orçamento da legislatura, Mário Centeno olha para as sondagens e o que vê é um país que valoriza a sustentabilidade das contas públicas. O ministro das Finanças deixa um aviso aos partidos que apoiam o Governo no Parlamento quanto à contabilização do tempo de serviço dos professores ou a aumentos salariais na função pública. Essas medidas, diz, não estão previstas no programa do Governo e as decisões a tomar não podem pôr em risco o caminho que o país já percorreu. Além disso, alerta, só com os compromissos já assumidos, as despesas com pessoal deverão crescer 3% no próximo ano.
A recuperação do tempo de serviço dos professores é um dos temas que vai marcar o Orçamento do Estado (OE) para 2019. A solução que for encontrada é a chave para que o OE tenha o acordo da esquerda no Parlamento?
A pergunta, feita dessa forma, não é a mim que tem de ser colocada. Esse é um tema novo, que não consta do programa do Governo nem do quadro orçamental que definimos para esta legislatura, é um tema complexo e difícil pela sua dimensão orçamental.
Por vezes, estes debates ganham contornos que fazem esquecer o ponto de partida: este Governo tomou muitas decisões com incidência sobre a carreira dos professores e a primeira foi assumir a contagem do tempo com o descongelamento. A dinâmica da carreira dos professores e das regras estabelecidas significa que, ao longo deste ano, 46 mil professores vão progredir e embora esse impacto financeiro seja desfasado este ano é de 37 milhões de euros. O OE para 2019 terá uma verba adicional de 107 milhões de euros para fazer face às progressões. Esta aceleração não tem paralelo nas outras carreiras da Administração Pública.
Mas esse é o resultado das regras que estão em vigor.
Essa é que é a notícia: este Governo cumpre as regras. E as regras são as que hoje existem e foram aquelas que foram estabelecidas em 2011, 2012, 2013 até 2017 [que determinam que nas carreiras cuja progressão assenta no tempo de serviço, o período de congelamento não é tido em conta] e que este Governo também quer cumprir.
O Governo já assumiu que, pelo menos, uma parte do tempo de serviço do período do congelamento iria ser tido em conta. O OE para 2018 tem uma norma específica sobre o tema.
Temos de ler a norma até ao fim e o que ela diz é que isso se fará num contexto negocial e tendo em conta a sustentabilidade e a compatibilização com os recursos disponíveis.
Quando lhe perguntamos se a recuperação do tempo de serviço dos professores é um tema importante na negociação do OE é porque há quem queira ir mais longe, nomeadamente os partidos que apoiam o Governo. Até onde é possível ir?
Se encontrarmos as fontes de sustentabilidade da recomposição da carreira, note que o que estamos também a discutir é a ideia da recomposição. Há muitas coisas a discutir e a mais importante é que este Governo é o primeiro, em muitos anos, que respeita na íntegra o estatuto da carreira docente e que tem feito um esforço enorme no aumento do número de docentes.
Mas há quem considere que isso não é suficiente.
Há sempre muita ambição e quando a ambição vai além das nossas capacidades, muitas vezes falhamos.
Há pouco disse que é preciso discutir a recomposição da carreira docente. O que é que isso significa?
É um debate que temos de ter, em primeira mão, com os sindicatos. Para que se consiga encontrar uma solução, todas as variáveis da equação que definem essa potencial solução têm de estar em cima da mesa. Em 2011, 2012 e por aí adiante houve uma norma nos orçamentos que teve uma determinada consequência, que não foi considerada inconstitucional e que faz parte do enquadramento legal vigente. Seria muito complexo, até em termos de comparabilidade com os outros trabalhadores, o Governo reequacionar decisões legais anteriores. Consideramos que é possível negociar a partir daquele ponto de partida que apresentámos [recuperar dois anos de serviço].
Portanto, o tema dos professores não é determinante no quadro do OE?
O OE é um exercício complexo e para todos os portugueses. Temos, em nome de todos os portugueses, de propor um orçamento que seja sustentável, que olhe para o futuro e mostre a continuação do caminho que temos vindo a seguir até aqui. Ninguém iria entender que não fizéssemos exactamente isto e, portanto, não gostaria de singularizar num só tópico. Temos um orçamento, repito, que é para todos os portugueses e que tem de ser sustentável.
