Para além do valor simbólico da efeméride e dos inevitáveis eventos comemorativos, aproveite-se para uma reflexão séria sobre o potencial cultural, político e económico de uma língua que conta mais de 260 milhões de falantes de oito países, espalhados por quatro continentes, tendo em conta que, na matriz do idioma comum, cada um dos oito povos da CPLP vai gravando o seu devir histórico e traçando o seu destino, na certeza de que não existem culturas melhores ou piores, mas apenas diferentes, e que essas diferenças constituem inapreciáveis fatores de enriquecimento para todos. E aproveite-se para se concertar uma estratégia de promoção internacional do idioma que é tanto de Camões como de Guimarães Rosa, de Pepetela e Craveirinha, de Baltazar Lopes como de Alda Espírito Santo e Xanana Gusmão.
A nível interno, a desejável reflexão deve partir de um disgnóstico dos pontos fortes, que são muitos, mas sem ignorar algumas fragilidades, como o défice de leitura, que a todos deve preocupar. E, quando digo todos, quero significar toda a sociedade, pais, professores, escritores, comunicação social, políticos, governantes…, ninguém deve ficar fora de tamanha responsabilidade.
Há umas semanas, como aqui foi noticiado, o PS promoveu um interessante debate com os escritores Lídia Jorge e António Carlos Cortez sobre “a leitura hoje: para além do feitiço dos ecrãs”. O sugestivo tema não ilude a realidade. Hoje, os nossos jovens estão demasiadas horas presos aos diferentes ecrãs e muito alheados dos livros. Substituíram a palavra pela imagem, esquecendo-se eles (e nós sociedade) de que, se a imagem pode em certos casos valer mil palavras, sem palavras não há pensamento nem conhecimento. Não quero ser alarmista, mas, segundo Christophe Clavé, o QI da população mundial, que sempre aumentou deste o pós-guerra, diminuiu nos últimos vinte anos, ou seja, neste século, o que estará relacionado com o empobrecimento da linguagem. Daí o apelo do insigne professor: “Façamos com que os nossos filhos, os nossos alunos falem, leiam e escrevam. Mesmo que pareça complicado. Por que nesse esforço existe liberdade”.
Também Eduardo Lourenço, que se referia aos livros como filhos, dizia que “estar-se sem livros é já ter morrido”. Ele, que não conseguia imaginar o mundo sem livros em papel – uma espécie de “tábuas privadas das nossas leis” –, também dizia que faltará alguma coisa quando a nossa relação com os livros for puramente eletrónica.
Por tudo isto, saúdo as declarações e preocupações do secretário de Estado Adjunto e da Educação, João Costa, identificando o problema e apresentando ideias e projetos para o mitigar. A começar pela recuperação de aprendizagens, designadamente, “recuperação de hábitos de leitura e de capacidades de leitura”. Em tempos de proliferação de conteúdos falsos, o papel da escola é ainda mais determinante na formação de cidadãos esclarecidos e livres. A “escola é cada vez mais um lugar de validação e fiabilidade do conhecimento científico”, afirma João Costa, distinguindo a educação literária da leitura de prazer, dimensões necessárias e complementares, que devem ser consideradas na anunciada reformulação do Plano Nacional de Leitura.
Termino com uma pergunta que é também um desafio: qual o contributo que cada um de nós pode dar para que os nossos jovens leiam mais?