“As demissões têm muitas vezes consequências perversas”
(Entrevista efetuada por David Dinis, do Público e Graça Franco, Renascença)
“Como devem imaginar não é o ministro que diz quantos efectivos são precisos para fazer a guarda”, diz o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Pedro Nuno Santos diz que os incêndios foram acaso da natureza e que Azeredo Lopes não pode ter a responsabilidade “operacional” por eventuais falhas em Tancos.
Os jornais deram como certo os resultados de um focus group sobre a tragédia de Pedrógão (alegadamente mostrando que a popularidade do Governo não tinha saído prejudicada). Já fizeram um novo focus group depois do roubo do armamento em Tancos?
É importante deixar claro que o Governo não encomendou um focus group. Nós admitimos que o PS o faça, o PS aliás faz de forma regular – e em ano de autárquicas com maior intensidade. É normal que durante aquele período tenham sido feitas questões sobre os incêndios em particular. Se o PS os fez, não as haverá de ter feito por causa da tragédia, mas porque os faz de forma regular e, de acordo com o momento, são colocadas questões sobre os temas.
Se a regularidade for semanal, já terá também um resultado após o roubo.
Eu não tenho conhecimento.
Este é o momento mais difícil deste Governo?
Objectivamente é. Desde logo porque tivemos há duas semanas e meia uma tragédia onde morreram 64 pessoas. E isso é uma tragédia que nos atinge a todos – e ao Governo também, em particular.
Do ponto de vista de popularidade, o que é que lhe parece mais grave: o que aconteceu em Tancos ou em Pedrógão?
Não é, sinceramente, relevante para nós. Estamos a cair todos num erro, que é tratar os dois incidentes da mesma maneira. E nós estamos perante uma catástrofe natural, aparentemente nunca antes registado – a coincidência entre o downburst e os incêndios. E por outro lado tivemos um crime…
Numa instalação do Exército.
Nós que estamos nesta vida, políticos e jornalistas, estamos a tratar dos dois como se fossem a mesma coisa como se fossem a mesma coisa e não são.
Mas está a antecipar-se às conclusões sobre Pedrógão, porque isso do evento natural, pode…
Não estou a concluir nada, estou apenas a referir que o IPMA disse que não há registo anterior da coincidência entre aqueles dois fenómenos – downburst com um incêndio.
Reformulo: do ponto de vista de gestão pública, do dever de protecção de segurança que cumpre ao Estado, qual é o mais complicado?
Estamos a pegar mal quando estamos a comparar estes dois temas, que aconteceram com grande proximidade – o que nos leva a falar deles os dois nas mesmas entrevistas e debates. Mas são dois casos diferentes, num caso houve 64 mortes. E isso tem um peso para nós tremendo, como é óbvio. Na outra situação temos também um caso grave, que é um crime. Infelizmente não é um crime tão raro como possa parecer. No ano passado houve um assalto a instalações americanas em Estugarda, na Alemanha. Em em 2015 tivemos o mesmo em Marselha – dois países com Forças Armadas, com importância relevante para a NATO. Não estou com isto a diminuir, estou só a dizer que temos que olhar para este fenómeno não como um fenómeno único, mas como requerendo a resposta necessária para assegurar que não voltam a acontecer.
Se houver um atentado e se provar que é feito com este tipo de armamento, não crê que a confiança dos aliados em Portugal possa reduzir-se?
Podemos ter pelo menos a certeza de que Portugal é um parceiro credível e respeitado no seio da NATO e que, ainda antes de acontecerem eventos destes em Portugal, aconteceram em França e na Alemanha. Mas Portugal foi e é um parceiro de grande credibilidade no quadro da NATO. Isso não se perdeu, obviamente.
Não é estranho ver o silêncio do PS relativamente ao ministro Azeredo Lopes? Não se vê ninguém a sair em defesa dele.
