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UM OUTRO OLHAR SOBRE A EMIGRAÇÃO: O MUSEU E O ENSINO

UM OUTRO OLHAR SOBRE A EMIGRAÇÃO: O MUSEU E O ENSINO

A criação de um Museu Nacional da Emigração e o ensino da história da emigração nas escolas tem um propósito eminentemente pedagógico, para que a sociedade portuguesa possa conhecer melhor e compreender um fenómeno que é parte integrante da nossa identidade.

Opinião de:

UM OUTRO OLHAR SOBRE A EMIGRAÇÃO: O MUSEU E O ENSINO

Um povo que emigra há 500 anos precisa conhecer esta história coletiva, com uma abordagem nova, de uma forma que nunca foi contada, que possa pôr em destaque o legado que ao longo dos séculos foi deixado pelos portugueses nas mais diversas geografias por onde passaram, com tudo o que de bom e mau foi acontecendo, sem preconceitos nem tabus.

É uma história rica e variada, feita de esperança e de medos, de necessidade e de curiosidade, de coragem e ousadia, de afetos e angústias. Jamais poderia o povo português considerar-se e ser considerado humanista e universalista se não fosse o espírito que nos impele a partir à procura de novos destinos e novas vidas. Noutros países como a Alemanha, Irlanda, França, Canadá ou Finlândia, os museus da emigração e imigração são uma verdadeira homenagem a todos os migrantes. Não se compreende que Portugal com o passado que tem em matéria de emigração e de dispersão pelo mundo não tenha um lugar onde esta história possa ser mostrada, discutida e objeto de reflexão.

Esta extraordinária propensão para a mobilidade moldou o espírito português e a perceção que do exterior os outros povos têm dos portugueses. Um povo afável e trabalhador, empreendedor e humilde, sempre com uma enorme capacidade de adaptação.

Tal como aconteceu no passado, também nas décadas mais recentes os portugueses saíram do país para trabalhar. Nuns casos regressaram mais tarde a Portugal, noutros instalaram-se no país que os acolheu, tantas vezes transformando os hábitos culturais, da língua aos costumes, da religião à economia.

No século XX, a emigração portuguesa teve dois ciclos bem distintos: para as Américas até aos anos 50 e, depois, para a Europa. Seja como for, a ditadura sempre sancionou a emigração, condicionou-a e instrumentalizou-a, mas, não obstante, irreprimível pela pobreza e falta de oportunidades, pela repressão política e pela guerra colonial (a partir dos anos 60), que provocaram fugas em massa para outros países, de que o mais expressivo, inequivocamente, é a França, onde em apenas cerca de uma década chegou perto de um milhão de portugueses, a grande maioria de forma clandestina.

Por diversas razões, ao longo do século XX, o estigma que a ditadura colou à emigração foi contribuindo para sedimentar preconceitos que ainda duram até aos nossos dias, criando a sensação de haver cidadãos de primeira, que são os que habitam no país, e de segunda, que são os compatriotas residentes no estrangeiro.

Ainda hoje, nas escolas, surpreendentemente, o que se ensina a nível do secundário é pouco mais do que os dados estatísticos sobre os fluxos de saídas e faz-se referência ao volume de remessas enviadas do estrangeiro, o que não é apenas uma forma muito redutora de considerar a emigração portuguesa, mas que, ao fazê-lo, se esconde também a extraordinária dimensão humana, económica e política que lhe está associada.

É fundamental, assim, que seja eliminado este preconceito e distanciamento que existe de forma difusa na nossa sociedade e instituições, visível, por exemplo, na resposta deficiente da administração pública às necessidades dos residentes no estrangeiro ou em alguma discriminação ao nível das tomadas de decisão, porque não há portugueses de primeira e de segunda: só há portugueses, vivam eles no país ou no estrangeiro.

Daí que seja tão importante que nas escolas se aprenda a conhecer, valorizar e respeitar a emigração portuguesa e que um museu nacional dinâmico e interativo, lugar de estudo e debate, possa mostrar aos portugueses, lusodescendentes e estrangeiros a extraordinária aventura de que é feita a nossa história, precisamente porque a emigração tem sido uma constante ao longo de séculos e faz parte integrante da nossa identidade. Só temos de o assumir e, ao fazê-lo, estaremos a honrar todas as gerações de portugueses que um dia sentiram necessidade de deixar o país, independentemente das razões porque o fizeram.