Um Conselho de Estado estranho
É estranha esta decisão. Porque entra em matérias que são da exclusiva responsabilidade do Governo, porque altera o perfil tradicional do mesmo Conselho de Estado.
A Constituição consagra um universo específico de competências em que o Conselho de Estado encontra razão de ser. Elas assumem as decisões mais graves e enquadram as situações de exceção. É claro que, como em tudo, há sempre uma linha que alarga o sentido das coisas. É por isso que o texto constitucional, ao determinar que o Conselho de Estado pode aconselhar o Presidente, quando este lho solicitar, está a abrir uma caixa de pandora.
Uma atitude voluntarista até pode tolerar-se quando o mais alto magistrado da Nação faz anúncios sobre visitas de Estado do primeiro-ministro, mas é menos aceitável quando intervém no escopo das competências dos restantes órgãos de soberania.
O atual Conselho tem uma composição anormal. Em boa verdade só o líder do Governo, que é também líder o maior partido que suporta este mesmo Governo, está presente neste órgão. Ao assumir uma posição, mesmo que seja só de mera auscultação, o que o Conselho de Estado está a fazer é a consagrar um novo ente que, a não haver cuidado, se pode sobrepor ao Governo implicando-o, um conselho de “homens bons”, mas um conselho que desvirtua os fundamentos constitucionais.
Para além do precedente que pode criar, para além da porta que pode abrir e que importaria fechar desde já, o Conselho de Estado não deve ser, ainda, uma Casa Civil de valor reforçado. No concerto constitucional o Presidente, órgão unipessoal, deve ouvir quem muito bem entender, pode consagrar uma opinião como bem lhe aprouver, mas não deve construir inovações nos circuitos de decisão, principalmente quando elas implicam na formatação constitucional das competências inalienáveis do Governo.
Há ainda uma outra razão que importaria ter ponderado. A reunião do Conselho de Estado, tendo presentes o governador do Banco Central Europeu e do Banco de Portugal, promove a triangulação de informação entre estas entidades e um outro órgão de soberania em matéria financeira. Ora, isso não aconteceu até hoje em nenhum país dos que integram o Euro (com exceção da França). O Presidente, ao inovar nos circuitos, não ficando quieto na “cadeira” que a norma e s história lhe consagram, impõe a prazo uma menor capacidade do Governo perante os mercados financeiros, as agencias de notação e os investidores.
Os agentes que circulam nos mercados carecem de um único caminho na decisão, de um único decisor perante cada dossier. E esse decisor, sem qualquer dúvida e sem autorização prévia, só pode ser o Governo.
Compreendo e até aceito um certo frenesim de início de mandato. Mas não sei o que os portugueses possam pensar, se é só falta de aviso ou inexperiência concreta das coisas de Estado num tempo diferente dos idos anos 80.