Entrevista de Augusto Santos Silva à TSF/DN/Expresso
As funções de primeiro-ministro terminam hoje. Para Augusto Santos Silva. Mas, até ontem, o ministro dos Negócios Estrangeiros aguentou o barco “num momento muito difícil”, um período “critico” e até de “sobressalto”. Mas o homem que substituiu António Costa não quer dar o alarme. “A vida de um Governo é feita de vitórias e derrotas”, diz. E se isto custar uma quebra nas sondagens, a mensagem é de que nada afeta o ânimo político, mesmo com o país ardido e um paiol arrombado. “Não interessa nada se as pessoas estão mais zangadas ou se somos mais ou menos populares”, afirma. Desvaloriza ainda a ausência do primeiro-ministro, no momento mais duro deste mandato e ‘segura’ os seus colegas da Defesa e da Administração Interna. Remodelações? É um assunto para o regresso de férias de António Costa. Mas Santos Silva não tem dúvidas: “Todos os membros do Governo são excelentes ministros. Sem exceção”.
Este não é um mau momento para o primeiro-ministro estar de férias e não dar a cara?
Não, porque nada do que é preciso fazer agora e está a ser feito dependia da presença física do primeiro-ministro. Esta semana está há muito planeada e há muito tínhamos feito a articulação das nossas férias.
Está quase a dizer que não faz fata?
No Estado moderno, desde a frente popular francesa de 1936, faz parte o direito ao gozo de férias. No caso dos membros do Governo é um período curtíssimo, mas faz parte do exercício de funções.
Foi ponderado com o Presidente a possibilidade de, no sábado, já depois do assalto de Tancos o primeiro-ministro cancelar as férias? Ou de regressar antecipadamente?
Não me compete contar as conversas entre o primeiro-ministro e o Presidente da República, nem dar conta dos processos de decisão pessoais do primeiro-ministro.
O Governo não se apercebeu logo da gravidade do roubo? Quando foi o primeiro-ministro informado?
O que posso dizer é que o primeiro-ministro foi imediatamente informado por quem de direito. Eu não era primeiro-ministro em funções, não fui logo informado.
Foi logo comunicado ao primeiro-ministro o que tinha sido roubado?
Não sei dizer. O primeiro-ministro é imediatamente informado de ocorrências desta gravidade. Na quinta-feira, António Costa foi informado. Tudo funciona.
Disse que estava em contacto permanente com o primeiro-ministro. Está a governar por SMS?
Eu disse que não só falava como comunicava com através dos diferentes meios que a vida moderna permite.
Skype, portanto…
Peço imensa desculpa, mas não creio ser do interesse público saber as formas de comunicação com o primeiro-ministro.
Tem funcionado tudo dentro da normalidade, mas só fez o ponto de situação de Tancos com o Sistema de Segurança Interna sete dias depois do assalto…
Isso é não compreender como funcionam as instituições! Não podíamos reunir imediatamente a seguir. Era preciso dar tempo aos serviços para carrear o primeiro volume de informação.
O Presidente da República diz que “mais grave seria” se ele próprio fosse de férias. Quer dizer que ele faz mais falta?
Como aliás ele explicou na mesma frase, é porque não há substituto legal para o Presidente da República, ao contrário do que acontece com o primeiro-minsitro.
Marcelo não está a suprir a falta que se sente do primeiro-ministro?
Não faço essa leitura. A presença física do PR é um elemento de tranquilização, de empenhamento e de unidade nacional, que é muito importante. Porque o que se passou no país é muito grave e é preciso tranquilizar e mobilizar o país.
Subavaliou-se a importância do primeiro-ministro estar aqui nesta fase para tranquilizar o pais?
Não creio que tenha sido subavaliado. A ausência física do primeiro-ministro e em nada prejudicou a ação do Governo e a sua liderança política nunca foi interrompida.
O primeiro-ministro tinha dito que não virava a cara às responsabilidades. Esteve três dias em que nada disse sobre o assalto a Tancos e depois foi para férias. Não é contraditório?
Em matéria das Forças Armadas, as questões de natureza política estratégica pertencem ao Governo, as questões de natureza tática e operacional pertencem às chefias militares. Este é o tempo das chefias militares. Quinta-feira, concluiu-se esse tempo. Ontem, e no plano político, falou o ministro da Defesa. Hoje terão o primeiro-ministro em funções.
