SOBRE AS COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS do PRESIDENTE
A questão, sendo manifestamente política, é também de ordem constitucional, no sentido em que põe em evidência uma conduta que exorbita dos normais poderes do Presidente da República.
Na arquitetura constitucional da separação e interdependência de poderes, vale o princípio de que, na esfera da responsabilidade política, o Primeiro-ministro responde perante a Assembleia da República e não perante o Presidente da República. Esse já foi um tempo ultrapassado pela vontade do legislador constituinte quando decidiu erradicar os riscos do conflito institucional entre Presidente e Governo, a propósito das orientações governativas. É por isso que, nos termos constitucionais, o PR só pode demitir o Governo se este puser em causa o regular funcionamento das instituições democráticas.
Quando Mário Soares e Jorge Sampaio, cada um no seu tempo, avaliaram negativamente ou a conduta do Parlamento ou a coesão governativa, sabiam que para agir tinham necessariamente de recorrer à chamada “bomba atómica”, a dissolução da AR, por só essa faculdade estar no âmbito do poder discricionário do Presidente. Como tal, em nenhum dos casos a democracia deixou de se pautar pelas regras constitucionais. A solução para a contradição de julgamento político-institucional, uma vez expressa pelo Presidente, foi resolvida, como tinha de ser, por via da devolução da palavra ao soberano através de eleições antecipadas.
Novas eleições legislativas é precisamente a opção que o Presidente da República não tem agora à disposição. O Parlamento não pode ser demitido nos primeiros seis meses após a sua eleição, porque a Constituição não deixa comprometer o primado pluralista da legitimidade democrática até um limite temporal razoável para a busca, pelos Deputados eleitos, de soluções de governabilidade.
Não podendo o Presidente dissolver o Parlamento, caso se permitisse discriminar entre boas e más soluções de programa de governo que politicamente só ao parlamento compete avaliar, seria ele a comprometer, por sua iniciativa, o regular funcionamento das instituições democráticas.
Cavaco Silva, ao invocar divergências de entendimento sobre o significado dos programas de alguns partidos e ao pretender colocar alguns deles à margem do impropriamente chamado arco da governação, interfere na esfera de competência parlamentar por uma outra razão. Face aos argumentos que apresenta, é preciso lembrar-lhe que a condução da política externa não é matéria da sua competência e a sua faculdade de ratificar os tratados não esconde que quem os negoceia é o executivo e quem os aprova é o parlamento.
Se fosse reconhecido ao Presidente o direito a julgar as orientações dos partidos como critério para a formação dos governos, teríamos aberto a porta da subversão institucional, reconhecendo ao Presidente competências que a Constituição não lhe confere, essas sim típicas dos sistemas presidencialistas.
O que Cavaco Silva tem vindo a ameaçar abrir é a caixa de pandora de uma séria crise de governabilidade cujo desfecho, face a um hipotético governo de gestão ou a qualquer pretensão de governos da sua iniciativa, configuraria um bloqueio ao regular funcionamento das instituições democráticas. A interdependência de poderes não admite a substituição pelo Presidente da legitimidade democrática do Parlamento ou, no limite, a legitimidade do Povo nas urnas – o que justamente vem de ter lugar e não pode ser renovado no mandato do atual Presidente.