Gabriel Bastos no Podcast ‘Política com Palavra’: “Mantemos o objetivo de termos um salário mínimo de 750 euros”
Tem estado no centro do furacão. A Segurança Social, de um momento para o outro, teve de adaptar a sua organização a um momento histórico sem paralelo. E Gabriel Bastos, secretário de Estado da Segurança Social, sempre discretamente, esteve na primeira linha no apoio à ministra Ana Mendes Godinho. Esta foi uma conversa sobre estes dias que, aconteça o que acontecer, ficarão para sempre na nossa memória coletiva. Uma conversa que passou também pela polémica com o Presidente da República e a coligação negativa no Parlamento, sobre o compromisso reiterado de aumentar o salário mínimo até 750 euros no final da legislatura e a existência de pensões para as próximas gerações.
Luís Osório – Dedicou à Segurança Social os últimos vinte anos da sua vida. Um dos temas mais esotéricos, mas que mais tem impacto na vida das pessoas. Não é um paradoxo?
Gabriel Bastos– É verdade. Lida com a vida das pessoas e as suas necessidades, sobretudo em fases em que precisam de apoio e passam por necessidades, algo que pode acontecer a qualquer um de nós. É um parceiro para a vida, desde o nascimento, ou até antes disso e até à morte, até para lá da morte. E é um paradoxo por ter uma componente técnica de grande complexidade.
LO- Mergulhado em folhas excel não se tende a perder essa noção?
GB – Por detrás da secretária, a olhar para papéis, temos de ter noção que as medidas que desenhamos têm impacto na vida das pessoas.
LO- Esta é uma situação que não tem precedentes. Quando ouvimos falar sobre apoios extraordinários estamos a falar do quê?
GB – São apoios que foram dados à margem das prestações sociais e da gama de instrumentos que já existiam. Foram os apoios a famílias e empresas que não estavam contempladas antes.
LO – Muita gente não acreditava que fosse possível à Segurança Social dar a resposta que deu. Chegou a temer que pudesse correr mal?
GB – Nunca desacreditei porque conheço as características e a missão de serviço público das pessoas que fazem parte da estrutura. Estive, antes de assumir as funções governativas, no Instituto de Segurança Social e muito implicado no dia a dia e funcionamento dessa máquina. Reconheço que pudesse existir essa perceção, apesar da simplificação de procedimentos e digitalização que se levou a cabo nos últimos anos. Mas conseguimos demonstrar, com problemas e a necessidade de ir experimentando, a nossa capacidade para pôr no terreno as medidas extraordinárias que chegaram às pessoas.
LO – É um dos fatores para explicar que o PS continue em todas as sondagens quase no limiar da maioria absoluta?
GB – É um fator que contribui, apesar de todas as medidas restritivas que se tomaram com o objetivo de salvar vidas, para termos conseguido responder às dificuldades de muitas pessoas, o que me deixa orgulhoso.
“Os apoios chegaram a 2,8 milhões de pessoas, abrangeram cerca de 172 mil empresas e tiveram um impacto financeiro de 3,4 mil milhões de euros”
LO – Estamos a falar de quantas pessoas? Quantas passaram a ter apoio de um momento para o outro.
GB – É um tema decisivo. Os apoios chegaram a 2,8 milhões de pessoas, abrangeram cerca de 172 mil empresas e tiveram um impacto financeiro de 3,4 mil milhões de euros. O país precisava e julgo que há um reconhecimento da sociedade portuguesa de que houve necessidade de implementar medidas desta grandeza e sem precedentes. Um em cada dois trabalhadores independentes foi abrangido por apoios, um em cada quatro trabalhadores por conta de outrem foram apoiados.
LO – O que poderia ter acontecido se a Segurança Social tivesse falhado?
GB – Teria sido muito mais expressivo o desemprego e estudos recentes demonstram que o impacto teria sido impressionante. Fizemos o necessário para evitar uma situação de quase catástrofe.
LO – Pensou que pudesse ser travado o aumento do salário mínimo por constrangimentos económicos, mas o salário mínimo está agora em 665 euros. Está em causa o aumento do salário para 750 euros no final da legislatura?
GB – Não está em causa. Mantém-se o objetivo do governo de até 2023 termos um salário mínimo de 750 euros. Foi um compromisso do primeiro-ministro desde a tomada de posse. E a prova da nossa intenção é que não deixámos de aumentar o salário mínimo para os valores que o Luís referiu.
