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“Cativações em 2017 ficaram abaixo de 2016”

“Cativações em 2017 ficaram abaixo de 2016”

Mário Centeno

Por Pedro Lima e Sónia M. Lourenço e foto de António Pedro Ferreira

In Expresso

O défice que ameaçava ficar na História como o mais baixo da democracia portuguesa — 0,9% — deverá afinal ficar ‘oficialmente’ em 3%. O ministro das Finanças não se conforma com a decisão do Eurostat de incluir nas contas de 2017 o impacto da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e aguarda o veredicto final, previsto para 23 de abril, depois de o Instituto Nacional de Estatística (INE) ter aceitado, embora discordando, o entendimento do Eurostat. Mário Centeno rejeita que o Governo tenha preparado medidas para contornar o impacto da CGD e que tenha havido “sacrifícios”.

Quando no verão de 2016 foi negociada a capitalização da CGD ficou alguma garantia de que a operação não ia contar para o défice?

O que foi preparado com a Comissão Europeia foi um acordo de injeção de capital na CGD fora do regime de ajudas de Estado. O que implica que o Estado é colocado nas mesmas condições em que um privado faria essa operação. Foi por isso que a diretiva de resolução bancária não foi ativada nesta injeção de capital. Outros casos, como o BES ou o Banif, foram feitos com base na ajuda de Estado. O Estado é dono da CGD e o tratado europeu proíbe que a propriedade seja um fator de discriminação. O entendimento que tínhamos e mantemos sobre o assunto é que esta operação não tem nenhuma relevância económico-financeira, é meramente contabilística e seria bom que o registo contabilístico batesse certo com a natureza da intervenção.

Mas estava à espera que o Eurostat tomasse esta posição?

O Eurostat tem um processo de tomada de decisão longo, estabelecido na sua relação com o INE, o Governo está fora desse circuito. Fizemos um investimento enormíssimo. A CGD já está a dar lucros e com o plano de negócios antecipado vários meses, o Governo confia na execução do plano.

Está satisfeito com a situação atual da CGD?

Completamente.

Em relação a esse registo contabilístico, não havia então nenhuma garantia sobre como seria feito?
Não, tal coisa não foi negociada, nem podia ser, pelo Governo com o Eurostat.

O Governo preparou medidas para, havendo a contabilização da operação da CGD, conter o défice nos 3%?

O défice foi de 0,91% — nem sequer foi 0,92% porque houve um engano no arredondamento. Nunca me passaria pela cabeça que pudéssemos condicionar a condução da política a um evento desta natureza. Mas, não posso deixar de dizer que o conforto que o Governo e o país hoje têm sobre as finanças públicas permite que decisões desta natureza — com as quais não estou de acordo — não tenham nenhuma consequência para o país. O défice reflete o extraordinário estado de saúde da economia portuguesa, do seu mercado de trabalho e o enorme rigor com que o Governo tem lidado com as contas públicas.

Como foi então conseguido esse défice de 0,91%, sem considerar a CGD, um valor bem abaixo do que estava previsto? Implicou sacrifícios na saúde, nos serviços públicos?

Com certeza que não implicou sacrifícios. Há três ordens de razões. Em primeiro lugar, a economia teve um desenvolvimento muito acima do projetado. A receita fiscal cresceu 5%, tínhamos projetado uma taxa inferior. O comportamento da economia é muito bem-vindo. Mas já disse que não vamos hipotecar receitas que não sabemos quão permanentes possam vir a ser em troca de despesa permanente, porque isso significa que mais adiante poderemos ter dificuldades.

Não vão fazer muitas cedências à esquerda?

Não, vamos gerir dentro do quadro de acordos parlamentares que temos, estamos a cumprir todos. Segunda ordem de razão, temos uma queda na despesa com juros de €300 milhões. Face ao projetado, o valor dos juros fica quase €600 milhões abaixo.

O peso dos juros no PIB ficou em 3,9%, o mais baixo desde 2010.

São quase três décimas do PIB que estiveram associadas à melhoria do rating da República portuguesa em conjugação com amortização do empréstimo do FMI. O terceiro grupo de razões tem que ver com alguns impactos que tínhamos previsto e que depois não se materializaram. Por exemplo, tínhamos na nossa projeção que o empréstimo feito ao fundo que vai gerir o processo dos lesados do BES teria um impacto de €145 milhões no défice de 2017 e não teve. Esse efeito vai transitar para 2018. Voltando à economia, as contribuições sociais estão a crescer 7%, é quase o dobro do PIB nominal, e teve impacto também no IVA.

Isso implica que a carga fiscal esteja em máximos de 22 anos.

