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Entrevista de António Costa ao Diário de Notícias I

 Esteve, por estes dias aqui na China, absolutamente tranquilo em relação à marcha das negociaões em Lisboa?

Obviamente que fui acompanhando, como me competia, os trabalhos de conclusão do Orçamento. Um Orçamento é sempre um exercício complexo, dentro do governo, com os parceiros parlamentares, e este processo não fugiu à regra. E, enfim, quando há maioria, a complexidade fica no interior do governo, quando não há maioria, amplia-se naturalmente aos parceiros, mas é um exercício positivo. No ano passado houve uma grande capacidade de encontrar boas soluções e acho que neste ano tem de se encontrar também capacidade para encontrar boas soluções. O Orçamento que dará entrada amanhã na Assembleia é uma boa proposta, naturalmente com condições para poder ser melhorada ao longo do debate parlamentar, até ao dia 29 de novembro.

Já pode dar por concluído esse trabalho? Está fechado? 

Não. Só quando houver uma votação final global.

Estava a falar da proposta… 

Até lá, o Conselho de Ministros tem de aprovara proposta, que será depositada na Assembleia e aí inicia-se o debate, que será importante para enriquecer e valorizar o trabalho orçamental.

Falou muitas vezes com Catarina Martins e Jerónimo de Sosa enquanto esteve na China?

Nós…[pausa] os contactos entre os parceiros parlamentares são, obviamente, regulares e são conduzidos, neste caso, por vários membros do governo. Esses contactos foram sendo realizados e eu fui-me mantendo informado.

Foi quanto lhe bastou?

Sim. Não foi necessário mais.

As negociações foram mais complicadas do que no ano passado?

Vamos lá a ver! A proposta de Orçamento é apresentada na sexta-feira, não lhe sei dizer… todos os exercícios orçamentais são diferentes, são problemas diferentes que se colocam, que têm de se resolver. Neste ano foi mais fácil, desde logo porque as pessoas tinham hábitos de trabalho que há um ano não tinham. Desta vez houve a vantagem de já haver um ano de trabalho em conjunto e uma confiança sedimentada. Claro, conforme vamos subindo a montanha, o exercício é mais exigente, mas isso só significa que é mais estimulante.

Perturbou-o todo o ruído que houve à volta do Orçamento? Fontes não identificadas, notícias que foram saindo, todos os dias um novo imposto… houve muito ruído neste ano.

[risos] Eu não me lembro de um ano em que não tenha havido ruído.

Foi diferente do ano passado. 

Se me perturbasse com isso, tinha mesmo de mudar de atividade [risos], porque isto não é para quem se possa perturbar simplesmente como ruído.

Um aumento para todas as pensões, como propõe o PCP, terá sempre de ter uma contrapartida do lado da receita? 

Não vou falar sobre nenhuma proposta em concreto. Há uma coisa que nóa sabemos, temos de simultaneamente combinar vários compromissos. Primeiro o compromisso de prosseguir com a reposição do rendimento das famílias e, designadamente, o rendimento das famílias que assenta nas pensões. e temos de prosseguir a trajetória do cumprimento dos nossos objetivos orçamentais contratados com a União Europeia. Portanto, nós temos de conseguir acomodar, da forma mais harmoniosa possível, estes diferentes objetivos e é esse exercício que está a ser feito e que chegará a bom porto.

Essa busca de harmonia pode obrigar a não devolver a sobretaxa de IRS por inteiro em janeiro?

Vamos ver o que é que diz a proposta e o que é que diz a votação final global. Há um compromisso – e eu orgulho-me muito de até agora termos conseguido cumprir todos os compromissos que assumimos. Tínhamos o compromisso de repor neste ano a totalidade dos vencimentos da função pública e os funcionários públicos, no dia 20 deste mês, vão começar, pela primeira vez desde há quatro anos, a receber por inteiro os seus vencimentos. Não foi tudo de uma vez, foi em quatro aumentos sucessivos ao longo do ano, mas chegamos ao fim deste ano com a promessa cumprida. A esmagadora maioria dos portugueses neste ano já não foi tributada com a sobretaxa do IRS. As pensões foram praticamente repostas, com a exceção da CES, que se manteve para as pensões mais altas. E assim… iremos cumprir, seguramente no próximo ano, o compromisso de eliminar a sobretaxa. Mesmo que esse compromisso não seja integralmente cumprido no dia 1 de janeiro.