LO – Tendo em conta as dificuldades coloca-se a hipótese de baixar a Taxa Social Única das empresas?
GB – O aumento do salário mínimo quer temos previsto não será feito com uma baixa da TSU.
LO – Em nenhuma circunstância?
GB – Em nenhuma circunstância.
“A aprovação dos diplomas tem o risco de desvirtuar os apoios e de os tornar mais injustos”
LO – Não é um risco para o Partido Socialista enviar para fiscalização do Tribunal Constitucional três diplomas que têm como objetivo melhorar a vida das pessoas?
GB – É preciso evitar um equívoco que possa surgir. Estas medidas, e a aprovação dos diplomas pelo Parlamento, não representam medidas que alargam os apoios a mais pessoas. São medidas que incidem sobre apoios que o governo implementou desde o início da pandemia. Há sim uma alteração radical na filosofia do apoio, na forma como foi concebido e na sua configuração. Há um risco de desvirtuar esses apoios e de os tornar mais injustos.
LO – Como assim?
GB – Desliga-se o valor do apoio daquilo que era o esforço contributivo do beneficiário desses apoios. Tivemos esta semana uma audição parlamentar em que o tema foi discutido. Fiquei com a perceção de que não era a intenção do legislador, mas de facto o que traduz é um fator de injustiça porque o valor não depende do rendimento de quem contribuiu, mas da sua faturação.
LO – Estamos a falar dos trabalhadores independentes.
GB – Na forma de cálculo os trabalhadores independentes podem ser prejudicados. Com as alterações destas medidas agora aprovadas, pode significar que não tomando em consideração valores de 2020, tal conduziria a valores de apoio menores. É uma preocupação que temos e aprovaremos as adaptações para que as pessoas não sejam prejudicadas. Ainda esta semana aprovaremos essas alterações e adequaremos as alterações.
LO – Tem uma leitura política sobre esta coligação negativa no parlamento?
GB – Entendo a questão que me coloca, mas nas funções que desempenho não me compete a mim ter essa leitura.
LO – Marcelo Rebelo de Sousa foi seu professor na Faculdade de Direito?
GB – Infelizmente, não. Tive como regente da cadeira o professor Jorge Miranda, não fiquei mal servido.
LO – Imagine que o Professor Marcelo lhe colocava num teste uma questão parecida com esta. Um presidente da República, uma “lei travão”, um tribunal constitucional, uma coligação negativa. Que resposta o professor desejaria de um aluno?
GB – Existe o risco de abrir um precedente e a porta a uma prática de desvirtuamento do Orçamento de Estado. E existe aqui a dúvida séria acerca da constitucionalidade destas medidas, é perigoso que o Parlamento entre pela parte executiva que cabe exclusivamente ao governo. O primeiro-ministro já o referiu.
“Foi o governo do PS quem criou os apoios e é o governo do PS que a par e passo e das circunstâncias, continuará a salvaguardar o emprego e a proteção social das pessoas que precisam”
LO – Voltando à pergunta anterior, não está preocupado então com a leitura dos portugueses em relação a este tema?
– Não acho que exista esse risco. Temos procurado adaptar as medidas às necessidades das pessoas e das empresas. E voltaremos a fazê-lo agora. Ainda esta semana aprovaremos legislação no âmbito deste apoio para garantir que as quebras de rendimento sejam levadas em conta nestas alterações. Foi o governo do Partido Socialista quem criou os apoios e é o governo do PS que a par e passo e das circunstâncias, continuará a salvaguardar o emprego e a proteção social das pessoas que precisam.
LO – É uma pergunta que faço e julgo que é comum à maioria dos portugueses. O país aguenta um outro confinamento? Até quando é que o governo poderá continuar a apoiar nesta escala?
GB – Os recursos não são ilimitados, naturalmente. O governo tem procurado adotar uma politica cautelosa relativamente à gestão da pandemia para garantir que não haja uma propagação e um contágio que ponha em causa a capacidade do SNS. Temos conseguido fazê-lo. Ao mesmo tempo reagindo aos efeitos que as medidas têm ao nível económico e social. Agora com o processo de vacinação que tem corrido de forma positiva…
LO – Com momentos negativos.
GB – Com momentos de dificuldade, mas prevê-se ao longo dos próximos meses uma aceleração do processo de vacinação e esperamos todos poder evitar um novo confinamento. Mas como disse e muito bem a situação tem elementos de imprevisibilidade, basta olharmos para o que estão a viver alguns países.
