No seu primeiro discurso após ser eleito presidente do Parlamento, com 156 votos a favor, 63 em branco e 11 votos nulos, Augusto Santos Silva frisou que a língua portuguesa “é fator de construção de pátrias distintas e, ao mesmo tempo, o laço mais forte e perene de ligação entre essas pátrias”.
“O patriotismo só medra no combate ao nacionalismo. O patriota, porque ama a sua pátria, enaltece o amor dos outros pelas pátrias respetivas e percebe que só na pluralidade das pátrias floresce verdadeiramente a sua. O nacionalista, porém, odeia a pátria dos outros, quer fechar a sua ao contacto com as demais, discrimina quem é diferente e, em vez de hospitalidade, promete ostracismo”, sustentou.
Aqui, o novo presidente da Assembleia da República avisou que “o bom requisito para se ser patriota é não ser nacionalista” e explicou: “Isto é, não ter medo de abrir fronteiras, de integrar migrantes, de acolher refugiados, de praticar o comércio e as trocas culturais”.
Augusto Santos Silva, que fez um cerrado discurso aos extremismos e radicalismos, recorreu em seguida à história para dizer que a língua portuguesa evoluiu “em encontros, em descobertas, em miscigenações”, porque é uma língua “que indaga, imagina e em que, portanto, soam postiças as frases que atiram pedras em vez de argumentos e que cegam em vez de iluminarem”.
“O sinal de pontuação que a democracia mais precisa é o ponto de interrogação. O sinal que mais dispensa é o ponto de exclamação, o qual a democracia deve usar com grande parcimónia. Deixemos as certezas aos néscios e cultivemos sem temor a nossa capacidade de questionar e inquirir, porque a interrogação sacode os preconceitos, abre caminhos, convida a ouvir as várias respostas, trava o passo ao dogmatismo e à intolerância”, pediu.
Augusto Santos Silva esclareceu depois que, em democracia, “todas as ideias podem ser trazidas, mesmo aquelas que contestam a democracia, porque essa é a mais óbvia vantagem da democracia sobre a ditadura”. E deixou o recado de que, no Parlamento, o único discurso que não tem lugar é o do “ódio, o discurso de negar a dignidade humana seja a quem for, o discurso que insulta o outro só porque o outro é diferente, o discurso que incitar à violência e à perseguição”.
Num discurso muito ovacionado, o presidente do Parlamento salientou que “a liberdade e a igualdade custaram demasiado para que agora pudéssemos aceitar regredir para novos tempos de barbárie”.
“Estes tempos difíceis, complexos, são tempos propícios a toda a espécie de manipulações, de preconceitos e de messianismos, tempos em que pode prosperar o populismo com as simplificações abusivas, as exclusões sumárias, a negação do pluralismo e da diversidade, a estigmatização dos vulneráveis, a culpabilização das vítimas e a substituição do debate pelo insulto”, apontou.
Considerando que a sociedade portuguesa “não está imune a esse vírus”, Augusto Santos Silva deixou mais um recado: “A melhor maneira de combater esse vírus é não lhe conceder mais relevância do que aquela que o povo português lhe quis atribuir”.
Funções serão exercidas com imparcialidade e de forma “aglutinadora”
O novo presidente da Assembleia da República prometeu também exercer as suas funções com imparcialidade, de forma “contida e aglutinadora”, respeitando a independência da agenda de todas as bancadas.
“Será preservada a individualidade de cada deputado e de cada deputada, respeitada a independência e a agenda de todos os grupos parlamentares, defendido o papel e a imagem do Parlamento e garantido a todos as melhores condições para o exercício pleno e produtivo dos respetivos mandatos, seja no plenário, nas comissões ou grupos de trabalho, ou, ainda, no indispensável contacto direito e permanente com os eleitores”, garantiu.
Quanto à Presidência da República e ao Governo, o Parlamento prosseguirá com eles “uma relação de harmonia e respeito mútuo no escrupuloso respeito dos preceitos constitucionais”, afirmou.
Augusto Santos Silva notou em seguida o significado político resultante do facto de ter sido eleito deputado pelo círculo Fora da Europa: “Muito mais relevante do ponto de vista político e simbólico é o facto de hoje ser o dia inaugural da ocupação desta cadeira se fazer por um deputado eleito por um círculo da emigração. Assim, a representação parlamentar dos 2,3 milhões de portadores de cartão de cidadão português residentes no estrangeiro e dos mais dos cinco milhões que se estimam de seus descendentes atinge toda a sua plenitude”.
O novo presidente do Parlamento mencionou ainda a guerra da Rússia contra a Ucrânia, dizendo que se este conflito “interpela as nossas consciências, também impõe a reafirmação do posicionamento geopolítico” de Portugal e a “elaboração de políticas públicas que acautelem a economia, o emprego e a coesão social”.
“Temos elevadas responsabilidades como membros das Nações Unidas, da União Europeia e da Aliança Atlântica. Saúdo em particular as Forças Armadas, agora chamadas a novas tarefas que, se necessário, desempenharão com a dedicação e proficiência com que têm pautado a sua atuação em missões de paz” no exterior, concluiu.