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António José Seguro em entrevista ao «Acção Socialista»

António José Seguro em entrevista ao «Acção Socialista»

É o líder da oposição com a vida mais difícil em quatro décadas de democracia porque a sua ação está condicionada pelo memorando assinado pelo anterior Governo do PS com a troika. Como sair desta encruzilhada?

Como temos agido. Isto é, sendo muito firmes no caminho que escolhemos e que tem uma prioridade – o emprego –, e o crescimento económico e simultaneamente honrando os nossos compromissos. Nem sempre é fácil de entender este caminho, porque o país precisa do memorando da troika para continuar a financiar-se, mas o que nós temos demonstrado e hoje começa a ser uma evidência é que o caminho escolhido para cumprir e honrar esse acordo deve colocar como prioridade o emprego e o crescimento e não a austeridade a qualquer preço, como tem vindo a fazer o Governo.

O que é a nova forma de fazer política que tem vindo a defender?

A nova forma de fazer política assenta em não prometer nada que não possamos fazer quando formos Governo e sempre que discordarmos do Governo apresentarmos as nossas propostas alternativas. Eu quero que o PS ganhe as próximas eleições por mérito próprio e não porque o Governo está a cometer erros. E o caminho que escolhemos desde há meses de colocar o emprego e o crescimento económico como prioridade é hoje uma evidência. Até chegam ao cúmulo de dizer que nós só estamos a defender isso porque o François Hollande o propôs na campanha. Nada de mais falso e errado, porque nós desde que assumimos a liderança do PS que temos vindo a defender que é necessário consolidar as nossas contas públicas com uma austeridade inteligente, dando prioridade ao crescimento e ao emprego. Esta é que é a consolidação saudável das contas públicas no nosso país.

Não concorda que o Tratado Europeu cria espartilhos orçamentais que debilitam ainda mais os Estados mais frágeis como Portugal, criando ainda mais constrangimentos para implementarem políticas de crescimento e emprego?

Este Tratado responde à necessidade de rigor e disciplina orçamental e o PS concorda com estes objetivos. Por isso, votámos a favor. Aliás, não há na história do PS nenhum tratado europeu que nós não tenhamos votado a favor. Nós mantivemo-nos na tradição de ser o partido mais europeu em Portugal e ao mesmo tempo quisemos dizer com muita clareza que somos defensores do rigor e da disciplina orçamental. Mas que estes não chegam. É preciso uma dimensão económica e social. Por isso, na mesma altura em que aprovámos o Tratado apresentámos uma adenda para que o país pudesse trabalhar no seio da UE no sentido de aprovar um ato adicional ao Tratado com medidas concretas de promoção do emprego e do crescimento económico. Infelizmente, a maioria de direita chumbou essa nossa proposta. Mas hoje ela começou a fazer caminho no seio da Europa e até fora da família socialista já há muita gente a defender que é preciso um pacto para o crescimento e emprego. Por isso, o PS voltou a apresentar essa adenda, que vai ser discutida no dia 23 de Maio, de modo a que, mais uma vez, se confronte o Governo português se quer ou não aprovar propostas concretas que promovam o emprego e o crescimento económico.

Tem repetido que um partido como o PS que queira voltar a ser Governo tem de preparar e fundamentar muito bem as suas propostas. O que está a ser feito nesse sentido? É que não tem passado para a opinião pública, por exemplo, o que o PS tem proposto ao nível das alterações da lei laboral, da lei das rendas, entre outras.

É verdade. Nós notamos isso. E, por exemplo, na lei das rendas nós apresentámos 17 propostas de alteração. E na lei laboral, nós, que estamos vinculados ao acordado no memorando com a troika, apresentámos várias propostas de alteração referentes, nomeadamente, ao banco de horas individual, para reforçar a inspeção do trabalho, e ainda contra o fim dos feriados, em particular o 5 de Outubro. Defendemos também a linha BEI para apoiar as PME’s, o não aumento do IVA, a devolução de subsídios a funcionários públicos e reformados, a redução da fatura do gás e da eletricidade, a redução das taxas moderadoras. São alguns dos exemplos que, por um lado, financiam a economia e que, por outro, exigem menos sacrifícios às famílias e, logo, mais dinheiro disponível para dinamizar a economia. Não há nenhuma varinha mágica nem uma receita que se vai comprar a um supermercado, como um kit para o crescimento e para o emprego. Há um conjunto de políticas articuladas ao nível nacional e europeu que convergem para o mesmo objetivo. Também apresentámos no Orçamento de Estado uma proposta para não se aumentar o IVA da restauração de 13% para 23%, uma subida de 77%, que segundo os dados da associação representativa do sector pode equivaler a uma perda, durante dois anos, de cerca de 50 mil empregos.

