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Eleições Europeias: o PSD e os seus dois manifestos

Eleições Europeias: o PSD e os seus dois manifestos

Enquanto o Partido Socialista apresenta nestas eleições europeias um manifesto próprio inteiramente coerente com o manifesto do Partido Socialista Europeu - dando assim garantias de que o que aqui diz aos portugueses é para ser levado a sério - é enorme a diferença entre o manifesto eleitoral propagandeado pelo PSD e o manifesto apresentado pelo Partido Popular Europeu, de que o PSD faz parte.

Opinião de:

Eleições Europeias: o PSD e os seus dois manifestos

É claro que os manifestos dos partidos nacionais não têm de ser cópias dos manifestos dos partidos europeus, mas quando o desvio é colossal, como é o caso, das duas uma: ou o PSD assume as suas divergências de fundo com o PPE e reconhece com isso a sua total incapacidade para influenciar a orientação da sua própria família política europeia ou temos de concluir que o manifesto apresentado em Portugal é apenas para consumo interno eleitoral e que no Parlamento Europeu a cartilha a seguir será radicalmente diferente da aqui anunciada para tentar caçar votos.

Ciente do problema, o próprio PSD tratou de esclarecer o assunto logo na introdução do seu Manifesto “Mais Portugal, Melhor Europa”: “O PSD identifica-se com o manifesto e o programa adoptado pela sua família política europeia, o PPE. Mas o PSD não se exime a ter uma posição própria (em certos casos, dissonante)”.

Ora, interessa então verificar que “dissonâncias” são essas e se é verdade que elas ocorrem apenas “em certos casos”.

Ao longo do seu Manifesto, o PSD identifica uma única dessas “dissonâncias”: o PPE propõe o fim da regra da unanimidade na política externa, o PSD assume ser contra. A verdade, porém, é que as diferenças não ficam por aqui. Pelo contrário, são muitas e decisivas, revelando uma contradição insanável entre o que o PSD anuncia aqui aos eleitores e a proposta política do grupo político que o PSD integra e se propõe reforçar no Parlamento Europeu.

Cinco exemplos bastam para expor a evidência dessas contradições.

Em primeiro lugar, nota-se um total desencontro nas prioridades políticas anunciadas: o PSD começa o seu Manifesto dizendo querer “Uma Europa Solidária”, com coesão social, económica e territorial; o PPE, pelo contrário, omite no seu Manifesto qualquer prioridade aos objetivos da coesão social e da convergência, antes anuncia como primeira prioridade “Uma Europa que protege os seus cidadãos” e que defenda as fronteiras da Europa “contra a imigração ilegal”. Por isso, a primeiríssima proposta do Manifesto do PPE é uma Guarda Costeira Europeia com “direito de intervenção direta” (!) nas fronteiras externas comuns dos países europeus, reforçada com dez mil novos polícias e equipada com drones, devidamente complementada por polícias à paisana “em todas as fronteiras internas” para fiscalizar veículos e passageiros suspeitos. O contraste é óbvio – e não podia ser maior.

Em segundo lugar, o PSD escreve no seu Manifesto que é “fundamental” promover a implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais; já o Manifesto do PPE pura e simplesmente omite esse assunto tão “fundamental”, revelando a total falta de vontade política da Direita em seguir nessa direção.

Em terceiro lugar, no seu Manifesto o PSD diz aos portugueses “não aceitar os cortes na política de coesão e de agricultura”, assumindo até o “compromisso de os evitar a todo o custo”; já o Manifesto do PPE, pelo contrário, não diz nem uma palavra contra os cortes.

Em quarto lugar, o Manifesto do PSD considera “prioritária” a consolidação da União Económica e Monetária, apoia a criação de uma capacidade orçamental para a zona euro, defende um sistema de seguro-desemprego da União Europeia e preconiza a criação de um Programa de Apoio às Reformas; nenhuma, absolutamente nenhuma destas propostas consta do Manifesto do PPE, que não dedica sequer uma linha à reforma do Euro (salvo uma referência sumária à ideia de transformar o Mecanismo Europeu de Estabilidade num verdadeiro Fundo Monetário Europeu, conceito, aliás, já abandonado no seguimento do relatório que apresentei no Parlamento Europeu sobre esta matéria e que foi aprovado por larga maioria, com o voto favorável do próprio PPE).

Em quinto lugar, o PSD considera “urgente” e “inadiável” a conclusão da União Bancária, com o estabelecimento do Fundo Europeu de Resolução e com a criação de um Sistema Europeu de Seguro de Depósitos; o Manifesto do PPE, contudo, não só resume a conclusão da União Bancária à criação do Sistema Europeu de Seguro de Depósitos, como, em vez de o considerar “inadiável”, defende que a sua criação só aconteça depois de uma “significativa” redução de riscos no sistema bancário europeu.

Como facilmente se compreende, estas divergências estão longe de ser meras “dissonâncias pontuais”, antes são contradições insanáveis que respeitam ao coração das propostas políticas apresentadas aos eleitores: uma Europa solidária, que valoriza o Pilar Europeu dos Direitos Sociais e recusa cortes financeiros na política de coesão e agricultura, como diz o Manifesto do PSD; ou uma Europa securitária, que desiste da convergência e da coesão social, como preconiza o Manifesto do PPE, de que o PSD faz parte; uma agenda ambiciosa para a reforma do Euro e para a conclusão urgente e inadiável da União Bancária, como proclama aqui o PSD, ou agenda nenhuma e ambição nenhuma, nem para o Euro nem para a União Bancária, como resulta do Manifesto do PPE.

Sendo feio duvidar da palavra dos outros, temos que ter por bom o esclarecimento que o próprio PSD entendeu dar: “o PSD identifica-se com o Manifesto e o programa adoptado pela sua família política europeia, o PPE”. Assim, e porque não se pode propor tudo e o seu contrário, a conclusão só pode ser uma: o que está no Manifesto do PSD não é para levar a sério.