Vocês ainda não falaram em demissões, mas se puder antecipar gostava de dizer que chegámos a uma altura em que todos nós, políticos e já agora comunicação social, temos que mudar o chip. Porque a primeira resposta que temos quando há um problema, quando há uma crise, a resposta que (por falta de criatividade ou até por alguma preguiça intelectual e política) é a exigência de uma demissão. Como se a demissão resolvesse um problema! E reparem que as demissões, quando são pedidas, têm muitas vezes consequências perversas, que é criar a ilusão de que o problema está resolvido com a demissão. Isto para dizer o quê? Não me parece ainda que tenha havido uma necessidade tão brutal de o PS defender o ministro da Defesa – eu estou cá e posso fazer isso com todo o gosto e convicção. Porque nós temos assistido a um exercício oportunista por parte da direita… é que o PCP e o BE fazerem uma crítica ao desinvestimento do Estado é uma crítica que fazem há muitos anos. Mas não deixa de ser paradoxal que, quem tantos anos falou no Estado gordo, que era preciso limpar o Estado, venha agora queixar-se de o Estado ter incapacidade de resposta a estes fenómenos. No entanto, neste caso essa não é a explicação.
A direita não considera gorduras as questões de segurança.
Não sei. A verdade é que em matéria de efectivos militares o Governo PSD/CDS reduziu-os em 15%. E nós não. Só para que não fique a ideia de que o PSD e CDS são rigorosos na defesa das funções do Estado e o PS não: durante o Governo PSD/CDS os efectivos da Autoridade Nacional para a Protecção Civil caíram 8,5%, connosco já cresceram 6,9%. E o número de bombeiros reduziu em 10% entre 2011 e 2015 e subiu 3% em 2016. Mas as críticas que o PSD fazia sobre desinvestimento no Estado era nos serviços públicos, Saúde e Educação.
Quando um membro do Governo diz que assume a responsabilidade política por um acontecimento, para si qual é o significado?
Assumiu a responsabilidade política na medida em que tutela a área.
Isso traduz-se em quê?
Desde logo, traduz-se em querer perceber o que aconteceu. E foi pedido não só um inquérito à Inspecção de Defesa Nacional, como aos três ramos das Forças Armadas para em 30 dias fazer um levantamento de todas as condições de segurança. Assumir a responsabilidade política é assumir a responsabilidade na forma como reage a um problema. Os governos medem-se mais não pelos problemas que surgem, mas pela forma como lidam com eles. E o sr. ministro da Defesa tem estado à altura da resposta a um problema que é, em grande medida, um problema operacional que não depende directamente dele.
Estamos a falar de responsabilidade política. Relativamente a este Governo, que está em funções há ano e meio: neste caso, as redes de Tancos não estavam reforçadas, não havia videovigilância na base há dois anos. O ministro da Defesa diz que não sabia, mas a despesa estava inscrita na Lei de Programação Militar para 2018. E volto à pergunta: quando é que começa a responsabilidade política?
É importante que, antes de todos nos precipitarmos a pedir para rolar cabeças, consigamos perceber o que aconteceu para não começarmos a dizer asneiras – e não estarmos a elaborar sobre equívocos. Primeiro: não estou certo de que o sistema de videovigilância não esteja a funcionar há dois anos. No entanto, logo que essa informação foi tida, já pelo actual Chefe de Estado Maior do Exército, foi desenvolvido um novo plano para dar resposta às insuficiências que ele próprio detectou na sequência da sua tomada de posse. E portanto o sr. ministro da Defesa foi informado das mesmas e foi dada luz verde para que as despesas fossem feitas. Atenção: quando diz que o sistema seria instalado em 2018: é até 2018 em todas as instalações militares. Havia autorização para que fosse feito em Tancos durante o ano de 2017. Aquilo que podemos dizer é que este ministro, antes que acontecesse o roubo, tinha já no que dependia de si – a autorização de despesa – tinha dado o ok. Temos que ter consciência do que é a responsabilidade de cada um. A responsabilidade operacional…
A nós, cabe-nos fazer as perguntas.
E a mim dar as respostas e às vezes enquadrar as perguntas que partem de pressupostos errados.
O enquadramento é o da entrevista que o ministro da Defesa deu na SIC.
Como devem imaginar não é o ministro que diz quantos efectivos são precisos para fazer a guarda. Porque, repare: se há um sistema de videovigilância que deixou de funcionar e, entretanto não foi substituído (porque isso não acontece de um dia para o outro) o que pode acontecer, o que podemos equacionar que possa acontecer é um reforço de outras medidas que compensem a ausência daquele mecanismo. Não é o ministro da Defesa…
Portanto não foram as cativações do ano passado?
