home

É preciso parar com este ataque à procura interna

É preciso parar com este ataque à procura interna

Entrevista ao vice-presidente da bancada do PS, Pedro Marques, ao Jornal de Negócios.

Ao cortar a fundo nas pensões e salários, o Governo faz um novo rombo nos rendimentos das famílias e nas expectativas dos agentes económicos. Isso prolongará a recessão, que vai, uma vez mais, deitar para o lixo o esforço exigido aos portugueses.

Pedro Marques fez mais perguntas do que o entrevistado. Não porque quisesse trocar de papéis, mas porque usa a pergunta como instrumento retórico para desmontar a argumentação do Governo e mostrar a sua incredulidade. Sempre muito enfático no tom, recorrendo amiúde ao passado para pôr a nu a inconsistência do Governo, é um deputado alarmado que se ouve. Garante que gostava mesmo que a economia crescesse. Mas não vai crescer, sentencia. E que gostava de acreditar que este Governo ainda poderia operar uma mudança de fundo na política da austeridade cega. Mas não consegue. No fundo, com este orçamento, nem a economia cresce, nem as contas ajustam. É o mesmo erro, pela terceira vez.  
 
– Como caracterizaria esta proposta de Orçamento do Estado de forma muito sucinta?  
 
– Em poucas palavras, o mais grave deste orçamento é o prolongar do erro. Dois anos a cortar salários e pensões e a aumentar impostos e agora o que temos? Isto não correu bem, quaisquer que sejam os indicadores que usemos – o desemprego, a dívida pública ou o défice, mesmo as variáveis que seriam a pedra de toque desta política orçamental – elas correram mal. E agora, insistimos no mesmo. Mais de 80% da austeridade de 2012 foi perdida para a recessão que provocou; a austeridade de 2013 foi toda perdida para a recessão.  
 
– Mas sem essa austeridade, o défice em 2013 se calhar ter-se-ia agravado…  
 
– O que sei é que com austeridade adicional o défice ficou na mesma.  
 
– E esse argumento é válido para 2014?  
 
– O que temos outra vez é um aumento de impostos, mas de classe. Cortar retroativamente salários e pensões é um imposto de classe. Aliás, o Presidente já classificou o corte retroativo de pensões como “aumento de impostos”.  
 
– Sabendo que o Governo tentou negociar um défice mais alto e que a troika não mostrou qualquer margem, o que é que seria possível fazer?  
 
– Essa é uma questão que eu percebo que se coloque. Este governo, depois do episódio da TSU, não voltou a ser o mesmo. Passou a ser um governo fraturado, com falta de coesão interna e com a crise política de verão, isso torna-se assolador.  
 
– Mas aqui estamos a falar de como o Governo é visto aos olhos dos credores?  
 
– Certo, mas como é que os credores olharam para a situação política portuguesa a partir do verão? Veja o que aconteceu à trajetória das taxas de juro que era o grande ativo invocado pelo Governo. O que disse a Comissão Europeia na altura? Eu julgo que houve um elemento de desconfiança profunda que é introduzida em relação ao governo no momento da crise política.  
 
– Insisto na pergunta: perante a intransigência da troika de credores, o que podia fazer o governo?  
 
– Este governo já não consegue… Paulo portas esteve na comissão de acompanhamento do memorando antes do início da oitava e nona avaliações e, nessa altura foi muito evidente, numa reunião em que também estava a ministra das Finanças, que o governo nem sequer se apresentou coeso junto da troika em relação ao objetivo do défice. O vice-primeiro disse que iríamos pedir os 4,5%, a ministra disse que iríamos ver se era preciso e o primeiro-ministro disse, no primeiro dia, que iríamos ver se era necessário. Como é que se pode ser credível numa negociação se não se apresenta coeso? O Governo está esgotado na sua capacidade de provocar uma mudança de política. E digo-lhe isto sem satisfação, acredite. O problema disto é a agonia das pessoas. É mesmo dor sem ajustamento. E se isto não muda, vamos continuar com dor sem ajustamento.  
 
– Portanto, a este governo já não é exigível muito mais. Só muda com eleições?  
 
– É difícil ser de outra forma.  
 
– Há o argumento de que este orçamento vai, por fim, pelo corte na despesa.  
 
