Costa aponta matérias sociais como base para novos acordos de Governo à esquerda
Em entrevista à agência Lusa, António Costa afasta no entanto a possibilidade de exigir a inclusão de matérias que dividem o PS dos partidos à sua esquerda em futuros acordos de Governo, como as questões europeias e de defesa nacional.
“Só se não tivesse vontade de chegar a um entendimento com os outros é que punha como condição haver acordo sobre matérias em que, à partida, já sabemos que não vai haver acordo”, alega.
Quanto à renovação ou não da atual solução inédita de Governo com o Bloco de Esquerda, PCP e PEV, o primeiro-ministro afirma querer “dar continuidade a uma formação política que surpreendeu muita gente há três anos, mas que hoje já entrou na normalidade do quotidiano de todos”.
“Da minha parte, de facto, não faço depender da existência de maioria ou ausência de maioria a manutenção destas posições conjuntas com o PEV, PCP e Bloco de Esquerda – assim haja temas sobre os quais possamos voltar a convergir na próxima legislatura. Espero que haja, porque seguramente há muito trabalho a continuar”, defende.
Segundo o primeiro-ministro, “há muito emprego ainda a criar, o país ainda tem muitas desigualdades para combater, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) ainda precisa de muitas melhorias e o sistema educativo precisa ainda de muitas melhorias”.
“Há muito a fazer para reduzir as desigualdades e para erradicar a pobreza, há muito a fazer para o desenvolvimento e para reforçar a coesão territorial com o interior. Portanto, não faltam temas para continuarmos a trabalhar em conjunto – e assim espero. Só desejo que os outros também assim o desejem continuar a fazer”, salienta.
Questionado como encara a mensagem do Bloco de Esquerda de que está pronto para integrar o Governo, António Costa argumenta que “as relações entre os partidos são como as relações entre as pessoas”, citando mesmo a este propósito um princípio que tem sido preconizado pelo PCP.
“O PCP tem, aliás, uma boa frase sobre isso: O grau de compromisso depende do grau de convergência. Se nós estivéssemos 100% de acordo, bom, provavelmente até fundíamos os partidos. Se temos partidos diferentes é porque não estamos 100% de acordo. Se o nível de divergência for significativo, como é, eu creio que não seria o melhor caminho”, afirma ainda em resposta à questão sobre a integração de bloquistas no futuro executivo.
Em conclusão, António Costa entende que “é melhor uma boa amizade do que uma má relação” entre o PS com o Bloco de Esquerda, PCP e PEV.
“Portanto, acho que devemos preservar uma boa relação, sem prejuízo de que, como em todas as relações, possa haver evoluções. Agora, acho que não faz sentido começar a discussão se há ou não há um Governo conjunto antes de se saber sequer se há ou não há uma posição conjunta”, argumenta.
Interrogado se o Governo, no plano político, deu prioridade ao PCP e tentou secundarizar o Bloco de Esquerda nas negociações do Orçamento do Estado para 2019, o primeiro-ministro recusa, contrapondo a ideia de que a relação do executivo “é franca e leal com todos os parceiros”.
“Enfim, varia muito de ano para ano qual dos partidos consegue comunicar melhor, entre aspas, os seus ganhos negociais. Houve uns anos em que as pessoas diziam que os grandes ganhos eram do Bloco de Esquerda, outros em que diziam que os grandes ganhos eram do PCP. Por mim, registo simplesmente que os grandes ganhos têm sido da economia nacional e dos portugueses, que são quem tem beneficiado desta política económica conduzida pelo Governo do PS com o apoio parlamentar do Bloco de Esquerda, do PCP e do PEV”, advoga.
Ainda sobre o atual estado das relações entre os partidos que fazem parte da atual maioria parlamentar, designadamente sobre a linha de orientação política que saiu da Convenção do Bloco de Esquerda no sentido de se lutar contra a possibilidade de maioria absoluta do PS, António Costa critica e diz ter “pena que Catarina Martins” tenha caracterizado a história desta legislatura como a história da “luta da esquerda contra o PS e que saia da Convenção estabelecendo como principal objetivo enfraquecer o resultado eleitoral do PS”.
“O PS apresenta-se às eleições não concorrendo contra ninguém, mas apresentando aquilo que considera melhor para Portugal e para os portugueses. Achamos que a forma inteligente de construir boas soluções políticas não é estar a cavar linhas de combate com os nossos parceiros parlamentares, mas continuar a assegurar que há uma boa alternativa à direita que oferece ao país crescimento económico, mais e melhor emprego, menor desigualdade, contas certas e credibilidade internacional reposta”, completa.
