Ainda o Acordo Ortográfico e a falta de memória do PSD
A uniformização da ortografia numa língua falada e escrita em quatro continentes e oito países diferentes, como é o caso da Língua Portuguesa, não significa uniformização lexical: sendo a língua uma expressão de tradições, de criatividade e de inovação, é natural que haja palavras diferentes em todos os países lusófonos para designar coisas iguais. E ainda bem. Por isso o Português é tão rico. Mas a divergência da grafia – a questão ortográfica – precisa, na minha opinião, de ser controlada por determinação politica, sob pena de uma fragmentação irreversível do português, e da perda da sua força enquanto uma das línguas mais faladas e escritas do mundo.
No início do século XX (1911) Portugal estabeleceu pela primeira vez um modelo ortográfico de referência para as publicações oficiais e para o ensino. No entanto, as normas desse primeiro Formulário Ortográfico não foram adotadas pelo Brasil, acentuando-se progressivamente as divergências da ortografia no Português escrito em ambos os lados do Atlântico. No final do século XX, as diferenças eram já de tal significado que as traduções de textos portugueses no Brasil se tornaram obrigatórias. Nas instituições internacionais traduziam-se os documentos para as duas variantes, portuguesa e brasileira, e nas Universidades de vários países os cursos de Estudos Brasileiros competiam com cursos de Estudos Portugueses. Claramente, a Língua Portuguesa acusava o falhanço das várias tentativas de acordos entre o Brasil e Portugal para firmarem uma ortografia comum (1933, 1944, 1945).
Finalmente, fruto de um longo trabalho da Academia Brasileira de Letras e da Academia das Ciências de Lisboa, os representantes oficiais dos então sete países de língua oficial portuguesa (além do Brasil e de Portugal, também Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe) assinaram em 1990 o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, ratificado também, depois da sua independência em 2004, por Timor-Leste.
O texto do Acordo prevê a elaboração de um Vocabulário Ortográfico Comum que irá dar suporte científico às variantes nacionais e fará a sistematização dos Vocabulários Ortográficos de cada país. A versão final será apresentada, finalmente, no próximo mês de maio. Quaisquer alterações de pormenor, bem-vindas certamente, poderão sempre ser ajustadas nesta sede.
Curiosamente, hoje em dia no parlamento, os ataques ao AO90 têm vindo do PSD e CDS, que votaram a favor do mesmo na Assembleia da República em 1991, 2000 e 2008, e contra todas as petições e iniciativas parlamentares que têm surgido contra a aplicação do Acordo Ortográfico, quando foi Cavaco Silva, 1º Ministro, que avançou politicamente com o Acordo na década de oitenta; foi Pedro Santana Lopes que sancionou as conclusões dos académicos (Academia das Ciências de Lisboa); foi Santana Lopes que assinou o Acordo Ortográfico em 1990, onde se previa a entrada em vigor em 1994. Eram outros tempos, era outro PSD.
A importância de haver um acordo internacional que reja a grafia da Língua Portuguesa é inquestionável. Temos orgulho nos 250 milhões de falantes (e leitores) de português, mas quem é contra o AO90, esquece-se que, sem harmonização da ortografia, daqui a dezenas ou centenas de anos, seremos apenas 10 milhões ou menos, porque os restantes escreverão brasileiro, uma nova língua cada vez mais distante do português.
O PS defende o fortalecimento da Língua Portuguesa para lhe proporcionar maior valor económico, garantindo a sua unidade cultural essencial, assente na sua matriz e enriquecida pela diversidade adquirida na sua história e por realidades geopolíticas e culturais de outros continentes.
O PS confia nas instituições académicas, às quais compete dar corpo científico às determinações políticas, certo de que os requisitos técnicos em construção pelo Instituto Internacional da Língua Portuguesa – designadamente o Vocabulário Ortográfico Comum – irão reforçar e consensualizar o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.