– É um aumento de impostos de classe, desde logo. Agora há um corte na despesa? E o que tentaram em 2012? Também foi por aqui, qual é a diferença do corte de dois subsídios em 2012? Para já foi chumbado.  
 
– A grande esperança do Governo é que a economia cresça em 2014, o que daria um contributo decisivo para a redução do défice.  
 
– A grande recuperação [prevista no cenário macro] é posta do lado da procura interna, com uma estabilização do consumo nomeadamente. Como é possível? O investimento continua a cair de orçamento em orçamento, mesmo com o famoso supercrédito fiscal que não teve nada de super. E o Governo subitamente acha que, cortando quase dois mil milhões em salários e pensões, as pessoas vão recuperar o consumo. Qual é a credibilidade de um cenário desses?  
 
– Se a economia crescer efetivamente em 2014, até que ponto é que isso não é um problema para o discurso do PS?  
 
– Tomara eu que a economia crescesse. É muito pouco plausível que isso aconteça. Não vejo que isso possa acontecer porque agora vai carregar com mais quatro mil milhões de euros de austeridade numa economia que já está no limbo.  
 
– Resumindo, para si, este orçamento não é remendável.  
 
– Exatamente.  
 
– Se o Governo tiver de pedir um segundo resgate, isso será cobrado pelo PS. Se houver um programa cautelar, o que é mais provável neste momento, qual é a leitura do PS?  
 
– Primeiro, temos de perceber o que é o programa cautelar e quais são as condicionalidades que lhes estão associados.  
 
– No geral, já sabemos mais ou menos quais são.  
 
– Vamos lá ver se sabemos. O que vamos saber de acordo com os documentos europeus disponíveis é que as três hipóteses iniciais já se transformaram em duas. Há uma espécie de um seguro de crédito e há o programa cautelar que tem um empréstimo de dinheiro efetivo, até 10% do PIB, com condicionalidade económica. Nós não sabemos que caminho Portugal vai seguir. Se Portugal não tiver o mecanismo do seguro, então tem um governo que prometeu implementar um programa de ajustamento e tirar de cá a troika e o que faz, a seguir a um programa de ajustamento, é aprovar um novo programa, com condicionalidade económica, empréstimo da troika. Mudam-lhe o nome e acham que resolvem o problema. É manifesto que isso seria um falhanço.  
 
– Mas tendo em conta o pacto orçamental, que conduz a uma redução permanente do défice estrutural, não há grande margem.  
 
– Contesto isso. Estive muito envolvido enquanto deputado na transposição do tratado para a lei de enquadramento orçamental. Se reparar quer na LEO, quer nos documentos do tratado orçamental e do six pack europeu, o que lá está é que tanto a redução do lado do défice como da dívida deve ter em conta o ciclo económico. Parece um segredo bem guardado, mas está escrito na lei. Pode diminuir a intensidade dessa trajetória em função da economia. O Governo usa pouco os instrumentos legais europeus e transpostos para a legislação nacional nas negociações europeias. É a tal lógica do mais troikista do que a troika.  
 
– Assumindo que vamos ter um novo memorando para o programa cautelar, que condições é que o PS poria?  
 
– Essa questão é prematura. Estamos aqui para falar do orçamento. Há uma base clara para a nossa abordagem para a situação em que estamos: a não adoção de novas medidas recessivas; e apostar no lado económico.  
 
– Como é que interpreta estes insistentes apelos do PR para que haja um consenso que envolva o PS?  
 
– Sobre consensos, há uma esquizofrenia, veja o que aconteceu há dias na discussão do OE na generalidade. A maioria passou o dia inteiro a pedir o nosso consenso, venham aos nossos braços. No momento em que o SG usou da palavra para apresentar propostas para a economia, Estado social, dívida das empresas, o que é que faz o líder parlamentar da maioria? Apouca as propostas, desvirtua-as e põe abancada aos urros porque no fundo já malharam no PS. É uma construção cénica da maioria que está em grande fragilidade, parecer que passa o tempo a chamar o PS para o consenso porque sabem que as pessoas não situação difícil em que estão querem que os políticos se entendam. Mas o consenso deles é pôr o PS a aderir às políticas da maioria. O Presidente pode falar nisso, não é por dizerem 30 vezes consenso que o PS no final diz que alinha nas políticas da maioria Realmente achamos que não é do interesse nacional construir um consenso em tomo desta política.