Não afetou a imagem do primeiro e do Governo?
Não sei nem me interessa demasiado. Temos de ter uma noção das hierarquias e estou mais preocupado em saber como se faz a reflorestação de Pedrógão Grande do que saber se o Governo baixou nas sondagens
Um dos seus colegas de Governo reconheceu que há um antes e um depois no modo como o Governo se relaciona com os portugueses a partir de 17 de junho
Há sempre um antes e um depois de vários momentos. A vida de um Governo é feita de vitórias e de derrotas, de bons e de maus momentos. A qualidade, a robustez e a garra de um Governo vê-se a cada um desses momentos. Tenho uma visão diferente do meu colega Pedro Nuno Santos: não acredito que haja um momento difícil. Quinze dias depois de entrarmos em funções tivemos um momento terrível ao sermos confrontados com a necessidade de resolver a situação do BANIF!
Eduardo Cabrita também disse que os portugueses iriam ser mais exigentes a partir de agora com o Governo
Sinto uma enorme exigência do país em relação a este Governo desde o momento da sua constituição. Em primeiro lugar porque foi uma coisa totalmente nova na história da democracia portuguesa. Depois, porque durante sete meses vivemos sob um clima total de desconfiança das autoridades europeias e conseguimos demonstrar pela prática que merecíamos confiança. Durante um ano prometeram-nos que o diabo viria ou seria matematicamente impossível conseguir o que nos propúnhamos fazer. E a vida é feita disto. Neste momento, temos uma nova exigência: o país inteiro tem de viver com o que se passou em Pedrógão como um sobressalto. E, claro, o Governo tem de estar à frente desse sobressalto. Não interessa nada se as pessoas estão mais zangadas ou se somos mais ou menos populares.
Disse que as responsabilidades políticas estão assumidas! Já põe uma pedra em que haverá demissões?
A responsabilidade política é um dever. Agora o nosso dever é apurar os factos e as responsabilidades. Um governo não existe para se autopsicanalisar, para fazer introspeção, descobrir os seus próprios fantasmas e se as pulsões estão controladas. Um governo existe para agir. E agir não é fugir, nem encontrar bodes expiatórios ou desistir. É resolver as coisas nos diferentes planos.
A demissão de Jorge Coelho na tragédia de Entre-os-Rios faz parte do património ético do PS. Os socialistas não esperavam a mesma atitude da ministra depois de Pedrógão?
Não há padrão ético único na nossa reação aos acontecimentos e na assunção das responsabilidades. A atitude de Jorge Coelho é muito honrosa e representou uma lição para mim próprio. Como considero a atitude de Constança Urbano de Sousa também muito honrosa e uma lição para mim.
Corrobora a ideia que não faz sentido quando há problemas haver demissões, porque isso não resolve as questões de fundo?
Não tenho a arrogância do Catões, dos que se autoinvestem da condição de mestres morais de um país e definem uma linha única de conduta.
João Soares demitiu-se por um assunto menos grave…
Não sei. Eu próprio uso, como ele, uma liberdade de linguagem própria de quem conhece a literatura portuguesa dos séculos XIX e XX e de quem preza acima de todos os romancistas como Camilo ou Aquilino. Dizer que corremos com alguém com bengaladas Chiado abaixo, estamos a citar Eça. Essa liberdade de linguagem é hoje um valor que as pessoas não percebem. Quando a uso, cai-me toda a gente em cima. Por isso não serei a pessoa indicada para me pronunciar.
Não acha que há uma dualidade de critérios: João Soares demitiu-se por umas bengaladas. Agora ninguém se demite, apesar da gravidade dos factos…
Quando eu uso determinada liberdade de linguagem isso responsabiliza-me a mim. Ora, nós ainda não sabemos quem é o responsável pelo que aconteceu em Tancos ou Pedrógão…
Nunca haverá uma causalidade direta com nenhum dos ministros…
O nexo não é de causalidade mas de um agente que provoca uma ação de que decorrem efeitos que conduziram à tragédia. E esse link ainda não foi feito.
A hipótese de uma remodelação está em cima da mesa quando o primeiro-ministro chegar?
Não falo, nem falei sobre remodelações com o primeiro-ministro.
Acha que ele é um PM avesso a remodelações?
Não tenho esses dotes de psicologia.
Tal como foi dito em relação ao MAI, também acha que o ministro da defesa é excelente e tem condições para continuar?