Acha mesmo que esse conjunto de medidas que sugere é exequível em Portugal? É comportável em termos financeiros e orçamentais? O Governo tem dito que não há alternativa às medidas que está a aplicar…

Faz parte da retórica e da campanha de propaganda do Governo dizer que não há alternativa. O governo quer fazer crer que está a salvar o país. Mas não. Está, pelo contrário, a afundar o país. Uma boa consolidação das contas públicas não pode ser feita num clima de grande recessão e de aumento dramático do desemprego. Temos de ter mais tempo para fazer essa consolidação das contas públicas. Desde o final de outubro que digo, publicamente e nas reuniões com o Governo e com a troika, que queremos honrar os nossos compromissos, mas que precisamos de, pelo menos, mais um ano. Isso significaria que os sacrifícios para as pessoas e para as empresas seriam diluídos no tempo, o que permitiria que o nosso país fizesse um ajustamento mais suave e, simultaneamente, não destruísse a economia, o aparelho produtivo e o emprego.

A “paixão pela austeridade” e a política do “custe o que custar” do atual Governo vai levar os portugueses e o país para onde?

Vai levar ao empobrecimento e para uma situação que nos começa a alarmar. Hoje são conhecidos os dados do desemprego no 1º trimestre que apontam para uma taxa de desemprego de 14,9%. É um recorde histórico no nosso país. E perante esta situação dramática o Governo está de braços cruzados, não faz absolutamente nada. Por outro lado, em termos da evolução do produto da nossa economia tem havido também uma quebra acentuada. Estes são os resultados da austeridade excessiva e estão à vista.

Este é mesmo o Governo com maior insensibilidade social de sempre?

Sim, não há dúvida. Os níveis de desemprego atestam esta situação e a maneira como o primeiro-ministro se refere a este drama é de facto elucidativo de um governante insensível e de alguém que não está a acompanhar a realidade do país. Um Governo que tem como resposta para o desemprego o convite à emigração e um primeiro-ministro que chama piegas aos portugueses e que chega ao cúmulo de dizer que o desemprego é uma oportunidade. Estes são três factos que revelam uma total insensibilidade social.

Como classificaria em duas palavras a política deste Governo?

Este Governo segue o caminho errado.

O que o levou a organizar um roteiro “Em defesa do interior”?

Porque o interior do nosso país está a morrer. Está num processo de desertificação e as pessoas que resistem estão neste momento a ser duplamente sacrificadas, quer no acesso à saúde, no encerramento de serviços, com incidência nos tribunais e nas repartições de finanças. Por outro lado, em termos de competitividade, o gás é mais barato em Espanha do que é em Portugal, as oportunidades de emprego são menores e até a discriminação positiva para as empresa que quisessem instalar-se no interior desapareceu. Portanto, fiz esse roteiro do interior para dizer às pessoas destas zonas do país que a causa do desenvolvimento do interior é uma causa permanente e que podem contar com o PS na defesa dos seus interesses. Para o PS, o interior não é um encargo, mas sim uma oportunidade.

Qual é o objetivo da criação de um grupo de trabalho para a reforma fiscal?

O objetivo é apresentar uma proposta de sistema fiscal estável no tempo que introduza maior justiça no pagamento de impostos e que financie de forma sustentável as funções sociais do Estado, como o SNS, a escola pública e a Segurança Social.

O que o levou a afirmar que estava disponível para encabeçar uma manifestação caso estivesse em causa o SNS pelas políticas do atual Governo?

O PS é um partido que faz oposição nos espaços institucionais e nos espaços normais da política. Não somos um partido da rua e da pura contestação, mas há uma coisa que me obrigaria a ir de facto para a frente de uma manifestação: se este Governo puser em causa questões fundamentais do SNS, designadamente aquelas que constavam do projeto de revisão constitucional do PSD e que são atentatórias de uma política de saúde para todos. Com a saúde das pessoas não se brinca.

Em que consiste a modernização do PS que defende?

Consiste em dar mais voz e mais poder aos militantes. Para mim, os militantes são cidadãos e cidadãs ativos polticamente, que escolheram a vida partidária para dar contributos para melhorar a sua terra, a sua região, o seu país. Os novos estatutos, aprovados em Comissão Nacional e que possibilitam eleições diretas para a eleição de deputados e de candidatos a presidentes de Câmara, são exemplo de reforço dos poderes dos militantes. Em segundo lugar, a modernização de um partido aberto que saiba conviver em todos os momentos, e não apenas em vésperas de eleições, com cidadãos que são próximos do PS e cidadãos inscritos no PS. Nesse aspeto o Laboratório de Ideias é um exemplo desse espaço de encontro e de reflexão. Uma terceira ideia tem a ver com o objetivo de termos um partido moderno que não seja um partido que trabalhe apenas nos parlamentos ou nas câmaras municipais, mas que possa também intervir ativamente em associações cívicas junto das pessoas.

