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Um ano de incertezas

Um ano de incertezas

A recente eleição de Donald Trump afigura-se como um dos mais decisivos testes ao projeto europeu. O início de ano comprovou as piores expectativas sobre a administração norte americana, o que coloca desafios de curto prazo sem precedentes aos equilíbrios geopolíticos construídos no mundo pós-guerra.

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Mesmo para quem acompanhou atentamente a campanha presidencial dos Estados Unidos da América, os primeiros decretos assinados pelo Presidente recém-empossado não podem deixar de ser surpreendentes, na justa medida em que nem os analistas mais céticos foram capazes de acreditar – pelo menos, convictamente – na consumação das propostas anunciadas por Donald Trump em campanha eleitoral. O facto mais chocante que resulta da análise destas primeiras semanas é a compreensão de que a nova administração concebe o exercício do poder como uma mera gestão empresarial, negligenciando as valências mais nobres e basilares da política. 

Os Estados Unidos da América, que sempre propulsionaram a integração europeia, manifestam agora uma simpatia mais do que subtil pelo desmantelamento do projeto europeu. E se somarmos a esta apreciação o Brexit, o crescimento das franjas populistas em vários Estados membro da União Europeia e, muito particularmente, o potencial nocivo decorrente das eleições presidenciais francesas, poderemos vir a assistir, ainda este ano, a um dos mais significativos retrocessos dos últimos séculos. Os sinais mais recentes do fortalecimento da CDU e do SPD na Alemanha – com destaque para a revigoração do partido social-democrata alemão, após a escolha de Martin Schulz para defrontar Angela Merkel nas eleições de setembro – não serão suficientes para fazer contracorrente a esta deriva demagógica alicerçada na retórica do ‘orgulhosamente sós’, que tão bem conhecemos em Portugal, sem saudade. Estamos a viver um novo paradigma na morfologia das relações internacionais, fortemente vincado pela evolução, no pior sentido possível, do mundo multipolar. 

A única resposta plausível ao momento complexo que atravessamos no contexto internacional é a consciencialização de que a solidariedade não é apenas um bem imaterial. Muito pelo contrário, a solidariedade e a justiça social devem estar presentes no plano concreto das políticas públicas e na articulação das relações entre os Estados, com especial enfoque para a redução das desigualdades. Por mais explicações que possamos procurar, só de uma conclusão poderemos estar certos: quando os processos de desenvolvimento tendem a beneficiar uma parte, e vezes demais a parte privilegiada, em prejuízo do conjunto da sociedade, os eleitores manifestam-se e sinalizam o seu descontentamento. A confluência de sentimentos de injustiça e indignação no seio das democracias liberais e, simultaneamente, entre Estados que até agora cooperaram ativamente no fortalecimento de entendimentos históricos poderá ditar a aceleração de tensões globais que deixarão marcas profundas no mundo em que vivemos.

Por Portugal, o Governo permanece firme e determinado no seu compromisso de devolver rendimentos às famílias e reforçar os direitos sociais, implementando as reformas de que o país necessita – e escrevi reformas, sim, porque não apenas as reformas de direita podem ser consideradas como tal. Mas ao país não bastará o mérito e a capacidade transformadora do Governo. 2017 é um ano com demasiadas incertezas no domínio global.