Uma nova frente unida nos EUA
Depois de alguns dias, comecei a notar que não hesitava em mencionar o meu desprezo pelo Trump aos afro-americanos, mas que ficava inibido e silencioso em frente aos brancos. A razão? 88% dos afro-americanos votaram em Hillary Clinton (contra o Trump!), e, por isso, exprimir as minhas opiniões com eles era relativamente seguro (não gosto de entrar em discussões com estranhos). Na votação nacional, apenas 37% dos brancos votaram em Clinton e 58% votaram em Trump.
Este conforto que senti falando da política com afro-americanos – e não com os brancos – é novo, porque cresci numa comunidade com muito poucos negros. No meu liceu nos subúrbios de Nova Iorque, só 2 dos 1600 estudantes eram negros. Além disso, as relações entre negros e brancos estavam bastante tensas nos anos 60 e 70, não só no Sul, mas também em grandes cidades do Norte como Boston, Detroit e Newark. Na América onde cresci, os negros não eram autorizados a entrar em certos restaurantes, hotéis e clubes, e não tinham qualquer esperança de salários ou oportunidades iguais. Só comecei a fazer amigos afro-americanos quando fui para a Universidade de Duke. E, no entanto, sempre estava consciente do fosso de experiências e perspectivas entre nós.
E eu não estava sozinho. Suspeito que mesmo os brancos mais progressistas se tenham sentido muitas vezes inseguros e tímidos em frente aos seus amigos afro-americanos, em grande parte porque existem tão poucas comunidades na América onde crescem juntos. Mas o que percebo agora é que o Trump – contra a sua vontade – talvez nos tenha aproximado. Suspeito que milhões de americanos brancos como eu descobriram recentemente que – para seu espanto – se sentem muito mais confortáveis falando da política com os afro-americanos do que com outros brancos. E tenho a impressão que os afro-americanos também estão muito felizes por ter a oportunidade de falar do Trump e dos Republicanos com pessoas brancas com quem eles partilham uma aversão profunda pelos políticos racistas.
Dois exemplos das minhas recentes experiências disso…
Poucos dias depois de chegar a Sanibel, num dos cafes, uma jovem afro-americana com dreadlocks fez-me um galão. Quando me perguntou se eu queria mais alguma coisa, respondi: “Sim, quero que Trump seja impeached e obrigado a demitir-se.” Ela riu-se e disse-me com entusiasmo que estava totalmente de acordo comigo. E durante alguns minutos tivemos uma amável conversa sobre o nosso Presidente, e de como a sua resposta ao assassinato de uma mulher em Charlottesville – protestando contra o Ku Klux Klan e os brancos nacionalistas – revelou o seu racismo e cobardia. Mais tarde na minha estadia, esta vez em Nova Iorque, quando comprei uma camisa numa das enormes lojas – Macy’s – a empregada deu-me a opção de adicionar 20 cêntimos à factura para contribuir para um fundo destinado às vítimas do Furacão Harvey. Concordei em fazer isso, e, como a vendedora era afro-americana, acrescentei: “E se o Macy’s começar um fundo para destituir o Trump, darei muito mais de 20 cêntimos!” Sorriu e respondeu: “Eu também!” Mais uma vez, começamos uma conversa, e ela assegurou-me que nem Trump nem ninguém como ele jamais seriam eleitos de novo, porque pessoas como nós passaram a estar alertadas para os perigos racistas, xenófobos e misóginos ainda presentes na América.
Espero que tenha razão, é claro. Mas seja qual for o resultado das próximas eleições, parece-me muito esperançoso que Trump tenha possibilitado que os afro-americanos e os brancos progressistas se juntem e se sintam cada vez mais confortáveis uns com os outros. Sobretudo porque esta ligação vai ter que ficar mais forte nas próximas décadas se quisermos evitar a eleição de mais demagogos ignorantes e racistas.