Uma vitória da democracia
Irrompeu uma mudança na Europa, com profundas diferenças face a prévias tentativas de alcançar igual transformação, de entre as quais se destaca a inequívoca legitimação popular. Podemos hoje afirmar com certeza que algo mudou no Velho Continente. E ainda que muitos permaneçam sordidamente fiéis à austeridade – aguardando os resultados da estratégia miraculosa que faria reerguer com vigor a economia europeia, empobrecendo selectivamente quase tudo e quase todos – são cada vez mais os líderes europeus que assumem o fracasso desta estratégia. Se uns o exprimem vocalizando, outros optam por um silêncio que não deixa de ser denunciante. Em Portugal, todavia, o primeiro-ministro não demorou a rotular pejorativamente algumas das ideias do Syriza, manifestando uma vez mais a sua tosca inaptidão para defender o país. Portugal pode não ser a Grécia, mas partilhamos um assinalável conjunto de problemas da mesma forma que podemos – e temos genuíno interesse – em partilhar novas soluções.
Em 2015 há razões para acreditar que os ventos podem ser de efetiva mudança. Oito outras eleições marcarão profundamente a agenda política europeia. No segundo semestre, as atenções estarão voltadas para Portugal e, pouco depois, para Espanha. É evidente que o Primeiro-ministro permanecerá fiel à austeridade, custe o que custar, como o próprio tanto aprecia em insistir. Nesta radical obsessão reside o mais valioso argumento para a justa reivindicação de uma alternativa política: Portugal não pode correr o risco de continuar a ser governado por uma maioria anacrónica, sem programa que não o da troica e sem feição que não a da incompetência.
Tenhamos presente que, com a vitória do Syriza, apenas teve início um processo que, por mais sinuoso que seja, se encontra nas melhores condições para fulminar a abordagem dogmática da crise: a abordagem do pensamento único e da subjugação dos povos à mais torpe financeirização da sociedade. Essa é uma singular vitória da democracia na Europa – o que já não é pouco.