António Costa manifesta mesmo a sua esperança de que Bloco de Esquerda, PCP e PEV “não vivam obcecados com os resultados eleitorais do PS”.
“Nós também não vivemos obcecados com os resultados eleitorais que eles vão ter”, defende.
Questionado se aceita que o presidente do PSD, Rui Rio, tem assumido um estilo de oposição moderado em relação ao Governo e sobretudo em relação a si enquanto primeiro-ministro, António Costa comenta apenas que o líder social-democrata “tem feito a oposição que entende fazer”.
A seguir, deixa uma crítica ao estilo de oposição antes protagonizado por Pedro Passos Coelho.
“Não é normal na vida política acontecer o que acontecia com a anterior liderança do PSD, que era existir um grau de conflitualidade exacerbado que, objetivamente, era muito penalizador do funcionamento da democracia”, sustenta.
Interrogado sobre como reage quando escuta a tese de que Rui Rio pretende no fundo ser seu vice-primeiro-ministro num futuro Governo, António Costa responde: “Eu ouvir, ouvi, mas não sei bem de onde é que vem essa ideia, visto que eu próprio já explicitei várias vezes que considero a existência de blocos centrais, salvo em situação de calamidade extrema, negativa para a democracia”.
“Da parte do doutor Rui Rio, por acaso, tenho ouvido exatamente o mesmo, que é entender que o Bloco Central é uma forma anómala em democracia de governação, salvo em situação extrema”, observa.
Sobre a hipótese de contar novamente num novo Governo socialista com Augusto Santos Silva como ministro dos Negócios Estrangeiros e Mário Centeno na pasta das Finanças, ou se prefere um dos dois para futuro comissário europeu, o primeiro-ministro recusa-se a esclarecer, argumentando que especular sobre o futuro executivo seria “um desrespeito”, já que estaria a antecipar soluções governativas que dependem do voto dos portugueses.
“A campanha eleitoral será no seu momento próprio. Temos ainda muito trabalho para fazer antes de estarmos em campanha eleitoral e antes de termos de aguardar pelo resultado eleitoral para tratar da composição do novo Governo”, acrescenta.
Sobre uma eventual recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro-ministro afirma que acredita sempre no Presidente da República. “Quando ele diz que não tem uma posição tomada, eu só posso acreditar que ele não tem uma decisão tomada”, declara.
Entendimento contra o Governo sobre professores “não é sério”
O primeiro-ministro considera que “não é sério” um entendimento PSD/CDS-PP com Bloco e PCP para contabilizar todo o tempo de serviço congelado aos professores e afirma compreender a ansiedade dos enfermeiros após “anos de sede”.
Palavras proferidas por António Costa em entrevista à agência Lusa sobre os três primeiros anos do seu Governo, que se completam na próxima segunda-feira, depois de confrontado com a contestação dos professores e dos enfermeiros à política seguida pelo executivo minoritário socialista.
Interrogado sobre um eventual acordo parlamentar envolvendo PSD, CDS-PP, Bloco de Esquerda, PCP e PEV para se contabilizar todo o tempo de serviço antes congelado aos professores, o primeiro-ministro declara que “esse entendimento não é sério”.
“PSD e CDS votaram, ano após ano, o congelamento da carreira dos professores, dizendo expressamente que esses anos de congelamento não contariam como anos de serviço, enquanto este Governo comprometeu-se a descongelar, e descongelou. Já foram neste momento descongeladas as carreiras de 32 mil professores, até ao final deste mês mais 12 mil professores verão a sua carreira descongelada e no próximo ano serão mais 19 mil. Até 2020, não haverá nenhum professor que não tenha tido uma progressão na sua carreira”, defende.
Em suma, de acordo com o primeiro-ministro, no caso da carreira dos professores, “onde PSD e CDS congelaram”, o seu Governo “descongelou”.
“Descongelar significa que, onde o cronómetro tinha parado, foi reposto a funcionar. Foi isto que nos tínhamos comprometido a fazer, e fizemos”, acentua.
No que respeita ao processo negocial entre Governo e sindicatos, o primeiro-ministro queixa-se que o seu Governo encontrou sempre “uma barreira inamovível” em torno da exigência dos nove anos, quatro meses e dois dias.
