Aprovado o orçamento retificativo para acomodar resolução urgente do Banif
A proposta recebeu os votos favoráveis do PS e de três deputados do PSD eleitos pela Região Autónoma da Madeira. O restante grupo parlamentar do PSD absteve-se e o CDS votou contra a proposta, deixando evidente a divisão nos dois partidos da direita quanto à resolução de um problema que a inação do anterior Governo, da sua responsabilidade, deixou ao país e aos contribuintes portugueses.
BE, PCP, PEV e PAN também expressaram o voto contra, responsabilizando duramente o anterior Executivo por ter escondido o problema aos portugueses. O Orçamento Retificativo segue agora para a Presidência da República para que seja promulgado até final do ano.
No debate realizado hoje no Parlamento, o ministro das Finanças defendeu que a resolução do Banif é o “preço menor” a pagar pelo que não foi feito em três anos.
“É o preço a pagar por em três semanas o atual Governo ter de resolver aquilo que o XIX Governo Constitucional não fez em três anos. Ainda assim, é um preço menor”, afirmou Mário Centeno, sublinhando que a resolução encontrada é a que melhor salvaguarda o sistema financeiro, protege os contribuintes e garante postos de trabalho.
Estando em causa um problema de consequências potencialmente gravosas para os contribuintes, que o anterior Governo da direita escondeu durante três anos ao país e ao parlamento, torna-se imperativo um esclarecimento claro aos portugueses sobre algumas questões fundamentais:
Como surgiu o problema do Banif?
O Banif surgiu consistentemente como preocupação ao longo das avaliações do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, assinado com as instituições internacionais em 2011.
As fragilidades da instituição provinham essencialmente da área do imobiliário e do crédito concedido sobre este, acrescido da incapacidade dos acionistas em realizar os reforços de capital que, recorde-se, eram uma exigência transversal a todos os atores do sistema financeiro nacional e europeu.
O contexto macroeconómico de recessão profunda em Portugal, com impacto significativo sobre o setor imobiliário, criou pressões adicionais em termos de crédito malparado, especialmente graves para instituições como o Banif.
Neste contexto, o banco recebeu ajuda pública em 2013, através de uma operação de recapitalização e da emissão de obrigações convertíveis num montante global de 1100 milhões de euros. Este valor foi à altura considerado insuficiente pelo Banco de Portugal para a plena solução dos problemas do banco, mas acabou por ser aceite pelo supervisor. Recorde-se que na altura o Ministério das Finanças dispunha de uma linha específica de auxílio ao sistema financeiro no âmbito do Programa de Assistência que não estava a ser utilizada na totalidade. Esta decisão do Ministério das Finanças e aceite pelo Banco de Portugal revelou-se incapacitante para o Banif na resolução dos problemas que enfrentava.
O que falhou na sequência da recapitalização?
Entre a recapitalização pública em janeiro de 2013 e o momento atual foram apresentados pela administração do Banif oito planos de reestruturação do banco. Estes planos, elaborados pela administração e validados pelos acionistas, com destaque para o Ministério das Finanças, eram essenciais para demonstrar a viabilidade da instituição e assegurar que a recapitalização pública fosse bem sucedida.
Os oito planos de restruturação submetidos pelo Ministério das Finanças às autoridades europeias foram sistematicamente rejeitados pelas Comissão Europeia pela sua incapacidade de demonstrar a viabilidade da instituição. A rejeição destes planos mostra cabalmente a deficiência de acompanhamento por parte do Ministério das Finanças e uma total incapacidade mostrar que o auxílio ao Banif encontrada era a que apresentava menor impacto e menores custos.
Existem hoje informações que demonstram que tanto o Banco de Portugal como Ministério das Finanças estavam bem cientes, desde antes do verão de 2015, dos problemas da instituição e da necessidade de agir para resolver a situação até ao final do ano. No entanto, tais dificuldades foram sempre negadas, incluindo nos comunicados públicos da ex-ministra das Finanças (e.g., 20 de outubro de 2015).
