Surpresas escusadas
De uma vitória esmagadora de Obama, naquele estado, quatro anos atrás, pode passar-se a uma vitória estreita mas real de Trump. O que é que está a correr mal para os democratas? Praticamente tudo: a candidata tem o que se pode chamar carisma negativo. Tem uma imagem de enorme arrogância intelectual, de resto totalmente justificada, dadas as suas capacidades e experiência. Tem passado o tempo a lamentar a falta de nível de Trump (o que nem por ser verdade, acarreta qualquer vantagem), gastou milhões em anúncios na TV dirigidos apenas aos que vêem televisão, esquecendo que jovens e ativos cada vez ligam menos aos anúncios da política. Adoeceu em plena campanha e tardou em informar o público, levantando escusados problemas sobre a sua capacidade física para o cargo e não consegue apagar dos media aqueles problemas, para nós inexistentes, de ter usado o seu endereço electrónico pessoal para trocar correspondência de estado, correndo o risco de fugas de informação, o que só agrava a paranóia securitária dos americanos.
E como se explica que Trump esteja a crescer, mentindo todos os dias como sempre fez, proferindo insinuações e até comentários racistas, divisionistas e falsos? Muito simplesmente por haver milhões de cidadãos zangados e descrentes da política, que de forma ligeira aceitam o quanto pior melhor, a descida aos infernos da inverdade, o vale tudo menos tirar olhos. Populismo? Não sei se será este o nome adequado para um comportamento simultaneamente desinteressado dos resultados e retirando gozo do disparate. Na esperança de que os assessores, depois, eduquem o candidato eleito, ou até de que o mundo melhore com atitudes de fanfarronice e desrespeito pela comunidade internacional. Uma estranha sensação de desmanchar o politicamente correto, de exaltar a vigarice bem sucedida e a batota nos negócios. Reconheceu-se agora que ao longo de vinte anos, Trump sacou à cidade de Nova Iorque cerca de 350 milhões de dólares em benefícios fiscais, muitas vezes obtidos de forma contenciosa. E continua a recusar divulgar as suas folhas de impostos.
Aqui chegados, é necessário referir que, para Clinton, nada está perdido. Muitos eleitores relutantes, vão decidir-se por Hillary na derradeira hora, um pouco aterrorizados com a continuação do disparate incessante. Também sabemos que o voto hispânico é maioritariamente democrata e que o afro-americano, com a enorme ajuda de Obama, será pro-Clinton na razão de quatro em cada cinco. Pois é. Mas o medo e a insegurança estão instalados e uma vitória de Trump já não será tão surpreendente como seria, meio ano atrás. O mundo, pois é de todos nós que se trata, dispensa esta surpresa.