Negociar este orçamento é diferente do que aconteceu com os anteriores? Por ser o último ano da legislatura…
É diferente no sentido em que os pontos de partida são diferentes e em que é necessário acomodar neste OE decisões que já tomámos e que são distintas das do ano passado.
E em relação aos parceiros políticos, estamos perante um exercício diferente?
Não sinto isso. É normal que, no ciclo político que tem a duração de quatro anos, cada orçamento tenha o seu significado. As sondagens que têm sido feitas sobre estas matérias mostram a importância que os portugueses dão à questão da sustentabilidade e esse é para mim um activo insubstituível e que temos de saber traduzir nas decisões que tomamos. Não é possível pôr em causa a sustentabilidade de algo que afecta todos, só por causa de um assunto específico.
Dado que estamos no último ano da legislatura, a pressão para acomodar no orçamento determinadas reivindicações é grande.
Votam cinco milhões de portugueses.
Mas quem vota o OE no Parlamento são os deputados.
O Orçamento é feito para nove milhões e meio de portugueses e ninguém duvide de que tentarei, na medida das minhas capacidades, traduzir neste exercício aquilo que é o possível, no contexto dos princípios financeiros e económicos que me têm guiado desde que sou ministro das Finanças. Os países são mais fortes quanto mais capital social têm e o capital social é a capacidade de os representantes dos cidadãos traduzirem a vontade desses cidadãos. Não há nada pior para a estabilidade política do que ter políticos que, de repente, se tornam impacientes.
Sente alguma impaciência nos políticos em Portugal?
Não e não antecipo que vá acontecer. Uma das virtudes do sistema político português é a sua capacidade de resistir a essas tentações de impaciência que estão muito associadas ao populismo. Os movimentos populistas são, no geral, más respostas a problemas concretos e, normalmente, surgem porque políticos com provas dadas se tornaram de repente impacientes e tentaram criar caminhos mais curtos para dar resposta a problemas. Basta olhar para o “Brexit”, para o trajecto do antigo primeiro-ministro britânico [David Cameron] e como é que se chegou ali.
Em Portugal, a fronteira entre populismo e não populismo está nestas questões orçamentais?
Não me parece, porque há um sentimento muito forte dos portugueses face à responsabilidade e à exigência que colocam nos políticos que gerem as questões orçamentais. Não me queria tornar maçador a citar sondagens, mas em Junho de 2017 perguntou-se aos portugueses qual dos três eventos mais aumentavam a sua auto-estima: ganhar o campeonato europeu de futebol, a saída do Procedimento dos Défices Excessivos (PDE) ou ganharmos a Eurovisão. A resposta que teve mais escolhas dos portugueses foi a saída do PDE.
O facto de as pessoas valorizarem a saída do PDE pode também aumentar as expectativas quanto ao que pode ser feito, criando, por exemplo, a ideia de que pode haver aumentos na função pública.
Este Governo rompeu com um discurso que estigmatizava os funcionários públicos versus funcionários do sector privado. É um discurso que rejeitámos desde o início, acelerámos os processos de reposição salarial…
Mas há funcionários públicos que nunca tiveram corte directo no salário e, por isso, não beneficiaram da reposição e que também não têm sido aumentados por via do salário mínimo.
Gostava mais de tratar de todos os portugueses, do que olhar apenas para os funcionários públicos. A verdade é que em 2018 todos os portugueses têm uma taxa de IRS efectiva inferior à de 2017, por virtude da alteração de escalões e da redução da sobretaxa nos escalões mais altos. Estas são as políticas que devemos preservar e implementar.
Aumentar os salários dos funcionários públicos não está a ser equacionado?
É algo que, não estando no programa do Governo, nem no Programa de Estabilidade, temos de conscientemente entender como é que elaboramos um documento orçamental sem perder nenhuma das características que permitiram que Portugal evitasse um processo de sanções e de suspensão de fundos e permitisse a saída do PDE e da classificação de lixo. O OE não está fechado, é um exercício colectivo que deve reflectir o sentir daquilo que as pessoas têm em mente e os anseios verdadeiros de estabilidade política e financeira que o país tem.