LO – A pandemia trouxe uma nova forma de fazer política, de comunicar.
GB – Sem dúvida. Criação de uma proximidade na forma como se comunica, de uma simplicidade no modo como se fala às pessoas. Uma proximidade não só dos governantes, mas da máquina administrativa da função pública, temos procurado fazê-lo na segurança social. Há um reconhecimento que o Estado Social funcionou e serviu de escudos aos vários impactos.
“A questão da sustentabilidade da segurança social e dos sistemas de pensões está salvaguarda”
LO – Cresci na ideia de que quando chegasse a velho não teria uma pensão.
GB – A questão da sustentabilidade da segurança social e dos sistemas de pensões é um tema recorrente, mas hoje está salvaguarda. Temos de ir tomando as medidas e fazendo as reformas necessárias. Em 2007, o então ministro Vieira da Silva indexou a idade da reforma à esperança média de vida e isso foi determinante. É fundamental continuar a criar estabilizadores automáticos que salvaguardem o essencial.
LO – E o mundo está a mudar. Uma população envelhecida…
GB – E mudanças profundas no mundo do trabalho. A diversificação de fontes de rendimento deve estar sempre presente. O reforço da Segurança Social que não pode significar uma menor proteção social, as pensões têm de continuar a garantir na velhice níveis dignos para os pensionistas.
LO – O Estado Social é um tema que define ideologicamente uma ideia de esquerda?
GB – É uma área propensa a um confronto ideológico, mas em Portugal existe um consenso alargado em relação à manutenção de um Estado Social forte.
LO – Tendo em conta a coligação no Parlamento parece-me que tem razão.
GB – Não deixa de ser um reconhecimento que o Estado Social deve ser forte e estar ao lado das pessoas.
“Qualquer governante é um ser humano como os outros, o erro está sempre presente. Aquilo que procuro fazer é aprender com os erros e tentar melhorar”
LO – Assume algum erro que tenha cometido nestes últimos dois anos?
GB – Qualquer governante é um ser humano como os outros, o erro está sempre presente. Aquilo que procuro fazer é aprender com os erros e tentar melhorar. E temos tido a humildade para corrigir trajetórias e calibrar medidas quando isso é necessário. As medidas que temos tomado não eram as medidas que tomámos no início da pandemia, por exemplo.
LO – Ser secretário de Estado da Segurança Social neste tempo histórico é algo que lhe ficará para sempre.
GB – Certamente que não me será possível esquecer. Tem sido uma experiência com enorme intensidade e um grau de exigência enorme de todos, mas um motivo de grande orgulho, um privilégio poder participar e dar o meu contributo para ajudar a aliviar os impactos de uma pandemia como esta. E temos conseguido em boa parte responder a esse desafio e estar à altura.
LO – Chefiou o gabinete de Vieira da Silva entre 2005 e 2007. Fala normalmente com ele?
GB – Não tanto como gostaria.
LO – Vieira da Silva não é o tipo de pessoa que tem dificuldade em desligar-se da ação política.
GB – Estive no almoço de despedida do Dr. Vieira da Silva e no seu discurso exprimiu a ideia de não querer estar no banco de trás a dar orientações a quem tivesse a responsabilidade de estar ao volante. Nunca irá recusar um conselho que lhe seja pedido, mas nunca teve a tentação de telefonar e transmitir orientações.
LO – É mais ou menos consensual que é um dos delfins de Vieira da Silva.
GB – Aprendi muito com ele, tive essa felicidade. Alguns dos ensinamentos ficaram comigo.
LO – Diga-me um político socialista que admire particularmente.
GB – António Guterres, pelo seu perfil e humanismo. E se escolhesse alguém que me tenha marcado pessoalmente diria que o Dr. Ferro Rodrigues. Uma pessoa com grande dimensão política e humana.
LO – E um político não socialista português?
GB – Uma figura como Sá Carneiro é um referencial para todos. Internacionalmente identifico Barack Obama que tem as características humanas e de humildade que aprecio, é alguém que me inspira bastante.
LO – Vê-se como um político?
GB – Não me vejo como político embora esteja em funções políticas. Funções que vão ao encontro de uma ideia de dedicação à causa pública e da procura e resolução dos problemas da sociedade portuguesa.