A Europa Connosco, a cimeira socialista do Porto, foi um sinal claro da ambição europeia de Mário Soares. Em março de 1976, teve lugar no Porto a reunião do “Comité para Defesa da Democracia em Portugal “, da Internacional Socialista, que tinha sido criado em junho de 1975, presidido por Willy Brandt. Estiveram no Porto, para além de Willy Brandt e Soares, entre outros, Kreisky (Austria), Willy Claes (Bélgica), Felipe Gonzalez (Espanha), François Mitterand (França), Olaf Palme (Suécia), os primeiros-ministros da Holanda e da Noruega e o Secretário-Geral da Internacional Socialista. “Repensar Portugal e o seu futuro passa pelo repensar da Europa em que Portugal se quer vir a integrar”, afirmou Mário Soares na ocasião. E fundamentou: “Portugal é também a Europa na medida em que a sua pertença ao continente transcende a mera expressão geográfica e antes encontra as suas razões mais válidas na integração do ambiente cultural e na evolução ideológica que caracteriza a Europa. Somos europeus, sentimo-nos europeus e queremos que, nós portugueses, que o nosso país faça finalmente ouvir a sua voz e participe ativamente na construção da Europa”, disse.
O primeiro governo Constitucional toma posse em 23 de julho de 1976, na sequência da vitoria eleitoral do PS. É o momento para Mário Soares concretizar a sua ambição: tornar Portugal um membro entre iguais, integrando o espaço europeu, na altura ainda com apenas 9 Estados-membros. Mário Soares visita as capitais europeias, apresenta os resultados dessas visitas à Assembleia da República em 18 de março de 1977 e é votado, dias depois, um “um voto de congratulação, pelos progressos realizados na política do Governo em relação à adesão à CEE”. Dez dias depois, a 28 de março, Mário Soares formaliza o pedido de adesão de Portugal à CEE. Duas linhas de argumentação sustentaram o pedido de adesão: consolidar a democracia em Portugal e promover o desenvolvimento económico. Efetivamente, este passo abria caminho ao acesso de Portugal a financiamento comunitário, desde logo beneficiando das chamadas ajudas de pré-adesão, para que de imediato se pudesse melhorar a qualidade de vida das pessoas – generalização, até às aldeias mais remotas, do fornecimento de água, eletricidade, tratamento de resíduos, melhoria das escolas, melhoria das vias de comunicação … – e a economia portuguesa pudesse preparar-se para integrar o mercado comum, o mercado interno, mas, também, com a abertura de Portugal ao investimento estrangeiro.
Em Espanha a transição democrática, diferente da nossa, ocorre mais tarde. Em 19 de junho de 1975, a Juventude Socialista de Portugal (JS) organiza em Lisboa (Praia Grande) o Congresso das Juventudes Socialistas Espanholas (JSE), ainda na clandestinidade. A queda da ditadura em Portugal entusiasma a oposição espanhola. O regime tem medo do contágio (Castaño, 2021). Espanha entrega o seu pedido de adesão à CEE logo em julho de 1977, 4 meses depois de Portugal. E assim iniciamos um percurso que foi mais que um percurso de negociação de cada um dos países com as instituições europeias. Foi também um percurso na melhoria de relações bilaterais e de identificação de interesses comuns e, como não podia deixar de ser, de alguma divergência e conflitualidade.
Portugal queria aderir antes de Espanha. Esperava garantir negociações separadas; entendia que a Espanha tinha questões maiores que iriam atrasar a adesão. Ganhou a tese da negociação paralela defendida por vários países, entre eles a Alemanha. Apesar disso, Portugal manteve-se na sua posição. Em Madrid, o Comissário Natali assume que Portugal entraria depois da Grécia, mas antes de Espanha.
Em junho de 1980, os dois países estavam claramente numa posição de conflito nas negociações, o que levou a que o negociador europeu interrompesse as negociações “até que Portugal e Espanha se ponham de acordo”. Têxteis, cortiça, desequilíbrio das relações comerciais com vantagem para Espanha eram também pontos de conflito.
Com a chegada de Filipe Gonzalez ao poder, o Presidente do governo empenha-se na criação de uma frente comum no contexto da então CEE. No início de abril de 1985, Portugal e Espanha chegam finalmente a um acordo sobre o relacionamento bilateral durante o período transitório, no campo das pescas, da União Aduaneira, mas ficando de fora os têxteis, a cortiça e alguns produtos químicos. Nesse mesmo dia é anunciada a data de assinatura dos Tratados de Adesão.
Finalmente, Portugal e Espanha assinam os respetivos Tratados de Adesão no mesmo dia, de manhã em Lisboa, à tarde em Madrid. E entram na UE no mesmo dia, 1 de janeiro de 1986. Não sem problemas do lado português. À última hora, já na fase final do governo de coligação liderado por Mário Soares, o chamado governo do Bloco Central, Aníbal Cavaco Silva, que tinha acabado de ser eleito Presidente do PSD, queria adiar a assinatura do Tratado do lado de Portugal, com tudo acordado e preparado para a assinatura no Mosteiro dos Jerónimos. Valeu-nos Rui Machete, a quem Mário Soares convenceu que essa assinatura era inadiável.
Não me irei debruçar aqui sobre a evolução das relações económicas e políticas, a seguir, entre Portugal e Espanha. Nem sobre os impactos da adesão. Há muita literatura publicada sobre o tema.
A tendência em Portugal é de considerar que Portugal é um beneficiário unilateral da integração europeia. É beneficiário, sim, mas não é só beneficiário.
Portugal e Espanha trouxeram valor acrescentado à UE. As suas línguas, as suas culturas, mas também as suas relações privilegiadas com Africa, Brasil, América Latina. A primeira cimeira EU-Brasil realiza-se em Portugal (Lisboa, 2007) durante a Presidência Portuguesa do Conselho da UE, quando na altura já se realizavam cimeiras regulares com os restantes BRIC, mas não com o Brasil. A primeira cimeira UE-África realiza-se durante a Presidência Portuguesa do Conselho da UE (Cairo, 2000), o mesmo acontecendo com a segunda cimeira (Lisboa, 2007), sendo que entre a primeira e a segunda a UE não conseguiu realizar nenhuma destas cimeiras por questões políticas de relação entre um ex-colonizador e uma ex-colónia. Portugal conseguiu trazer ambos a Lisboa e realizar a cimeira. Mas há muitos outros campos em que as posições comuns de Portugal e Espanha têm contribuído para progressos importantes no processo de construção europeia, mesmo quando essa conjugação de posições resulta de colaboração entre governos de diferentes famílias políticas.
Margarida Marques
Ex-secretária de Estado dos Assuntos Europeu e ex-deputada europeia
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Castaño, David, “Um reencontro atribulado. Portugal e Espanha entre a queda das ditaduras e a adesão à CEE, 1976-1986”, in Ler História, nº 78, pp. 199-222, 2021
Secretariado Geral do Conselho, Serviço de Imprensa, EU-Africa Summit, 2014
Eurocid, Cronologia da Adesão, Das negociações à adesão de Portugal à CEE: 1977-1985