home

A DÍVIDA QUE TEMOS PARA COM ANTÓNIO ARNAUT

A DÍVIDA QUE TEMOS PARA COM ANTÓNIO ARNAUT

No dia 21 de maio de 2024 assinalaram-se seis anos sobre a morte de António Arnaut. Mais do que lamentar a sua ausência física, queremos recordar o seu exemplo de integridade corajosa e, sobretudo, lembrar a nossa responsabilidade face ao seu legado.

 

António Arnaut teve um papel fundamental no nascimento e fortalecimento do Serviço Nacional de Saúde, quando, no dia 20 de julho de 1978, elaborou um Despacho que mudaria para sempre a forma como são prestados cuidados de saúde à população portuguesa. Um Despacho com força de lei, protegido pela Constituição, que abriu a todos os portugueses sem distinção, o acesso gratuito a serviços médico-sociais e aos hospitais, bem como comparticipação para reduzir o custo dos medicamentos. Este documento foi denominado “Despacho Arnaut” e publicado na II série do Diário da República a 29 de julho de 1978.

Após a publicação do Despacho Arnaut, é aprovada a Lei nº 56/79, a Lei de Bases da Saúde, que cria o Serviço Nacional de Saúde que articula respostas em rede de instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde para toda a população e que iria ser totalmente financiada através de impostos.

A Lei de Bases da Saúde foi aprovada durante o IV Governo Constitucional onde António Arnaut era vice-presidente da Assembleia da República.

Na Constituição, o Serviço Nacional de Saúde é protegido pelo artigo 64º, que reconhece o direito que todas as pessoas têm a usufruir de cuidados de saúde, através de um Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito. Este artigo diz que o direito à proteção da saúde é um direito fundamental da pessoa humana e que por isso deve ser garantido como obrigação social do Estado perante cada pessoa e cada comunidade.

Como imperativo Constitucional, competiu ao Estado garantir, sem qualquer discriminação, o acesso de todas as pessoas a cuidados de prevenção da doença e promoção da saúde, apoio no diagnóstico e tratamento, bem como na reabilitação médica e social. Competiu ao Estado assegurar uma eficiente e suficiente cobertura médica e hospitalar de todo o território português, orientar a sua ação para a socialização da medicina e controlar o excesso de crescimento das formas empresariais e privadas da medicina.

Estes passos conduziram à evolução do SNS, mas novos governantes e diferentes governos com diferentes agendas, que se seguiram, não tiveram as mesmas preocupações. Implementaram alterações à redação da Lei que aumentariam os custos dos cuidados de saúde para as pessoas através da obrigação de pagar taxas moderadoras e criaram uma mistura de respostas de sistemas públicos e privados com grandes ganhos para o setor privado e empobrecimento progressivo das respostas de cuidados de saúde no setor público. Tudo justificado pela eficiência e pela necessidade de reduzir custos.

António Arnaut dedicou a sua vida a combater um sistema de interesses financeiros que, segundo ele, acabariam por destruir a essência humanista que guiou a criação do Serviço Nacional de Saúde.

António Arnaut falou amplamente nos riscos que um modelo baseado na redução de custos poderia acarretar para o SNS, alertando para o agravamento das desigualdades no acesso à saúde.

Arnaut sabia que as maiores dificuldades pelas quais o seu SNS passou e passa, derivavam do subfinanciamento crónico que se agravou nos anos da Troika. A par do desinvestimento nas respostas públicas, que levaram a uma perda progressiva de resposta e de capacidade de retenção de profissionais, cresceram exponencialmente as ofertas privadas para dar resposta ao aumento da procura das pessoas, insatisfeitas com a falta de recursos no SNS. Cresceram as parcerias financiadas pelo Estado com entidades privadas para se substituírem ao SNS nas respostas necessárias.

Um ano antes da sua morte Arnaut, em 2017, propôs uma nova lei de bases da saúde, para corrigir a que foi apresentada em 1990 e que abriu espaço para os desequilíbrios do SNS. Lutou pelo fim das Parcerias Público Privadas (PPP) e dos pagamentos de taxas moderadoras como forma de tornar mais humanizado o acesso aos cuidados de saúde. Uma nova lei de bases da saúde que permitiria acabar com a promiscuidade entre público e privado e que voltaria a centrar-se na ideia do SNS original, inteiramente financiado pelo Estado e completamente gratuito: “um SNS universal, gratuito, equitativo no acesso, financiado pelo Orçamento de Estado e com organização e gestão pública, descentralizada e participada.”

A 4 de Agosto de 2022 é aprovado o Decreto-Lei nº 52/2022 que enquadra o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde. Como Arnaut desejou, este novo Decreto-Lei acaba com as taxas moderadoras e faz esforços significativos para fixar profissionais de saúde no SNS através do regime de dedicação plena, mas ainda está longe da visão que António Arnaut pretendia no que diz respeito ao nível de investimento e autonomia.

António Arnaut representa uma visão íntegra e humana da política ao serviço das verdadeiras necessidades das pessoas. A visão de governos e governantes cujo objetivo principal é a melhoria da qualidade de vida da sua população, em especial da mais carenciada. Por isso, queremos manter vivo e presente o exemplo de António Arnaut e aceitar a responsabilidade de continuar o seu legado.

O SNS como Arnaut o pensou, tem de ser uma luta constante dos socialistas, para que nunca se perca esta conquista essencial para todas as pessoas e para o futuro de Portugal.

 

Teresa Andrade
Secretária Nacional das MS-ID para a Saúde

ARTIGOS RELACIONADOS