“Perante a absoluta intransigência sindical, nós passámos a lei aquilo que era a nossa proposta de contabilizar dois anos, nove meses e 18 dias. Não é um número que tenha caído do ar, tem um critério. Tal com aconteceu com os outros funcionários que não tinham sido sujeitos a avaliação, em que foram tidos em conta 70% dos respetivos módulos de progressão, o que fizemos no caso dos professores foi aplicar a mesma regra. E como os módulos de progressão dos professores são, em regra, quatro anos, aplicámos os 70%. É isso que dá os dois anos, nove meses e 18 dias”, justifica.
Se fosse contabilizado todo o tempo de carreira antes congelado aos professores, António Costa estima que o impacto global financeiro seria na ordem dos 600 milhões de euros.
“Esses 600 milhões de euros não existem no Orçamento. Nem vi ninguém até agora dizer onde é que cortamos para compensar esses 600 milhões de euros, ou onde é que vão buscar receita para pagar esses 600 milhões de euros. Portanto, propor é fácil. Agora, o que é preciso é resolver”, alega.
Em todo o caso, o líder do executivo adverte que aquilo que seria pior para os professores era o seu Governo “não ter transformado em lei aquilo que foi a proposta negocial apresentada e recusada pelos sindicatos”.
“Pode dizer-se muita coisa deste Governo, mas o que não se pode dizer, seguramente, é que tratou mal a administração pública. Relativamente aos professores, repusemos a recontagem, fizemos o descongelamento, o cronómetro voltou a contar. Agora não nos peçam para refazer todos os males da história, porque nós não podemos reconstruir a história”, argumenta.
Questionado se poderá haver recurso do Governo à lei travão caso o parlamento, por conjugação de votos à direita e à esquerda do PS, aprove um diploma com forte impacto orçamental, o primeiro-ministro responde: “Não tenho de [a] usar, a ‘lei travão’ está na Constituição”.
“O Governo aprovou um decreto-lei em Conselho de Ministros, esse decreto está em audição estatutária às regiões autónomas, depois terá de ser apreciado pelo senhor Presidente da República, que decidirá se promulga o diploma, se veta o diploma, ou se suscita a inconstitucionalidade do diploma. E não vou estar aqui a antecipar as decisões do senhor Presidente da República, cujo exercício de competências nós respeitamos escrupulosamente”, salienta o primeiro-ministro.
Interrogado sobre a contestação generalizada no setor da saúde e o facto de estar prevista para breve uma greve dos enfermeiros, António Costa começou por apontar que o seu Governo assegurou aos enfermeiros “a redução do horário para as 35 horas”.
“Para os enfermeiros com contrato individual de trabalho que já tinham sido contratados com 40 horas, alargámos também o horário das 35 horas. Repusemos por inteiro o pagamento das horas de qualidade e do trabalho extraordinário. Estamos a pagar um subsídio aos enfermeiros especialistas. Portanto, temos vindo a procurar responder às necessidades”, sustenta.
No entanto, segundo o primeiro-ministro, os diferentes profissionais “têm de compreender que o sentido da ação deste Governo foi, por um lado, repor aquilo que tinha sido cortado, assegurar as melhorias possíveis, mas sem comprometer um objetivo fundamental que é manter contas certas”.
“Isso é essencial para manter a credibilidade externa do país e para que o país continue a poupar 1400 milhões de euros por ano no serviço da dívida. Temos de ir prosseguindo essa trajetória, mas sem nunca darmos um passo maior do que a perna. Porque há algo que nem os portugueses nem nenhum desses profissionais nos perdoaria é se o país voltasse a ter de cortar aquilo que agora se repôs”, avisa.
Ainda sobre a contestação dos profissionais de saúde, António Costa cita a letra de uma canção de Sérgio Godinho: ‘a sede de uma espera só se estanca na torrente’.
“Acho que o país vive um bocado essa situação. Foram muitos anos de sede e, portanto, de repente, toda a gente quer tudo e já. Compreendo a ansiedade dos diferentes profissionais, mas aquilo que me compete fazer é assegurar aquilo que é necessário para o país e para o conjunto dos portugueses, que é continuar a investir na qualidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), continuar a investir na qualidade do sistema educativo, continuar uma trajetória de crescimento económico, de criação de emprego e manutenção de contas certas”, insistiu.
Bem-estar animal consta do Programa do Governo
O primeiro-ministro assume divergência no PS sobre o IVA da tauromaquia, elogia a solução de liberdade de voto na bancada socialista mas salienta que a proteção do bem-estar animal está no Programa do Governo.
