Entrevista de Fernando Araújo ao PÚBLICO
in publico.pt por Alexandra Campos
“Alguns doentes não iam havia anos a um dentista”
É o médico de família que faz o primeiro acompanhamento e a orientação para o médico dentista, explica o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo.
A concretização do projecto “Saúde Oral para Todos” significa que todos os portugueses vão passar a ter acesso a médico dentista no SNS?
Esta é uma grande reforma, é uma mudança estrutural. Finalmente vamos conseguir cumprir o artigo 64º da Constituição no que diz respeito à saúde oral. Hoje, já temos 53 autarquias com 63 consultórios de saúde oral e, com o apoio dos municípios, conseguiremos até ao final do primeiro semestre de 2020 ter todos cobertos. O modelo já foi testado em muitos locais, está muito amadurecido. Mas é verdade que vamos começar pelos casos mais graves e pelas pessoas com menos condições [económicas].
Uma pessoa que tenha problemas pode dirigir-se ao médico dentista no centro de saúde?
É o médico de família que faz o primeiro acompanhamento e a orientação para o médico dentista. Este é um novo serviço, vamos finalmente democratizar a saúde oral. O cheque-dentista foi muito importante mas está restrito a grupos vulneráveis, como crianças e adolescentes, idosos, grávidas, pessoas com VIH/sida. Todo o resto da população adulta não tinha resposta. Quem tem dinheiro ou seguros vai ao privado, quem não tem não vai a lado nenhum. Alguns doentes [tratados nos centros de saúde que já dispõem de gabinete] não iam havia anos a um dentista. Lembro-me de, durante uma das visitas ao interior do país, uma médica nos ter dito que muitos doentes não sabiam sentar-se na cadeira de dentista…nunca tinham ido a um dentista.
Mas, mesmo quando todos os municípios do país tiverem um gabinete, apenas uma percentagem pequena da população passará a ter acesso a tratamentos dentários no SNS, não é?
Em locais do interior, os consultórios poderão responder à maior parte das situações. Noutros, não. Mas isto é um caminho e o caminho faz-se caminhando. Pelo menos os utentes mais graves, com mais problemas e com menos capacidade económica, terão seguramente uma resposta no SNS. Também não queremos, com este projecto, acabar com [a oferta] privada. Estamos a trabalhar em parceria e também estamos a trabalhar em parceria com as autarquias. As instalações são nossas, nos centros de saúde. As câmaras oferecem a cadeira e o raio X. A ARS [Administração Regional de Saúde] faz as obras, contrata os recursos humanos, fornece os sistemas de informação, os consumíveis, assegura a formação.
Esta resposta não inclui, porém, as próteses e os implantes, que são os tratamentos mais dispendiosos.
Não. Mas os idosos mais carenciados têm acesso aos benefícios adicionais de saúde [reembolso de uma parte dos gastos com próteses]. E está incluído todo o tipo de tratamentos, como o tratamento de cáries, obturações e extracções. E este trabalho irá certamente prevenir a perda de dentes no futuro, porque as consultas incluem conceitos sobre higiene dentária.
Gostava de ter ido mais longe?
Em 39 anos do SNS não tínhamos saúde oral no SNS. Esta reforma é difícil de fazer. Nas avaliações internacionais, a área em que estamos sempre pior classificados é a saúde oral. Não temos resposta no SNS para os adultos. No primeiro ano, deveremos gastar entre três a quatro milhões de euros.