Como é que, com o investimento em pessoal que diz haver e com os efeitos do descongelamento das progressões, se pode perceber a previsão de crescimento das despesas de pessoal do orçamento que é bastante modesta?
As despesas com pessoal no ano de 2018, até ao mês de Maio, estão em linha com o que tínhamos programado. E as pressões que existem sobre as despesas com pessoal são fáceis de identificar no próprio orçamento: tinham a ver com o descongelamento, com os acordos colectivos que tínhamos feito e pressões que vinham do lado da Saúde. Não há nenhum desvio que eu consiga identificar e a nossa expectativa é que o valor das despesas com pessoal esteja em linha com o que estava projectado.
E para 2019, o crescimento pode ser maior?
Para o ano que vem, o custo do descongelamento só por si duplica o seu valor, passa de 200 para muito próximo de 400 milhões de euros. Destes, 107 milhões são de professores, isto é, o descongelamento da carreira dos professores é responsável por mais de metade do aumento do custo total com o descongelamento. Depois temos a pressão que vem das contratações que fizemos na Saúde e que só têm impacto em metade do ano em 2018 e que vão ter impacto em todo o ano que vem.
Portanto, já está a identificar vários factores de pressão sobre a despesa com pessoal no próximo ano?
Sim, sobre o OE. Há ainda as horas de qualidade [na Saúde] e a reposição do valor total das horas extraordinárias que têm um faseamento de implementação no orçamento ao longo do ano de 2018.
De que aumento de despesa estamos a falar com estes factores?
A estimativa com que estamos a trabalhar para o aumento da despesa com pessoal no ano que vem, neste quadro orçamental que é o que sai dos compromissos assumidos e do Programa de Estabilidade, é superior a 500 milhões de euros. Ou seja, estamos a falar de um crescimento que se aproxima dos 3%. São valores muito significativos. Não podemos de todo, e não o faremos, pôr em risco o que foi conseguido. Temos de ir passo a passo, robustecendo as carreiras, o emprego, as condições laborais, mas com um sentido de responsabilidade, que eu acho que temos tido.
Em relação às pensões, o primeiro-ministro assumiu que 95% dos pensionistas terão aumentos em 2019. É o aumento decorrente da fórmula de actualização ou há um compromisso de dar aumentos extra?
Não há um compromisso com a existência desse aumento extraordinário. A grande conquista desta legislatura foi o cumprimento da fórmula de actualização das pensões, que foi retocada para abranger uma fatia significativa de pensionistas. É a primeira vez, em mais de uma década, que em dois anos consecutivos 95% dos pensionistas têm aumentos reais.
Na área dos impostos haverá novidades em 2019?
Há uma medida que continua o seu efeito em 2019 que é a segunda fase da alteração dos escalões do IRS, que tem um custo de 155 milhões.
Não estão previstas outras medidas?
Não se prevê que possamos alterar o quadro fiscal de forma tão substantiva como em 2017 e 2018. Mas, como o primeiro-ministro já disse, podemos olhar para o quadro geral e perceber se há formas de o optimizar em determinadas áreas, sem colocar em causa os equilíbrios essenciais do OE.
O corte do adicional ao Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos que foi chumbado no Parlamento pode ser feito no OE?
Não concordo com esta ideia de que, porque o preço do petróleo está mais alto, devemos cortar a taxa do ISP. A taxa de inflação que estava projectada no orçamento é muito superior à que hoje temos e não é por isso que o Governo deve propor hoje aumentar o IVA para compensar uma evolução nominal da economia mais ténue. Não é assim que se faz política orçamental. Agora, não é por isso que o Governo está menos preocupado com a evolução dos preços da energia. E não estou aqui a defender o valor que o ISP tem hoje, que não sei se não poderíamos olhar de forma mais abrangente e encontrar outro equilíbrio. O que não podemos tomar é medidas que, por causa de uma determinada evolução, coloquem em causa toda a estratégia orçamental. Défices tarifários e medidas em que se olhava para a evolução do preço do petróleo e se tentava fiscalmente ultrapassar estas dificuldades, não foram medidas de grande sucesso na economia portuguesa e portanto não parece que se deva promover a importação de produtos energéticos nem prejudicar o ambiente por causa dessas evoluções.