No caso da Lei de Programação Militar (LPM), o sistema de videovigilância está lá programado. A LPM não tem cativações connosco, teve antes. Concluindo: não estou a antecipar conclusões, mas ou há certezas (e só há quando o processo de apuramento está concluído) que há responsabilidades directas de um membro do Governo, ou não é aceitável, é até irresponsável, que estejamos a pedir uma cabeça antes de saber se um ministro falhou.
Para ver se percebi: no caso de Pedrógão e de Tancos, o Governo decidiu avaliar tudo primeiro. O que significa que há dois ministros neste momento à espera de saber os resultados das investigações para saber se continuam no Governo?
O objectivo de uma investigação não é fazer rolar cabeças.
Não o disse como objectivo, mas como consequência.
Mas não é esse o objectivo de uma investigação. Esse é outro problema: nós andamos à procura de saber se o ministro A, B ou C [….] . Um inquérito ou uma investigação deve servir, num país avançado ou numa democracia madura, para aprendermos e corrigirmos. Obviamente que no decurso dessa investigação ou desse inquérito vamos ficar a saber o que aconteceu, o que falhou, o porquê, por causa de quem. E aí está sempre tudo em aberto.
Há duas questões aí: se o ministro, tendo o inquérito a decorrer sob a sua alçada, não tem a tendência – mesmo inconsciente – de se proteger; e se o ministro tem a força política para continuar a decidir enquanto espera.
Tem. Outro paralelismo: há pouco invoquei aqueles dois assaltos gravíssimos em Estugarda e Marselha e nós não tivemos nem na Alemanha, nem em França, a exigência de demissões do ministro alemão ou francês. Isso é uma particularidade nossa, que resulta de alguma falta de criatividade no debate político. É uma forma antiga de fazer política.
Se o primeiro-ministro não estivesse de férias e estivesse cá, teria sido diferente a gestão destas duas crises?
Mais uma vez: num país já com muitos anos de democracia, temos mecanismos previstos que permitem que também os membros e os chefes de Governo possam ter férias. É preciso recordar que as férias estavam marcadas há muito tempo e que foram marcadas para o início deste mês para o sr. primeiro-ministro estar mais livre nos próximos dois meses. Obviamente que nos organizámos para que se consiga compensar o período de descanso a que o primeiro-ministro tem direito. A articulação continua a ser feita, o primeiro-ministro não tem deixado de acompanhar…
Portanto, não faltou nenhuma palavra por parte do Governo, nenhuma explicação?
Nós só podemos dar explicações quando as temos. Esse é outro problema que temos. Eu compreendo a necessidade, a urgência, que um cidadão tem de ter as respostas. Mas é errado nós nos precipitarmos a dar explicações que ainda estão a ser apuradas.
Não lhe parece que o protagonismo do Presidente da República nas duas crises acaba por tender a fazer o regime mais presidencialista?
Não tenho essa interpretação. Se posso fazer uma nota pessoal, é dizer que acho que temos um Presidente não só à altura das suas funções, como que percebeu qual é que é exactamente o papel do Presidente da República. Eu pessoalmente – e o nosso Governo – tenho a certeza que o Presidente actuaria da mesma maneira.
Voltar às férias só para perguntar isto: já está definido quando é que a ministra da Administração Interna e o ministro da Defesa vão de férias?
Eu… admito que isso seja do interesse público. Não tenho informação sobre o ministro da Defesa, a informação que tenho é que a ministra da Administração Interna tirou o seu período de férias no início do ano para poder estar livre esta época.
Neste novo enquadramento político, aproveitando as fragilidades do Governo, o Bloco e PCP vão ganhar mais margem de manobra para negociar o Orçamento de 2018 – que já está atrasado? Sobretudo pedindo reforço da despesa?
Parte do princípio que as exigências do Bloco e PCP signifiquem reforço da despesa. Não necessariamente.