Os partidos socialistas, nos últimos anos, têm sido contaminados pela chamada “terceira via”, o que também está na origem da sua decadência. Ou seja, de certa maneira, confundem-se com as políticas neoliberais e passaram a ser, praticamente, partidos sociais liberais. Como é que a esquerda democrática pode ter pensamento próprio para se diferenciar claramente da direita?

Fazendo aquilo que estamos a fazer. Ou seja, nós temos os nossos valores, temos a nossa declaração de princípios e a nossa obrigação é atualizar as nossas propostas políticas às novas realidades, em coerência com a nossa matriz ideológica. A nossa responsabilidade é olhar para a realidade e, de acordo e em total coerência com esses valores, atualizar a nossa proposta política nas áreas da saúde, da educação, no emprego, no crescimento económico, etc. É isso que temos vindo a fazer. Quando definimos a prioridade para o emprego e o crescimento económico ou para a União Europeia se modificar no sentido de, também ela, dar resposta à crise que se vive atualmente, estamos a adaptar as nossas propostas políticas e o nosso pensamento político.

O que é que os portugueses podem esperar do líder do maior partido da oposição para melhorar as suas condições de vida?

Para nós, os portugueses estão em primeiro lugar. Temos agido e continuaremos a agir em nome do interesse nacional e dos portugueses. Qualquer posição do PS tem sempre este objetivo. O que é bom para os portugueses e para Portugal terá o PS na primeira linha. Muitas das vezes sou incompreendido. É verdade que já fui mais incompreendido no passado que agora. Hoje, os portugueses olham para este sentido de responsabilidade e apoiam o PS.

Como é que reage aos ataques, nomeadamente dos colunistas de direita, que insistem na tese de que o PS tem uma liderança fraca?

Não lhes ligo. [Risos]

Como é que se sente, como líder do PS e como cidadão, vivendo num país com as maiores desigualdades sociais da Europa, com dois milhões de pobres…?

Sinto-me mal, mas não cruzo os braços. Luto com propostas concretas para alterar essa situação. Juntaria a esse quadro o que considero ser o maior drama que temos na sociedade portuguesa, que é o aumento elevado do desemprego e o facto de haver 36% dos jovens portugueses desempregados. Eu disse, quando apresentei a minha candidatura à liderança do PS, que nenhum político honesto pode dormir descansado com o nível de desemprego jovem que temos no nosso país. A minha responsabilidade é combater as desigualdades sociais. Para isso, é necessário garantir a qualificação dos portugueses, o acesso à escola pública de qualidade, a uma boa formação profissional e empregos. Neste momento, os portugueses não têm essa possibilidade. Têm uma parede à sua frente. Saem das universidades e não têm horizontes. Não têm esperança. Nós só conseguimos gerar esperança e confiança se mudarmos de política. E mudar de política é mudar para o caminho alternativo que venho defendendo.

Aprovada que está, pela maioria, a lei de extinção de freguesias, o que é que o PS ainda pode fazer?

Como é sabido, este Governo tem maioria absoluta. Estivemos contra esta lei. Defendemos uma reforma do poder local com cabeça, tronco e membros. Isto é, uma reforma que começasse pela lei eleitoral autárquica, lei de atribuições e competências, lei de finanças locais e outros instrumentos legais necessários. Nisso inclui-se uma reorganização do território, mas não uma reorganização feita a régua e esquadro, a partir do Terreiro do Paço e imposta às pessoas. Tem de ser uma reorganização que envolva as pessoas e que melhore a vida das populações. Este Governo fez tudo ao contrário e daí ter havido uma oposição tão grande das populações e do PS. Também neste domínio o Governo mostrou, mais uma vez, uma enorme insensibilidade, arrogância e desconhecimento do que é a realidade do país.

Como reagiu à iniciativa do PSD de apresentar um projeto de resolução sobre crescimento económico, que depois decidiu retirar de votação?

