Táctica, discurso, estratégia
Sobressai, antes de mais, a táctica usada pela coligação, que construiu uma narrativa sobre o país que mistura efabulação – pela realidade alternativa que evoca (um pais mais coeso, mais próspero, mais preparado para enfrentar os desafios do futuro) – e desfaçatez, pela forma como pretende dar a ideia de que não foi responsável pela governação do pais nos últimos quatro anos. Temos um governo despudoradamente amnésico, que quer ignorar que todos os problemas que agora pretende atacar (desemprego, pobreza, desigualdade, natalidade, emigração, sustentabilidade da segurança social, etc.) foram agravados nos últimos quatro anos pelo seu radicalismo, experimentalismo e incompetência.
Em segundo lugar, o discurso. Depois de ter agravado todos os indicadores de pobreza e desigualdade, de ter feito quase 200 mil pessoas perder o RSI e o CSI, e de ter injetado largas centenas de milhões nas práticas de cariz mais assistencialista, o governo aparece agora como o grande defensor do Estado social. Portas ensinou finalmente a Passos algo que este não tinha compreendido: que um discurso thatcherista de confronto explícito com o universo simbólico de segurança e proteção social, num país com nossas fragilidades socioeconómicas, seria eleitoralmente suicidário. Por isso, de uma penada, a coligação passou a querer convencer-nos de que, contra todas as expectativas, ela é afinal a verdadeira guardiã do Estado social – como se este delirante exercício pudesse ser credível aos olhos dos cidadãos.
Por fim, a estratégia, o fundamental do programa da coligação. Ao contrário do seu discurso moderado, prudente e consensual, a coligação propõe-se revolucionar a organização e o financiamento do Estado social existente, imprimindo uma dinâmica imparável de erosão das suas instituições. Depois de ter passado a legislatura 2011-15 a privatizar (ou concessionar) praticamente todo o Setor Empresarial do Estado, uma vez esgotado este setor, só restam agora os serviços públicos de seguranca social, saúde e educação para a legislatura 2015-2019. Sob a capa do plafonamento na segurança social, da liberdade de escolha e da entrega dos hospitais às Misericórdias na saúde, e introdução de escolas independentes na educação, o que está em causa são passos sérios, mesmo que graduais, de desfiguração e desmantelamento dos pilares do Estado social como ele hoje existe.
Fica finalmente à vista de todos o que são “reformas estruturais” para este governo: os cortes na despesa realizados até aqui foram só o primeiro passo; o segundo passa pela privatização dos serviços. Este é o núcleo do programa (não muito escondido) da coligação para a próxima legislatura.