Todos os membros deste governo são excelentes ministros. Sem exceção. Só há uma maneira de se estar num governo, que é em pleno. Por isso estamos todos a 100%. Não há ministros a 50%.
Não achas que estamos a atravessar um momento de crise política?
Crise politica, não. Estamos a atravessar um momento de sobressalto cívico e social e a atravessar um momento crítico do ponto de vista de tomada de opções decisivas para o país…
É um momento crítico do país e não é um momento crítico do Governo?
Se há um problema crítico do país, isso é um problema crítico do Governo. Porque a responsabilidade é de governar. Se o país vive um momento muito difícil, o Governo vive um momento muito difícil. E não vivemos esse momento por estarmos a ter editoriais contra ou por termos medo de que a próxima sondagem esteja a descer. O Governo vive um momento muito difícil porque tem de responder a um problema muito difícil.
Acresce a essa dificuldade o facto de atingirem duas áreas com ministros com fraca experiência política?
não é verdade. Se a experiência é formação, a ministra é uma das maiores especialistas portuguesas em segurança interna e o ministro da Defesa é um dos melhores professores portugueses de Direito de relações internacionais.
Não acha que são dois ministros a prazo?
O correto é dizer que qualquer membro do Governo é precário. Por definição, somos todos precários.
As remodelações não são um problema, portanto.
Fazem parte da vida política. Por alguma razão os ingleses chamam-lhe refrescamento.
Também está disponível para mudar de pasta?
Eu estou disponível para servir o meu país. É o que digo e depois os comentadores dizer “lá está ele armado em Churchill de Paranhos”.
A vida do Governo também é gerir os comentadores. Acha que a ida de férias de António Costa é a prova de que só cá está para as boas notícias?
Dizer que António Costa é apenas o homem das horas fáceis e de alguém que só aterrou em Portugal hoje. Porque se há homem das horas difíceis ele é António Costa.
“Foi o maior incidente de segurança do século XXI”
O ministro da Defesa disse na televisão que o furto de Tancos não foi o maior roubo do século. Diria isso
Eu só não diria isso porque não sou ministro da Defesa.
Mas concorda?
Do ponto de vista factual, em todo o mundo não é.
Em Portugal?
No século XXI sim, é o maior incidente de segurança. Mas não é o maior incidente que o mundo a que pertencemos e a aliança a que pertencemos teve neste século. É importante ter cuidado, porque a reputação conquista-se ao longo de uma vida e pode perder-se em menos de um minuto. E, na substância, Portugal continua a ser um dos países mais pacíficos e seguros do mundo e um aliado de todas as horas, sempre confiável.
A NATO não revê a maneira como olha para Portugal nem vai rever o nível de confiança que o país oferece?
Não. Nada foi revisto. Ativámos os canais diplomáticos e militares dentro da NATO. Nenhum de nós se arroga a ter imunidade a incidentes destes. Ninguém vive em absoluta segurança.
A ideia de que vivíamos numa bolsa de segurança era um luxo que acabou?
Não sei se acabou. Tivemos aqui um incidente que espero que não se repita e que tudo faremos para que não se repita
Não vê um sobressalto em termos de segurança interna?
Concedo que quem não tenha a informação que eu tenha fique mais alarmado. Sempre que acontece um destes incidentes acionamos de imediato os mecanismos que temos, informamo-nos uns aos outros, os serviços de informação entram logo em contacto uns com os outros, os nossos canais diplomáticos funcionam, tal como os militares e policiais. Nesse sentido, não diria que vivemos uma situação de segurança interna preocupante.
Compreende que haja essa apreensão?
Claro. Porque é que o CEME disse logo no segundo dia que era uma tristeza e uma humilhação para o exército? Porque o exército viu as suas instalações serem arrombadas e roubadas.
Não é muito tranquilizador ouvir um chefe militar dizer isso…
Mas tranquilizamos as pessoas agindo e corrigindo.
Este CEME não assumiu as suas responsabilidades?
Assumiu sim! A responsabilidade é um dever de agir . Não é dizer “toma lá a chave”.
Sentiu vergonha quando leu no El Pais sobre o assalto a Tancos?
Andei à procura desse artigo e não o encontrei. E é estranho porque todos os dias vejo e recebo o El Pais. É mais uma coisa interessante para fazer autopsicanálise. Como é que uma pessoa não consegue encontrar coisas que prefere não ver?