“O PS é um partido de liberdade, onde cada um pensa pela sua cabeça. E, portanto, ninguém deve ficar surpreendido pelo facto de numa questão concreta, e pela primeira vez, aliás, em três anos, ter havido uma divergência entre a bancada socialista e o Governo. Considero que a questão foi inteligentemente resolvida pelo líder parlamentar, [Carlos César], porque em vez de se socorrer da disciplina de voto, obrigando todos os deputados a votarem a proposta da direção da bancada, entendeu dar liberdade para poderem votar na proposta do Governo. Espero que a proposta do Governo [de manter o IVA da tauromaquia nos 13%], que me parece boa, seja aprovada na Assembleia da República”, declara.
Nesta entrevista à agência Lusa, a propósito da polémica decisão do Grupo Parlamentar do PS de contrariar o seu executivo ao apresentar uma proposta para reduzir o IVA das touradas de 13 para 6%, António Costa frisa ainda que o ponto sobre o bem-estar animal foi incluído no programa do atual Governo no final de 2015.
Nesse discurso em que apresentou o programa do seu Governo no parlamento, em 02 de dezembro de 2015, o primeiro-ministro afirmou o seguinte:
“Quero deixar claro que ao derrubar este muro velho de 40 anos, não abrimos uma trincheira de confrontação que exclua do diálogo democrático as restantes bancadas parlamentares, como bem prova a inclusão no Programa do Governo de contributos do PAN, com quem contamos para aprofundar o debate civilizacional sobre o bem-estar animal”, salientou nesse discurso.
Questionado se a realização de touradas é para o seu Governo uma questão de civilização, António Costa refere que, numa recente carta aberta que escreveu ao dirigente histórico socialista Manuel Alegre, procura explicar o sentido dessa frase.
“Eu não acredito em guerras de civilizações. Acredito em diálogo de civilizações. As civilizações distinguem-se por diferentes elementos, mas também se distinguem pela forma como se encara o bem-estar animal. Por mero acaso, noutro dia reli o discurso que fiz na apresentação do Programa do Governo, há três anos, e dou, aliás, como exemplo de uma evolução civilizacional a nova forma como a sociedade valoriza o bem-estar animal”, assinala.
Confrontado com o facto de vários deputados socialistas considerarem que um certo tipo de causas identitárias ou de homogeneização cultural serem mais próprias de partidos como o Bloco de Esquerda ou o PAN e menos de um partido de Governo como o PS, António Costa diz que respeita a opinião de todos, mas recusa que na questão das touradas esteja em causa uma qualquer tentativa de homogeneização cultural.
“Ninguém propôs sequer aqui a proibição das touradas, ou sequer um referendo sobre o tema da proibição das touradas. Estamos aqui simplesmente a discutir se às touradas deve ser aplicado um benefício fiscal que é introduzido neste Orçamento para a dança, para a música, para o teatro, para o circo, para um conjunto de manifestações culturais. O que estamos a discutir é isso”, alega.
Na perspetiva do primeiro-ministro, a melhor solução é dar liberdade a cada um dos municípios para, como fez, por exemplo, o município de Viana do Castelo, num sentido, ou que fazem os municípios do Alentejo ou do Ribatejo, noutro sentido, cada um decidir se deve ou não deve permitir a realização de touradas no seu território”.
“Portanto, não defendo a homogeneização cultural. Defendo, sim, a pluralidade cultural, que é aquilo que é próprio de quem acredita num diálogo entre civilizações”, reforça António Costa.
“É importante que a franqueza e a transparência se mantenham com Angola”
António Costa considera a visita do Presidente angolano o fim de “um ciclo de normalização das relações”, reconhece como “complexo” o problema da regularização das dívidas e admite reflexos para as empresas se a Sonangol se retirar das suas participações.
A visita oficial de João Lourenço, que se inicia hoje e se prolonga até sábado, “restabelece a normalidade de uma relação que é muito frutuosa de parte a parte e que tem de continuar e desejavelmente deve prosseguir sendo aprofundada”, afirmou o primeiro-ministro, citando o próprio presidente angolano.
Quanto ao problema da regularização das dívidas, o primeiro-ministro admite que “é obviamente um processo complexo, muitas vezes moroso, mas que tem vindo a correr”, sendo importante que “a franqueza e a transparência se mantenham” entre as partes. Pela parte portuguesa, o processo é “pilotado” pela embaixada de Portugal em Angola.
“Muitas empresas têm visto já a sua situação regularizada, outras parcialmente regularizada, outras aguardam a regularização e outras aguardam ainda a certificação e o reconhecimento dos créditos que reclama”, diz António Costa, acrescentando que é um processo que está em curso e “felizmente, com bons sinais até agora”.
