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Uma Língua e Muitos Mundos | O Elogio da Sensibilidade

Uma Língua e Muitos Mundos | O Elogio da Sensibilidade

A representação portuguesa no Festival da Eurovisão foi das poucas que cantou na língua do seu país, esquecendo-se muitos dos países participantes que o festival que é na sua essência europeu, uma Europa onde a diversidade das Língua e das Culturas sempre foi assumida como um dos cimentos fundamentais para a sobrevivência e o aprofundamento do projeto europeu. Uma tendência que nos inquieta, mas não nos surpreende, pois há uns anos assisti, num encontro em Paris sobre a Europa das Línguas e onde cada um deveria falar na sua língua e assumir e defender a sua identidade cultural, a um Ministro da Cultura de Portugal a intervir em francês e a falar da sua formação alemã.

Opinião de:

Uma Língua e Muitos Mundos | O Elogio da Sensibilidade

No rescaldo do Festival e da vitória da canção portuguesa falou-se muito que a linguagem determinante foi a da música, referindo-se aqui e ali a pouca importância de se ter ou não utilizado a língua portuguesa, esquecendo que na língua estão muitas coisas, ritmos, cores, cheiros, sons, e que é essa pluralidade de materiais que a compõem que representam a sua riqueza. E que língua como a nossa poderia misturar de maneira tão harmoniosa e sentida o fado, a bossa nova e o jazz? 

Foi essa mistura intercontinental que conquistou esta Europa múltipla e um pouco perdida, esta Europa cada vez mais burocrática e uniformizada no espalhafato e no pensamento único, recordando-nos as palavras proféticas de Agostinho da Silva quando afirmava que Portugal devia entrar na Europa, não para ser igual aos outros e assumir o modelo dominante, mas para mostrar que há outros mundos que podem ajudar a Europa a sair da crise em que está. O que parecia utópico, produto do pensamento delirante de Agostinho da Silva, aconteceu pela mão de alguém, Salvador Sobral, que muitos também consideram delirante e naïf, alguém que diz o que diz da forma mais simples e sem se preocupar minimamente com o que é politicamente correto.

E o que é ainda mais interessante perceber, pelo menos para quem pensa que a Europa só se concretizará como comunidade quando a Geração Erasmus, a geração que cresceu e se formou com uma dupla pertença, a do país e a da Europa, temos perante nós um cidadão Erasmus, que sabe que a Europa é também Mediterrâneo e espaço de diálogo e acolhimento de e com os refugiados, alguém que tem um modelo e influências muito fortes, que ao gostar de cantar em espanhol alarga o universo de intervenção à dimensão ibero-americana. O facto de ter frequentado o Erasmus em Espanha e ter tido formação musical em Barcelona e sentir-se muito bem a cantar em espanhol, dão-lhe uma abertura e dimensão únicas que desafiam em muito o nosso país. Sejamos capazes de aproveitar estes desafios que são grandes oportunidades.