“As próximas semanas vão ser decisivas para a Europa dos próximos anos”
“Arriscamo-nos a ter uma Europa muito bloqueada a partir das próximas eleições europeias se este nível de fragmentação continuar. E, quanto mais adiarmos decisões importantes, como o próximo quadro financeiro plurianual ou a reforma da zona euro, será bem pior, porque estamos a pôr carga suplementar sobre as decisões futuras e – pior – a cristalizar posições em campanha eleitoral sobre esses assuntos”, salientou o chefe de Governo português.
Esta perspetiva foi assumida por António Costa num debate com o comissário europeu para os Assuntos Económicos e Financeiros, o francês Pierre Moscovici, que foi moderado pela diretora de informação da agência Lusa, Luísa Meireles, no ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão), em Lisboa.
Perante um anfiteatro completamente cheio, o primeiro-ministro considerou que o adiamento da aprovação do próximo quadro financeiro plurianual pode ter um preço “brutal” do ponto de vista económico já em 2022, principalmente pela dificuldade de transição entre quadros comunitários.
“Se hoje já é difícil chegarmos a acordo entre quem quer dar menos e quem não quer receber menos, então imaginem o que isso será após a campanha eleitoral. Obviamente, a campanha eleitoral em alguns países vai ser com base na palavra de ordem nem mais um cêntimo para a União Europeia. E, em outros países, vai ser nem menos um cêntimo na política de coesão”, advertiu, considerando que “as próximas semanas vão ser decisivas para a Europa dos próximos anos”.
Superar as divisões que ameaçam a coesão europeia
António Costa alertou ainda, para uma nova “fratura”, entre leste e oeste, após a divisão que se instalou no período da crise financeira entre Estados-membros do norte e do sul se ter vindo a esbater.
“Falar-se sobre a reforma da zona euro já não é tabu e, hoje, o presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, pode ser o ministro das Finanças português. Hoje, há uma nova fratura mais visível do ponto de vista geográfico, que é entre leste e oeste”, sobretudo, “em torno do tema das migrações e das questões da liberdade, designadamente a autonomia do poder judicial ou a liberdade de imprensa”, apontou.
Esse impasse, defendeu, “tem de ser rapidamente superado sob pena de se cavar uma divisão ainda mais grave do que a anterior”, sublinhando que “se está a falar dos valores de uma vida em sociedade”.
Na perspetiva de António Costa, observa-se ainda uma nova fratura política que, em Portugal, “é menos evidente porque não há um partido assumidamente liberal” e nenhuma força política nacional está filiada na Aliança dos Liberais e Democratas.
“Mas, hoje já são oito primeiros-ministros em 28 que são liberais. Têm um peso muito grande no Conselho, têm uma liderança clara no primeiro-ministro holandês [Mark Rute] e que são atualmente uma frente muito forte na zona euro, bem como em relação à aprovação do próximo quadro financeiro plurianual. Tudo isto condiciona muito aquilo que vão ser as decisões após as próximas eleições europeias”, acrescentou.
Avanço para harmonização fiscal por maioria qualificada
No debate, o comissário europeu para os Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, e o primeiro-ministro português coincidiram na ideia da regra da maioria qualificada para se avançar com uma maior harmonização fiscal entre Estados-membros, impedindo assim bloqueios ao processo.
“Importa saber se nós queremos continuar a competir através da fiscalidade uns com os outros e em que, depois, cada um adota os seus sistemas: uns procuram atrair holdings, outros querem atrair residentes não habituais e outros, ainda, empresas digitais”, questionou António Costa, defendendo que “esta fragmentação dos sistemas fiscais não pode continuar”.
Oportunidade de dar um passo em frente no orçamento europeu
Na sua intervenção, António Costa defendeu também a tese de que mais vale um pequeno orçamento condicionado para proteção do euro do que nada, acreditando que há agora “uma enorme oportunidade de dar um passo em frente e de se abrir uma brecha” em torno desta matéria, antes das eleições europeias.
“Prefiro ter um pequeno orçamento condicionado do que nada, porque a partir do pequeno orçamento condicionado nós podemos ir crescendo”, sustentou, invocando a história da Comunidade Económica Europeia (CEE) para lembrar que “tudo foi sempre feito passo após passo”.