A carga fiscal é um conceito muito antigo que sobrevive por ser útil, mas está desfasado da realidade. Mede o peso da receita fiscal e contributiva no PIB. Mas, a base que constitui a receita fiscal e contributiva não é o PIB. A massa salarial está a crescer em Portugal 7,6%, o que compara com 4,1% do PIB em termos nominais. Ou seja, sem termos aumentado a taxa contributiva — mantém-se igual —, o peso da receita de contribuições no PIB aumentou, porque o emprego e os salários aumentaram mais do que o PIB. Não estamos a pedir mais às pessoas em termos contributivos, não aumentou a carga fiscal no sentido efetivo, mas esse indicador que mede a carga fiscal e contributiva no PIB subiu. A mesma coisa acontece com o IVA, que cresceu 6,1%. O peso das receitas do IVA no PIB cresceram. E o que aconteceu em 2017 com o IVA? Houve taxas que caíram, por exemplo em metade do ano ainda temos o impacto da redução do IVA na restauração e em alguns produtos as taxas de IVA foram reduzidas. Num imposto em que as taxas caem não se pode dizer que a carga fiscal aumentou. O que aconteceu foi que a base da receita do IVA, que é o consumo dos nacionais e dos estrangeiros, por exemplo com o turismo, teve um grande crescimento. Por isso, temos aquilo que parece ser um aumento da carga fiscal num imposto cujas taxas diminuíram. Serei o último a dizer para não usarmos o indicador da carga fiscal, mas não podemos usá-lo como arremesso político descontextualizado. A verdade é que temos tido um papel na nossa política económica e orçamental muito relevante de redução seletiva e cuidada de algumas taxas de impostos que continua em 2018 e vai continuar em 2019 com a reforma do IRS.

A quem pede que baixe a carga fiscal responde com esta explicação?

Longa, mas exata, de que estamos a fazê-lo. Se quisermos fazer uma análise séria do que é a incidência fiscal na atividade económica temos de olhar taxa a taxa, sector a sector, e perceber que algumas taxas estão a cair, como a sobretaxa e os escalões do IRS e o IVA da restauração, em áreas da economia que estão a crescer muito. Se quisesse ser ideologicamente marcado até diria que a atividade económica está a subir por causa da redução do imposto. Não vou tão longe.

Nos fatores que contribuíram para um défice mais baixo não falou das cativações. Não foram importantes?

Quando tivermos os valores finais das cativações de 2017 vamos ver, tal como o Governo se comprometeu, que ficaram abaixo dos valores de 2016. Os números finais ainda estão a ser apurados, mas são bastante mais reduzidos. As cativações são um instrumento que existe há décadas na política orçamental, em todo o lado. Só ganharam relevância porque Portugal não estava habituado a cumprir os seus objetivos. As pessoas foram tentar perguntar onde é que estes rapazes conseguiram chegar aos objetivos. Depois, havia muitos preconceitos sobre este Governo e a situação política portuguesa. Não é verdade que a esquerda tenha uma atitude perante o rigor orçamental e o cumprimento das metas distinta da direita. É um mito. Há uma enorme preocupação nas discussões que tenho no quadro parlamentar sobre o equilíbrio das propostas que são feitas.

Em 2016 Portugal teve o rácio de investimento público no PIB mais baixo de sempre e o mais baixo da União Europeia. Em 2017, o Orçamento previa uma recuperação forte…

Foi forte, foi de 25%.

Mas, ficou aquém do previsto. Sente-se confortável com esta situação? Tem havido críticas do PCP e do BE.

Para medir o esforço de investimento devemos olhar para a Formação Bruta do Capital Fixo, mas depois analisar as receitas de capital, que são as transferências da União Europeia. E 2016 constituiu o mínimo histórico da receita de capital e das transferências de fundos europeus para investimento. Em 2017, ano em que o défice melhora €2 mil milhões, o saldo de capital deteriora-se €900 milhões, por virtude de a receita de capital cair e de a despesa com investimento subir cerca de €700 milhões. É o saldo corrente que está a melhorar o défice. Não há nenhuma forma de restrição do investimento.

“Novo Banco não vai pôr em causa as contas públicas”

O ministro das Finanças rejeita a existência de cortes na Saúde, mas diz que tem de se controlar a geração de dívidas. Sobre o Novo Banco diz que ainda é cedo para saber o impacto.

O Orçamento do Estado (OE) para 2018 prevê que o investimento público atinja 2,3% do PIB, ou seja, €4,6 mil milhões. Desta vez o objetivo vai ser cumprido?

Os objetivos quando são estabelecidos são obviamente para serem cumpridos. Temos muitos projetos já lançados e em execução. A perspetiva que tenho é que o investimento vai continuar a não ser o que justifica a consolidação orçamental.

Porque é que as contas da Saúde merecem maior acompanhamento?