Teria sido necessário um acompanhamento mais próximo, uma intervenção mais célere, que não permitisse a acumulação de problemas, e que, principalmente, a sua solução não fosse deixada para a última hora possível. A Ministra das Finanças, com a cumplicidade do Banco de Portugal, ocultou a urgência da situação até outubro por motivos puramente eleitorais. Desde meados de setembro, a Comissão Europeia deixou de ter um interlocutor do lado do Governo da República sobre as questões relativas ao sistema financeiro, tendo-se mantido esta situação até à tomada de posse do Governo do PS. Estes dois meses de inação significaram uma destruição de valor enorme, tiveram um custo elevado para os contribuintes e puseram em causa a estabilidade financeira. Durante este período, o Banco de Portugal aceitou uma missão que não lhe cabe, a de ser o interlocutor da República junto da Comissão Europeia, ao invés de assegurar, enquanto supervisor, a que gestão praticada pela administração do Banif era adequada dada a situação financeira e a verificação a todo o tempo da idoneidade dos seus administradores executivos.
Se o Banif é maioritariamente detido pelo Estado, como é que o Estado não evitou que isto acontecesse?
No âmbito da recapitalização pública, o Governo da direita escolheu ter apenas um representante não-executivo no conselho de administração do Banif (que em setembro de 2014 foi nomeado para o conselho de administração do Banco de Portugal, assegurando o pelouro da supervisão por indicação do Governo*). O acompanhamento pleno da reestruturação do banco era obviamente vital para evitar o surgimento de novos problemas ou o arrastamento e a ocultação de atos de gestão que criaram os problemas anteriores.
Quando é que o Governo do PS teve conhecimento da situação do Banif?
A dimensão da situação do Banif era desconhecida até à passagem de pastas efetuada pelos titulares do XX Governo e encontrava-se incompleta em diversas dimensões. Tal é especialmente grave dada a necessidade de encontrar uma solução até ao final de 2015, sob o risco de as consequências para o país, nomeadamente em termos da estabilidade do setor financeiro, serem particularmente gravosas.
Posteriormente, nas diversas interações com o Banco de Portugal e a Direção Geral da Concorrência da Comissão Europeia, o Governo do PS tomou conhecimento que este dossiê terá sido conduzido pela chefe de gabinete da Ministra das Finanças e não pelos secretários de Estado do Tesouro ou das Finanças. Tal não deixa de causar estranheza pela delicadeza deste dossiê e pela necessidade contínua de contactos de natureza política ao mais alto nível. Para os XIX e XX Governos este dossiê não era um assunto da maior prioridade ou urgência, mas um assunto que tinha que ser empurrado até às eleições legislativas.
O Governo do PS propôs outras soluções?
Sim, foram testadas outras soluções que compatibilizavam a minimização do custo potencial para os contribuintes com uma reorganização do sistema financeiro público e que caminhavam no sentido da concentração do sistema financeiro português desejada pela Comissão Europeia.
No entanto, a Comissão Europeia não permitiu a integração do Banif na CGD na medida em que a CGD, tendo tido ajuda de Estado está impedida de aumentar a sua dimensão, seja por aquisição seja por crescimento orgânico, e a Direção Geral da Concorrência da Comissão Europeia se recusou a derrogar aquele impedimento. Refira-se que, pela mesma razão, também o BCP, o BPI e, por razões óbvias o Novo Banco, se encontravam impedidos de participar na possível compra do Banif.
A solução de nacionalização por instrumento administrativo do Banif não está disponível à luz da legislação vigente desde janeiro de 2015, a Diretiva Europeia sobre a Recuperação e Resolução Bancária. A nacionalização poderia ser operada pela conversão dos produtos híbridos em capital, diluindo quase por completo a posição dos acionistas privados, mas não resolvendo a necessidade de capital. A capitalização pública do Banif apenas poderia acontecer no âmbito de uma medida de resolução e quando os meios do Fundo de Resolução não fossem suficientes tal como se verificou. No entanto, à luz da BRRD a manutenção do Banif na esfera do Estado só seria possível até à sua reprivatização no contexto de um procedimento transparente, competitivo e de mercado, o que exigiria a criação de um bridge bank tal como aconteceu no caso do BES.
O BCE e a Direção Geral da Concorrência eliminaram tal possibilidade a partir do momento em que a posição de liquidez foi destruída pelo bank run que ocorreu na sequência da notícia avançada pela TVI.