O BE diz que o Governo ainda não percebeu o papel da despesa do Estado, nem do investimento. E que é muito difícil explicar-lhe… querem mais margem no IRS, nas progressões nas carreiras…
E despesas que fazem sentido. Vamos por partes. Quanto ao atraso, nós queríamos antecipar as negociações do Orçamento porque havia dossiers pesados – como o aumento de progressividade do IRS e descongelamento das carreiras – que exigem muito trabalho nas Finanças. Começamos esse trabalho antes dos incêndios. Há um trabalho já mais profundo sobre o IRS; sobre o descongelamento de carreiras havia um trabalho para ser feito do nosso lado, que ainda está a ser feito. É óbvio que as energias de todos, no Governo e também na oposição, a partir do momento da tragédia de Pedrógão Grande concentram-se aí. Portanto a decisão foi: vamos parar, depois retomamos. Não vai prejudicar as negociações do OE, na medida em que serão feitas no timing que foram sempre. Havia uma diferença, estávamos a tentar antecipar, mas a realidade altera-se e temos que nos ajustar a ela.
Os números prometidos em Bruxelas implicam uma redução do défice em 1500 milhões de euros. A somar a estas dificuldades de mais despesa, como é que se vão cumprir os dois compromissos?
… Depois, segundo ponto: a maioria tem funcionado bem. E onde a maioria dizia que iria falhar era precisamente na dimensão em que tivemos sucesso. Nada nos leva a crer que as coisas agora se compliquem, não também por causa destes dois eventos. O PCP, o BE e os Verdes farão as suas exigências, como sempre, com grande assertividade e dureza. Nós trataremos de fazer a negociação com eles e ver até onde podemos ir. Lembro que já está previsto no Programa de Estabilidade uma verba para o IRS e outra para o descongelamento das carreiras.
Que o BE e PCP dizem ser muito curta.
Certo. E também sabemos que o cenário macroeconómico se tem alterado no sentido positivo. Portanto, temos uma negociação ainda a acontecer. Há dossiers que já são públicos – é o caso desses dois que são os mais pesados -, que permitirão mais alguns avanços. Mas depois há outras matérias que serão negociadas. Com serenidade, com a dureza normal de quem quer ter vitórias no OE. O Governo não vai ceder mais ou menos porque aconteceu o que aconteceu ao país. Isso é outra… deixem-me fazer este parênteses: não há governação de quatro anos sem crises. O que está em causa é como nos reagimos a essas crises. Elas fazem parte da governação. Nós tivemos… sorte por não termos tido problemas mais graves até agora, infelizmente aconteceram.
Deixe-me voltar atrás, que não fiquei com certezas: o Governo já desistiu de fechar os principais dossiers do próximo Orçamento antes das férias?
Não, quer dizer [….]. Estes dossiers dependem também do cenário macroeconómico, da capacidade e da margem orçamental. Nós, a partir do momento em que possamos – e o Governo não parou -, vamos trabalhar e retomar as negociações do Orçamento. Eu espero que consigamos recomeçar o trabalho este mês, para adiantarmos o que pudermos. Não é fecharmos…
Mas o objectivo era fechar já os principais – foi assim que o primeiro-ministro o colocou.
No seu desenho global. Porque as medidas têm que ser desenhadas. Mas ainda não temos a informação toda para perceber exactamente o espaço orçamental que temos. Nós nesta altura nem estaríamos habilitados a ter isso a 30 de Junho.
Foi ao fim dos 29 minutos da entrevista, quando nos despedíamos, que Pedro Nuno Santos pediu uma última palavra: “Se me permitem, queria dar nota de grande confiança aos portugueses no Estado português. Nós temos, felizmente, a pessoa certa à frente do país. E isso dá-nos também motivos de segurança e de confiança no Estado e nas instituições.”
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Antes, a entrevista já tinha passado pelo primeiro-ministro e pelas férias em Espanha, que aconteceram esta semana (Costa regressa hoje a Lisboa, para presidir ao Conselho de Ministros). E aí, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares também saiu em defesa do líder: “Num país já com muitos anos de democracia, temos mecanismos previstos que permitem que também os membros e os chefes de Governo possam ter férias. É preciso recordar que as férias estavam marcadas há muito tempo e que foram marcadas para o início deste mês para o sr. primeiro-ministro estar mais livre nos próximos dois meses. Obviamente que nos organizámos para que se consiga compensar o período de descanso a que o primeiro-ministro tem direito. A articulação continua a ser feita, o primeiro-ministro não tem deixado de acompanhar…”, garantiu o governante