Para o primeiro-ministro, o importante para o Estado português é ter sido assegurado que, “em primeiro lugar, Angola reconheceria a existência de situações de dívida para com as empresas portuguesas e que haveria um processo transparente com participação das empresas portuguesas para o apuramento do montante dessas dívidas e a sua certificação”.
“Foi muito importante a forma muito franca como o ministro das Finanças angolano (…) expôs a questão de como havia um conjunto de dívidas reclamadas que não estavam registadas oficialmente na contabilidade das entidades devedoras e, portanto, era necessário certificar a sua existência e quais eram as dificuldades relativamente ao pagamento e ao cálculo designadamente cambial desses montantes”.
Segundo o primeiro-ministro, “isso foi essencial para restabelecer a confiança das empresas portuguesas para poderem investir em Angola”.
Questionado sobre o anúncio feito por João Lourenço de que a empresa angolana Sonangol iria retirar-se da participação das empresas portuguesas, o primeiro-ministro reconheceu que havendo essa decisão, [ela] “terá necessariamente reflexos nas empresas onde a Sonangol tem uma participação”.
“Mas não me compete a mim estar a pronunciar-me sobre as decisões de investimento da Sonangol. E são empresas que estão no mercado, estão abertas. Portanto, naturalmente, se houver alguma recomposição acionista, haverá seguramente outros acionistas que tomem a posição que eventualmente seja libertada pela Sonangol”, conclui António Costa.
Costa acusa PSD de “esquizofrenia” sobre orçamento e diz que preveniu “tempestades”
O primeiro-ministro acusa o PSD de revelar “esquizofrenia” sobre o orçamento, espera que as alterações apresentadas pelos partidos não adulterem a proposta do Governo e defende que a política económico-financeira seguida previne “tempestades” que cheguem do exterior.
Estas posições foram assumidas por António Costa em entrevista à agência Lusa, durante a qual afirma ter “confiança” de que o debate na especialidade do Orçamento de Estado, na Assembleia da República, não desequilibre “uma receita que já demonstrou dar bons resultados”.
“Lembram-se que há três anos muitos diziam que era aritmeticamente impossível que isto funcionasse, no segundo ano disseram que esta política conduziria à vinda aí o diabo – e a verdade é que aritmeticamente foi possível. O diabo não chegou e, pelo contrário, temos, pela primeira vez desde o início do século, dois anos consecutivos de crescimento acima da média europeia, temos 341 mil novos postos de trabalho criados, temos 1000 milhões de euros a menos que os portugueses pagam em termos de IRS e vamos ter pelo segundo ano consecutivo o défice mais baixo da história da nossa democracia. Portanto, quando os resultados são bons, não acredito que alguém vá querer alterar uma política orçamental que tem dado bons resultados”, defende.
Questionado por que é que o seu Governo inscreveu uma meta de 0,2% de défice para 2019, quando seria um marco histórico em Portugal um défice zero, António Costa contrapôs: “Os 0,2% de défice já são uma marca histórica, como os 0,7% este ano também são uma marca histórica. Foram os défices mais baixos da nossa história democrática”.
Porém, António Costa recusou que haja da parte do Governo “uma obsessão relativamente ao défice”.
“Hoje, aliás, o que se discute em Portugal é bastante diferente do que se discutia, felizmente, há três anos”, considera.
De acordo com o primeiro-ministro, hoje, discute-se em Portugal “como é que se vai mais além e não os receios de ficar aquém daquilo que eram as expectativas que se tinha”.
“Agora, não temos é um discurso contraditório, como o PSD, que simultaneamente, por um lado, diz que é um orçamento em que o défice deveria ser menor e que é uma verdadeira orgia orçamental, mas, depois, as únicas propostas que apresenta são propostas que ou diminuem a receita ou aumentam a despesa. Esta esquizofrenia é que não é possível”, acusa.
Interrogado se o seu executivo está a governar em tempo de ‘vacas gordas’, numa conjuntura de crescimento económico internacional, António Costa alega que, quando o país cresce acima da média europeia, “é difícil dizer” que se trata de um crescimento “à boleia do que acontece na Europa”.