Esse projeto de resolução do PSD é a maior hipocrisia política que conheci nos últimos tempos. O PS não foi ouvido sobre o agendamento do Tratado Europeu. Votámos a favor, em nome das nossas convicções e do nosso posicionamento sério, credível e responsável. Mas dissemos, também, que este Tratado está desequilibrado. Precisa de dimensão económica e social. E, nesse sentido, apresentámos medidas concretas. O PSD rejeitou-as. Depois, esteve à espera para ver o resultado das eleições francesas e, como percebeu que se começou a criar um movimento no sentido de haver um pacto para o crescimento e o emprego, veio a correr com uma resolução para apresentar na Assembleia. Interessante foi ver que, depois, deixou cair essa resolução. Disse que ficaria para mais tarde. Mas quando nós voltarmos a apresentar no Parlamento o nosso projeto de adenda, PSD e CDS vão ter de dizer o que pensam. Se continuam a achar que, quanto mais austeridade, melhor. Nós consideramos que o crescimento e o emprego devem ser a prioridade, doseados com uma austeridade inteligente, que combine as duas, garantindo níveis de desenvolvimento e de qualidade de vida das pessoas. Não basta pintar a casa com outras cores. Temos de mudar a casa. E é por isso que a próxima semana vai ser muito importante para nós. Vamos discutir, por agendamento potestativo, o nosso projeto de resolução de adenda ao Tratado, no mesmo dia em que o Conselho Europeu se reúne em Bruxelas e, dois dias depois, vamos discutir o Documento de Estratégia Orçamental que o Governo enviou para Bruxelas nas costas do Parlamento e sem falar com o PS. Os portugueses recordam-se bem do escândalo público que o PSD fez por não ter sido ouvido sobre o PEC IV. O que fez agora foi uma deslealdade institucional com o Parlamento. Há uma diferença muito grande: a nossa ação é por convicção; o Governo está a tentar apanhar a moda. Mas as pessoas sabem ver a diferença.

No Congresso avisou os socialistas que teriam pela frente uma maratona. E tem sido apologista da estabilidade governativa. Mas tendo em conta que os portugueses se sentem defraudados com a atuação deste Governo que em muitos domínios está a fazer exatamente o contrário daquilo que prometeu, e ainda que os resultados destas políticas são os tais 14,9% do desemprego, haverá algum momento em que será necessário dizer “basta” e tomar uma atitude?

Nós temos tomado atitudes. Aquelas que estão no âmbito das competências de um partido da oposição. O que é a adenda ao Tratado Europeu, que apresentámos e voltaremos a apresentar?! Quando dizemos ao Governo que deve seguir sozinho nesta viagem, estamos a agir. Quando aprestamos um projeto de resolução divergindo do DEO que o Governo apresentou a Bruxelas sem nos consultar, estamos a agir. O PSD e o CDS têm maioria no Parlamento e não há, no âmbito constitucional, nenhuma atitude que retire o Governo do local onde está. Eu sou um democrata. Respeito o voto popular. É certo, como diz, que o Governo está a fazer diferente do que prometeu. Mas cabe aos eleitores, quando houver eleições, daqui a três anos e meio, fazer o seu julgamento e decidir em justiça. O que espero é que não renovem o mandato a quem está a fazer tanto mal ao país. Por isso, a nossa atitude tem sido de uma enorme coerência com o que temos dito. Somos responsáveis e estamos comprometidos com as metas do memorando. Mas, ao mesmo tempo, temos vindo a dizer que há uma divergência estratégica enorme entre o caminho escolhido por este Governo e o caminho do PS. Dissemo-lo, aliás, quando foi votado o Orçamento para este ano. Essa divergência estratégica tem vindo a acentuar-se, porque a realidade tem demonstrado que nós temos razão. Há outra atitude que possamos tomar que não seja a apresentação de propostas, a denúncia constante da situação e a responsabilização do Governo por estar a enfraquecer um consenso político? Se há algum diálogo é porque o PS manteve sempre uma postura de responsabilidade e seriedade, sendo, por vezes, ferozmente atacado por isso. O consenso constrói-se e o Governo, ao não dialogar com o PS, está a desbaratar esse consenso ou a dá-lo por adquirido, como se fosse uma fórmula automática. Mas está muito enganado. O PS tem as suas propostas e não abdica delas.

Que mensagem gostaria de dirigir aos militantes e simpatizantes leitores do nosso jornal?

Enviar-lhes um forte e fraterno abraço. Agradecer o apoio, a energia e o entusiasmo que têm colocado nesta nossa caminhada – uma caminhada que é difícil, que é exigente, mas que cada vez tem mais adeptos convictos – rumo ao nosso objetivo, que é, em 2015, voltarmos a governar o nosso país. Para isso, é fundamental que nos mantenhamos unidos no essencial e que possamos vencer as próximas eleições autárquicas.