Há um conjunto de fatores que tornam o sector difícil de gerir. Não é uma particularidade portuguesa. O sector da Saúde em Portugal compara-se muito bem com os congéneres europeus. O esforço que o Serviço Nacional de Saúde faz de adequar os meios, que são limitados, às necessidades tem corrido bem.

Mas o Governo sentiu a necessidade de criar uma Unidade de Missão para a Saúde…

O endividamento na Saúde tem um carácter endémico que não pode continuar. E é por isso que aparece esta Unidade de Missão. Num momento em que o Governo está a acudir a um conjunto de dívidas — até 23 de março foram pagos €323 milhões, prevemos que até ao fim de março tenham sido €400 milhões e em abril se completem os €500 milhões previstos para esta ação — eu e o meu colega ministro da Saúde decidimos pensar o sistema, para que o endividamento daqui a uns meses não esteja outra vez no mesmo nível. Isto não foi feito antes, as dívidas eram amortizadas mas o processo de geração desse endividamento não foi alterado.

O que diz a quem critica os cortes na Saúde?

Que não existem. Em dois anos estamos a reforçar com 6500 profissionais o sector da Saúde. Estamos a lançar grandes investimentos como o hospital oriental de Lisboa e os de Évora, Seixal e Sintra e recuperações muito importantes em hospitais já existentes. Não há cortes na Saúde. Desde o início de 2015, o orçamento da Saúde cresceu 13%.

Na Função Pública, o peso da despesa com pessoal no PIB recuou para mínimos em 2017…

Não há nenhuma razão para a despesa com pessoal crescer mais do que o PIB. Cresceu €388,8 milhões em 2017 porque foram repostos os salários e porque há mais trabalhadores na Administração Pública, que foram colocados nos sectores que identificámos como sendo prioritários — 6500 profissionais na Saúde e 2000 professores e assistentes operacionais na Educação. Mas cresceu abaixo do PIB, daí termos essa redução.

A execução orçamental não está a dar razão aos sindicatos quando dizem que o descongelamento das carreiras não tem efeitos visíveis para as pessoas?

Não. Prevemos que o descongelamento tenha um impacto na despesa com pessoal próximo dos €200 milhões este ano. Aplicar o descongelamento exige trabalho suplementar aos serviços da Administração Pública, que foi conseguido mais rapidamente nalgumas áreas do que noutras. No final de março 80 mil trabalhadores deverão já ter o descongelamento materializado. Todos os que tinham direito à progressão em janeiro vão receber retroativos. Em áreas como a educação, em que a progressão depende do tempo, só vamos atingir o total em dezembro. E só aí vão progredir 46 mil professores. Até ao fim do ano mais de 400 mil funcionários públicos terão uma valorização remuneratória, entre progressões e promoções. O impacto do descongelamento ainda não é totalmente visível na execução orçamental, mas vai ser.

Em 2019, admite aumentos salariais na Função Pública?

Não está fechada, nem sequer verdadeiramente aberta, a discussão sobre o OE-2019. Todas as medidas no programa do Governo estão a ser cumpridas.

O Novo Banco divulgou prejuízos históricos e o Estado vai emprestar até €450 milhões ao Fundo de Resolução. É um rombo nas contas públicas de 2018?

Quando fizemos o acordo da venda ponderámos as necessidades que poderia haver em termos de injeção de capital, as consequências para a política orçamental e o que significava encontrar uma solução para uma instituição fundamental como o Novo Banco. A garantia que quero dar é que não vai colocar em causa a estabilidade das contas públicas, porque estabelecemos um mecanismo suficientemente faseado. Há mecanismos de validação desse impacto, ao abrigo do acordo de venda, que estão em curso. Quando chegar ao Governo o resultado de todas as fases de monitorização, o Governo pronunciar-se-á.

Défice zero, quando é que vamos ter? 2019?

Vamos esperar pelo Programa de Estabilidade.

Há uma guerra comercial que pode afetar a economia mundial. É um risco para Portugal?

Não se conhecem ainda os contornos das políticas. Estamos a seguir esses desenvolvimentos, não nos parece que neste momento seja algo que vá fazer alterar as nossas previsões.

E o fim do programa de compra de dívida do Banco Central Europeu (BCE), é um risco?

Criámos as condições para estar alinhados com a Europa. Se houver desenvolvimentos positivos na Europa que permitam ao BCE alterar a sua política, Portugal está em condições de poder beneficiar desses desenvolvimentos. Neste momento, estamos a crescer mais do que a Europa, o emprego cresce o dobro, o investimento é o dobro. Não há grande preocupação desse ponto de vista.

Vai ver o Benfica-Guimarães deste sábado?

O meu filho do meio vai às Olimpíadas da Economia e acho que entre o meu filho e o Benfica vou seguir o meu filho e esperar que ele ganhe [risos].