“Como é evidente, como não somos um planeta próprio, influi naturalmente sobre a economia portuguesa tudo o que acontece no espaço económico onde estamos inseridos. Mas é precisamente por não desconsiderarmos esses graus de incerteza que nós temos previsões e um cenário macroeconómico para o próximo ano que acomoda precisamente esses riscos. E é precisamente por termos em conta esses riscos que não nos podemos dar ao luxo de poder correr o risco de dar um passo maior do que a perna, porque esses fatores de incerteza existem e podem atingir-nos, independentemente da nossa vontade, da nossa ação”, adverte.
Confrontado com um cenário de saída desordenada do Reino Unido da União Europeia ou com a hipótese de a política do executivo italiano conduzir a uma subida elevada das taxas de juro, o primeiro-ministro sustenta que “qualquer pessoa de bom senso tem o dever de temer qualquer desses cenários imprevisíveis”.
“Mas aquilo que devemos fazer é trabalhar para que nenhum desses cenários imprevistos se verifique e, por outro lado, garantir que estaremos em condições de segurança num porto de abrigo caso essas tempestades venham a surgir. E é por isso que não nos devemos aventurar no mar e devemos ter em conta que devemos manter a proximidade necessária a um porto de abrigo para o caso de alguma dessas tempestades surgirem inesperadamente”, salienta.
Questionado sobre a ideia de quem vier a seguir no Governo em Portugal ter de pagar a fatura, António Costa reage: “Sim, mas também é porque temos em conta isso que tencionamos suceder a nós próprios e, portanto, não queremos criar hoje problemas que tenhamos de gerir no próximo ano”.
Esperamos ter um Brexit ordenado e não algo de caótico
O primeiro-ministro espera que o acordo entre a União Europeia e o Reino Unido seja aprovado tanto no Conselho Europeu do próximo domingo, como naquele país, de forma a poder haver um ‘Brexit’ ordenado e não caótico.
“Temos a expectativa de que no domingo o Conselho endosse o acordo que foi concluído, que esse acordo possa ser aprovado também no Reino Unido e possa depois seguir para aprovação no Parlamento Europeu, de modo a que possamos ter um ‘Brexit’ ordenado e não algo que seria caótico e uma ameaça para os cidadãos da UE residentes no Reino Unido”, afirma.
António Costa diz ainda que, neste processo, “a União Europeia tem dançado de acordo com a música que tem sido apresentada pelo Reino Unido”, correspondendo sempre ao que este país tem solicitado.
“O Reino Unido decidiu fazer um referendo, David Cameron pediu uma negociação prévia para que estivesse em boas condições para disputar o referendo”, disse. Depois, “houve uma negociação dura e difícil, onde o senhor Cameron considerou que tinha obtido um bom resultado e foi para o referendo e perdeu”.
Quando tal aconteceu, relata Costa, o Reino Unido informou a UE de que ia sair. “Abrimos negociações, negociámos, concluímos um acordo satisfatório para a União Europeia e aceite pela primeira-ministra britânica que era a nossa interlocutora”, diz.
Relativamente às próximas eleições europeias e à escolha do holandês Frans Timmermans como candidato da família socialista a ‘spitzenkandidat’ (candidato a presidente da Comissão Europeia), António Costa considera que foi “uma tarefa que correu bem”.
O anúncio oficial da candidatura será feito no Congresso do Partido Socialista Europeu (PSE), que decorrerá em Lisboa, a 7 e 8 de dezembro.
O primeiro-ministro foi escolhido pelos seus camaradas socialistas europeus para conduzir o processo de diálogo entre os diferentes partidos tendo em vista o apoio a uma candidatura única dos socialistas, dada a existência de vários possíveis concorrentes.
“Foi para mim uma honra terem-me confiado essa tarefa”, diz Costa, quando questionado se teve de recorrer aos seus dotes de negociador hábil. “Foi possível encontrar um candidato que conseguiu unir os diferentes partidos socialistas e sociais-democratas da Europa em torno de uma figura” com experiência política nacional e como vice-presidente da Comissão Europeia e que “tem estado na linha da frente do combate pela defesa dos valores europeus, contra o populismo e as ameaças ao Estado de direito”, destaca.
Segundo Costa, a escolha de Timmermans também revela que foi possível encontrar-se uma “boa síntese para o que é essencial”, como por exemplo a conclusão da reforma da União Económica e Monetária ou um novo quadro de financiamento plurianual à altura das ambições da Europa. “Portanto, acho que Frans Timmermans é uma bela candidatura”, diz.
Sobre o cabeça de lista do próprio PS, António Costa não quis adiantar nada, remetendo o assunto para convenção nacional do partido sobre a Europa, que se realizará a 16 de fevereiro.