“Temos boas razões para estar animados com a perspetiva de investimento” 

Estamos no final da visita, Já sei que faz um balanço positivo aqui pela China. Sentiu genuíno interesse das autoridades e das empresas chinesas em abraçar esta parceria?

Senti por parte das autoridades um genuíno interesse em manter um elevado nível de relacionamento político com Portugal. E a forma como, desde o Presidente da República ao primelro-ministro, nos receberam é um claro sinal disso mesmo. O facto de o primeiro-ministro ter estado pessoalmente no Fórum em Macau, para a cooperação com os países de língua oficial portuguesa, mostra bem a importância que atribuem a Macau nesta função de ponte com a lusofonia. E nos encontros que tive com os diferentes empresários, quer em Pequim quer em Xangai, senti que havia vontade de estabelecer um novo patamar de relacionamento. Isso já se concretizou, apesar de tudo, na abertura de uma nova ligação aérea, na assinatura de protocolos para a instalação de empresas chinesas na zona industrial e logística de Sines, na vontade que há de fazer um investimento grande em Sines, inserido no grande projeto que a China tem numa rota [marítima]. Acho que isso são sinais inequívocos de que há vontade de termos agora um novo patamar de relacionamento.

Interesses convergentes?

É a partir dessa convergência de interesses que podemos fazer projetos comuns.

Acredita que os acordos que foram assinados nesta viagem darão frutos a curto prazo? Ou seja, podem resultar em investimentos Já no próximo ano?

Alguns seguramente. Por exemplo, os que foram estabelecidos entre a EDP e a CTG, relativamente a investimentos no Brasil, claramente sim. A aquisição, por parte de uma instituição financeira chinesa, do Banif Investimentos, claro que sim. Outros são investimentos que são deitados à terra e que darão os seus frutos com o tempo.

Portugal precisava de que houvesse mais investimento no próximo ano…

Sim. E vai haver com certeza. Nós temos vindo a assistir a um aumento progressivo do investimento. No primeiro semestre deste ano, tivemos um aumento do investimento privado de 7,7% e as candidaturas a fundos comunitários por parte das empresas têm sido francamente positivas, quer na área da agricultura, quer na área de serviços, quer na área industrial. E, portanto, acho que as coisas estão a retomar normalmente, embora o investimento público esteja a acontecer necessariamente de uma forma mais lenta, porque a transição de fundos dos quadros comunitários foi efetivamente difícil. Mas acho que temos boas razões para estar animados com a perspetiva de investimento no futuro.

Preocupam-no eventuais faturas desta parceria, no futuro?

Não [risos]. Não vejo que faturas  existam, a não ser aquelas que são óbvias. Quem investe é para obter vantagens do seu investimento e quem recebe o investimento é para ver riqueia produzida e empregos criados. Acho que vai haver também uma atitude positiva, da parte das autoridades chinesas, quanto à abertura do mercado a produtos portugueses, nomeadamente produtos agrícolas. Hoje [ontem] estive aqui com o senhor governador da província e senti que havia disponibilidade para que produtos certificados em Macau tivessem maior facilidade de entrada na China continental. Acho que há um ambiente positivo e é preciso aproveitá-lo.

E há capacidade de resposta por parte das empresas portuguesas para exportar cada vez mais? 

Claramente! Nos últimos anos, por força da crise, os empresários portugueses revelaram uma capacidade notável de descobrir novos mercados.

Mas este é um mercado gigantesco.

Sim, mas nós temos de olhar para este mercado não para fornecer o conjunto do mercado chinês. Na generalidade das nossas produções não teríamos, obviamente, capacidade para isso. Temos de nos fixar e procurar saber quais são os nichos de mercado, os segmentos de mercado onde devemos concentrar o esforço das nossas exportações.

Disse-nos logo no início da sua visita que não era da sua competência, mas durante estes cinco dias foi dado algum passo que possa significar uma ajuda para a venda do Novo Banco? 

Bom, sei em concreto que durante estes cinco dias em que estive cá foi apresentada uma nova proposta de aquisição do Novo Banco por uma instituição financeira chinesa. Mas, como sabe, esse é um processo que decorre, neste momento, sob a alçada do Banco de Portugal, ao qual compete apreciar as diferentes propostas e que haverá de fazer uma proposta final ao governo. Portanto, o governo só se pronunciará depois de o senhor governador nos apresentar uma proposta. Agora, sei porque fui informado pelo investidor que tinham apresenta-do uma proposta para a aquisição do Novo Banco.